Opinião

Opiniao 03 10 2017 4889

Apendicite ainda mata muita gente – Marlene de Andrade*

Aquele, pois, que sabe fazer o bem e não o faz, comete pecado. (Tiago: 4. 17)

Que notícia tremendamente triste é saber que alguém faleceu vítima de apendicite, a qual é a inflamação de um pequeno órgão linfático, denominado de apêndice. Esse quadro quase sempre ocorre por causa da obstrução desse pequeno órgão devido à retenção de material com restos fecais, rico em bactérias. Não adiante prescrever buscopan composto e dar alta ao paciente, pois o que vale mesmo é a história e o exame clínico.

Nos dias atuais temos uma bateria de exames bem acessíveis que nos ajudam a chegar a esse diagnóstico, sendo que o exame clínico é sempre soberano. Então, por que ainda tem gente morrendo de apendicite? Não vejo uma explicação plausível, visto que ouvir o paciente e se sintonizar com sua dor já dá uma margem de mais de 70% de probabilidade de se chegar ao diagnóstico desse terrível mal. E tem mais, o diagnóstico de apendicite é clínico, mas solicitar exames laboratoriais ajuda muito.

Infelizmente, o número de pessoas que falecem devido a essa doença é incrivelmente assustador. Ora, a queixa primeira e gritante é dor próxima à região umbilical. Essa dor migra para a região inguinal à direita, conhecida popularmente como virilha. Vá lá que no início ela pode ser uma dor não muito forte e ocorrer em outros pontos do abdômen. Porém, dor abdominal deve ser bem investigada.

A inflamação do apêndice é um processo que evolui rapidamente entre 12 a 15 horas, sendo a dor o primeiro sinal de alerta que vem acompanhada de enjoo, vômitos, perda do apetite, febre baixa e, entre outros, diarreia. Hoje em dia temos exames laboratoriais que nos facilitam o diagnóstico de uma maneira muito eficaz como, por exemplo, ultrassonografia e a tomografia abdominal.

Sei que mesmo o médico sendo muito atento, tem vezes que não é possível salvar a vida do paciente, pois ele pode ter chegado à emergência quando o quadro clínico de apendicite já havia se complicado. Pode ser também que o paciente seja imunologicamente muito frágil ou existir outras tantas situações que podem complicar o quadro de apendicite aguda ou o camuflar. Sendo assim, cito a possibilidade da apendicite estar ocorrendo em uma criança de menos de dois anos que não sabe dizer o que está sentindo e, aí, a situação fica muito difícil de ser resolvida, mas nada como um bom exame clínico acompanhado de exames laboratoriais para se chegar ao diagnóstico.

*Médica Especialista em Medicina do Trabalho-ANAMT

A coerência na escola – José Pacheco*

Ser coerente será apenas ser congruente, estabelecer concordância entre ideias e fatos? No contexto escolar, talvez a coerência assuma a forma de fidelidade a princípios… Porém, em nome da verdade (palavra rara nos Projetos Político-Pedagógicos das escolas), diz-se que valores abundantes no discurso pedagógico raramente se traduzem em atitudes, talvez por não serem passíveis de concretização no contexto de uma sala de aula. Por exemplo: se o professor tem dever de obediência hierárquica, se não é autônomo, como poderá educar em autonomia? Ninguém dá aquilo que não possui. Se a autonomia é algo que se exerce em relação a outrem e o professor está sozinho na sala de aula, como poderá ensinar autonomia? O professor não ensina aquilo que diz; o professor transmite aquilo que é.

A mudança das instituições processa-se a partir da transformação das pessoas que as compõem e mantêm. Julio Cortázar escreveu que uma ponte só é verdadeiramente uma ponte quando alguém a atravessa. Tão importante como escutar uma palestra ou ler um livro é escutar-se, escutar a si próprio, verificar a coerência entre o ato e a teoria. E saber fundamentar aquilo que se faz, assumindo compromissos. A teoria converte-se em ação quando assumida em situações reais.

