Opinião

Opiniao 06 07 2018 6521

O eixo do tempo na educação – Ronaldo Mota*

A seta do tempo é ainda um mistério para a ciência. As equações fundamentais da natureza são reversíveis, possibilitando irmos para frente ou para trás, sem ofendê-las. No mundo real, os processos se desenvolvem no sentido do passado para o futuro. Tal anisotropia temporal está ligada ao grau de desorganização do sistema, quantificada na termodinâmica por uma propriedade denominada entropia. Ao longo do eixo do tempo, a entropia média sempre aumenta.

Quanto à nossa percepção, vista do ponto de vista do tempo presente, é natural que observemos, contemporaneamente, marcas remanescentes de um passado, que insiste em não ir embora, convivendo com elementos de um futuro que ainda não chegou completamente.

Recentemente, estive participando de um evento na Espanha, celebrando os 800 anos da Universidade de Salamanca, que é uma das mais antigas universidades do mundo e referência de destaque na formação do pensamento ibero-americano. Restam poucas dúvidas que a instituição comemorará, daqui a dois séculos, o seu milênio com os mesmos louros e méritos de serguardiã permanente das tradições e dos valores mais caros da comunidade acadêmica. No entanto, ela não está imune aos desafios dos tempos atuais, onde mudanças abruptas e radicais, inéditas em suaprofundidade e na rapidez com que ocorrem, produzem impactos significativos em como ensinamos e promovem o surgimento de múltiplas formas surpreendentes de aprendizagem.

Tive a oportunidade de assistir naquela instituição quase milenar, a uma mesa-redonda com seis educadores seniores apresentando suas visões quanto ao emergente mundo digital. Seus slides, em geral, com letras miúdas, reproduzindo quase literalmente os textos lidos, ilustram em termos de meios as mensagens proferidas. Salvo exceções, eram bem-intencionados analógicos tratando do inusitado digital. Por mais que percebessem as alterações em curso no presente, suas abordagens, naturalmente, expressavam, na forma e no conteúdo, seus conceitos enraizados em referências do passado. Respeitáveis valores e tradições que tornam difícil enxergar, com clareza, todos os elementos do futuro que já se começou. São olhares honestos e competentes que priorizam tentar reorganizar o passado e o presente mutantes, os quais insistem em não nos deixar.

É ilusão imaginar que as abordagens educacionais comumente adotadas para formar profissionais até recentemente permaneçam válidas, sendo suficientes pequenos ajustes acrescidos da incorporação de algumas tecnologias. Muito além do domínio simples de conteúdos circunscritos em programas fixos e transcendendo as séries previsíveis de técnicas e procedimentos, o desafio agora é preparar ao desconhecido, envolvendo, especialmente, habilidades e aspectos comportamentais não previstos antes.

Vivemos ou, gradativamente, passaremos a viver em uma realidade onde a informação estará totalmente acessível, instantaneamente disponibilizada e, basicamente, gratuita. Cada vez é menos relevante o que se aprendeu frente a ter explorado as possibilidades de ampliar a capacidade de aprender continuamente, ao longo da vida, o aprender a aprender. A cognição tradicional e suas diversas metodologias associadas dão espaço às abordagens metacognitivas, onde o centro é ampliar os níveis de consciência dos próprios educandos acerca de como eles aprendem. Dos debates acercas de pedagogias adotadas para todos, indistintamente, enfrentamos a complexa tarefa da construção de uma educação híbrida e flexível, onde todos os educandos aprendem, aprendem o tempo todo e cada um de maneira única e personalizada.

Os educadores, legitimamente, se expressam a partir dos seus referenciais, ancorados em suas tradições e refletindo suas experiências. É certamente tarefa difícil entender a migração de uma avaliação baseada na dicotomia entre o saber versus o não saber à luz de uma realidade emergente onde o mais relevante é saber decifrar realidades complexas, solucionar problemas e cumprir missões. Para quem tem valores cristalizados quanto a mensurar o conhecimento aprendido não é nada simples descobrir que passam a ser considerados, com pesos iguais ou mesmo preponderantes, atributos adicionais como saber trabalhar em equipe ou capacidade de compreender o outro.

