Jessé Souza

Efeito Despacito 4069

Efeito ‘Despacito’Ao menos duas vezes por semana, eu tenho que ir ao bairro Caimbé para pegar dois de meus filhos para a aula de inglês. Como eles moram bem perto da “boca do Leão”, a Feira do Passarão, então é inevitável passar pela “feira-livre” da prostituição naquele setor, alimentada principalmente pelas venezuelanas (Eu juro que é por obrigação, Okay?).

Conhecida como “ochentas”, pelo valor que elas cobram pelos favores sexuais, essas venezuelanas se tornaram a vitrine do que se tornou parte daquele país, destroçado por uma crise sem precedentes. De tabela, basta ser uma venezuelana para sentir o peso da discriminação, pois muitos acreditam que todas estrangeiras são vagabundas ou garotas de programa.

Pelas histórias já narradas pela imprensa local e internacional, muitas daquelas mulheres se tornaram garotas de programa por necessidade de sobreviver a qualquer custo. Mas outras já eram prostitutas e apenas migraram para o Brasil para também batalhar pela vida.

Que ninguém seja hipócrita. Quando a Venezuela caminhava bem com os petrodólares, o caminho era inverso: os brasileiros eram os que corriam para lá em busca das praias caribenhas, da cirurgia plástica, das bugigangas, dos eletrônicos; e muitas garotas brasileiras também iam para lá fazer seus programas nos fins de semana.

Recordo que, em Santa Elena de Uairén, muitos venezuelanos se incomodavam com aquele movimento de “invasão” e até criticavam os “hermanos” que se esforçavam para falar o português. Hoje esse movimento se inverteu. Na Serra de Tepequém, no último evento de rock, muitos venezuelanos apareceram por lá e a comunidade local se viu envolvida em uma nova realidade, com muitos moradores querendo falar o “portunhol”.

Em Boa Vista, a migração forçada também fez surgir os venezuelanos no mercado de trabalho, nos semáforos, nas feiras, praças públicas e shoppings. É natural que ocorram o estranhamento e o preconceito, mas o futuro vai mostrar que esse choque de cultura trará algo muito positivo, por meio dessa mesclagem.

Estamos aprendendo a exercitar nossa capacidade de acolhimento nesse momento em que o povo venezuelano enfrenta uma crise humanitária e, de quebra, essa mistura forçada terminará por criar uma nova realidade dentro da cultura latina da qual o Brasil sempre se excluiu.

Por coincidência, o fenômeno mundial “Despacito” (música de Luis Fonsi, primeira em espanhol que chega ao número 1 dos sucessos nos Estados Unidos, desde “Macarena”), veio bem a calhar. Até parece que ela foi feita para acolher esse nova realidade que está em construção em Roraima, sendo cantada por brasileiros e servindo de alento aos ouvidos dos venezuelanos.

*[email protected]: www.roraimadefato.com