Dizia Kurt Lewin: “teoria sem prática é viajar no vazio, prática sem teoria é viajar no escuro”. Sabemos que a pedagogia age numa fronteira tênue entre intenção e gesto, motivo pelo qual não deveremos preocupar-nos apenas com grades curriculares – estejamos atentos aos modos de trabalho, que deverão considerar o ambiente social em que o aluno vive. “A escola é apenas um momento da Educação; a casa e a praça são os verdadeiros estabelecimentos pedagógicos”, dizia-nos Johann Heinrich Pestalozzi. Não nos esqueçamos da necessidade de harmonizar valores do projeto escolar com os valores do projeto familiar (mesmo que ninguém o tenha escrito…).

Se nos lares e nas ruas escasseiam a tranquilidade e a reflexão, como pretender que os nossos alunos se mantenham quietos e calados? Se há professores que se atropelam ao falar e sussurram ao pé do ouvido do colega do lado, como poderão exigir dos seus alunos o levantar a mão para solicitar a sua vez de falar?

A velha história é contada assim: Aquele barco a remos fazia a travessia de um rio. Num dos remos tinha escrita a palavra “acreditar”; no outro, a palavra “agir”. O barqueiro explicou o porquê. Usou o remo no qual estava escrito “acreditar” e o barco começou a dar voltas, sem sair do mesmo lugar. Depois, usou o remo em que estava escrito “agir” e o barco girou em sentido oposto, sem ir adiante. Quando usou os dois remos, num mesmo movimento, o barco navegou até a outra margem. Não “remou contra a maré” ou “ao sabor da corrente”. Uniu duas margens pelo impulso da escolha que lhe imprimiu um rumo coerente.

*Retirado de PACHECO, José. Dicionário de valores. São Paulo: Edições SM, 2012

Quem nos dirige – Afonso Rodrigues de Oliveira*

“Pena que todas as pessoas que sabem como governar o país, estejam ocupadas a dirigir táxis ou cortar cabelos.” (George Burns)

É bem verdade, não devemos ver o mundo, hoje, como ele era visto ontem. As coisas e o mundo mudam de uma hora para outra. O problema é que nós, seres humanos não mudamos. E se não mudarmos continuaremos a ver o mundo de uma só maneira. Como se mudasse. Ainda continuamos querendo educar nossos filhos como nossos pais nos educaram. E quando queremos atuar diferentemente, caímos na esparrela e nadar contra a corrente. E o mais simples e natural é deixado para trás, como se estivesse sendo levado pelo tempo. Vamos acordar?

Num momento de reflexão, ontem, fiquei pensando no Jânio Quadro. Ele foi o exemplo mais típico do despreparo político do brasileiro. E infelizmente continuamos despreparados. Até mesmo os que se julgam preparados continuam indo na onda das marolas dos despreparados que se julgam preparados. O Jânio Quadros se julgava o dono da bola. Quem o conheceu pessoalmente pode falar com franqueza. Ele tinha tudo para iludir o eleitorado alimentando os que dirigiam táxis ou cortavam cabelos. E deu no que deu.

Antes da presidência, quando ele foi eleito prefeito de São Paulo, eleito como um candidato simples e sem recursos econômicos, vestindo-se com a simplicidade de um pobre, ele viajou, com a família, para o exterior. A imprensa fez um alarde querendo saber como ele conseguiu tanto dinheiro. Ele respondeu com a maior naturalidade, dizendo que foi da venda de um terreno na Vila Maria. E a imprensa calou-se. E quem conhece a Vila Maria reconhece o ridículo da resposta aceita. Conhecemos algum caso assim, e recente? Conhecemos sim, e não são poucos.

Sei que esse papo não está agradando a você. Nem a mim. Mas são as coisas simples em assuntos simples que devem nos alertar para o mundo políticos que ainda vivemos como se estivéssemos no passado. Confesso que ando preocupado com o que pode acontecer nas próximas eleições. Estou vendo cópias do Jânio, por aí. E não temos mais como aceitar demagogos sendo eleitos por nós, como se fôssemos títeres do passado. Vamos nos preparar para que não continuemos atravessando o riacho, em canoa furada.

Sabemos que a falta de uma Educação de qualidade não está apenas no Brasil. O mundo todo vive esse problema. Podemos ver isso, se prestarmos mais atenção ao comportamento histriônico norte-coreano de mãos dadas com o norte-americano. E será que somos meros expectadores? Ou fortes participantes ingênuos? Não misturemos ingenuidade com ignorância. Senão a jiripoca vai piar. Pense nisso.

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