A dificuldade essencial está na encruzilhada de tentar entender o presente com os mesmos instrumentos do passado ou ousar pensar o futuro com menos amarras tradicionais, as quais, embora importantes, tendem a eclipsar a visibilidade do que está por vir.  Estacionados no presente do eixo do tempo, há que se escolher priorizar enxergar aquilo que os faróis iluminam à frente ou, alternativamente, manter os olhos fixos no retrovisor.

*Chanceler da Estácio

A VIOLÊNCIA NO BRASIL E AS FAKE ANALYSIS – Percival Puggina*

Os principais sites de notícias divulgaram, no dia 05/06/18, dados do Atlas da Violência 2018. O foco das informações centrou-se no aumento da letalidade intencional de negros e pardos e redução dela no meio da população branca. O maior índice de crescimento se deu entre as mulheres negras.

Os comentários correram todos para o leito habitual das fake analysis nacionais: é tudo causado pelo racismo e pelo machismo, donde se conclui, sem precisar afirmar, que a culpa cabe à população masculina de pele branca… As duas palavras, principalmente a primeira – o racismo – deram tom aos comentários jornalísticos e às opiniões das personalidades ouvidas. Tenho certeza de que o leitor destas linhas – inteligente que é – já deve estar se interrogando sobre quem mata quem nesse intolerável e vergonhoso genocídio. A resposta seria bem esclarecedora se o Brasil conseguisse melhores resultados na investigação criminal. Em novembro do ano passado, o Estadão informou que o Instituto Sou da Paz consultara os governos de todas as unidades da Federação sobre o índice de solução de homicídios que vinham alcançando nas respectivas investigações. A resposta viera apenas do Pará (4%), Rio (11%), Espírito Santo (20%), Rondônia (24%), São Paulo (38%) e Mato Grosso do Sul (55,2%). Mesmo assim, a amostra que daí se colhesse, referida a homicídios esclarecidos e informando o perfil de criminosos e vítimas, seria estatisticamente suficiente para identificar quem está matando quem nessa guerra. É uma tosca mistificação que nos permitiria, pelo mesmo raciocínio que a constrói, olhando a desigual distribuição da criminalidade nas várias regiões de uma cidade, deduzir que há bairros que matam e bairros que morrem. Arre!

*Membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.

É verdade, sim… – Afonso Rodrigues de Oliveira*

“O único meio de se descobrir os limites do possível é ir além dele, alcançando o impossível”. (Confúcio)

Se você pensa que é brincadeira, corte essa. Acho que atingir o impossível é eu parar de cometer minhas gafes. E o palco mais notável são os supermercados. Mas também cometo minhas tolices fora deles. Um dos meus hábitos na alimentação matutina eu não dispenso: uma banana machucada, com aveia, coberta com canela em pó. Isso eu não dispenso. Certo dia a cane
la acabou. Fui ao supermercado e comprei um pacotinho de canela em pó. Mas, quando coloquei a canela na banana ficou um sabor horrível. Voltei ao supermercado e peguei outro pacotinho. Examinei bem o prazo de validade e estava tudo em ordem. Saí bicudo e joguei o pacotinho sobre o balcão do caixa. Mas, quando a caixa tentou pegar o pacotinho eu avancei e o pequei primeiro. A moça franziu a testa e, sorrindo, expliquei. Eu estava levando colorau em vez de canela. E foi o que aconteceu com o primeiro pacote.

Já falei, por aqui, sobre minhas maiores qualidades. Na verdade orgulho-me muito, delas. Tenho tudo que uma mulher deseja num homem: sou pequeno, magro, feio, pobre, um péssimo fisionomista, mais péssimo ainda, como antifotogênico, e meio daltônico. Qualidades que nem todos têm o privilégio de ter. A coisa mais natural é alguém aproximar-se de mim, sorrir, estender a mão e falar alegre: “Oi, mestre… Como vai”? Normalmente exagero no cumprimento como se fizesse meio século que não nos víamos. Mas você nem imagina o quanto isso me faz feliz, sobretudo quando descubro quem é a pessoa, e que não faz tanto tempo que não nos vemos. E se isso acontecer, ou já aconteceu, com você, não se confunda. Não é descaso meu. É uma situação normal para pessoas como eu. O importante é o amor que tenho pelas pessoas, independentemente de quem elas são.

Não faz muito tempo, em São Paulo, fui atualizar minha carteira de identidade. Na recepção a moça me indicou:

– O senhor entre à esquerda e vá ao balcão laranja.

Dobrei e fui. Encontrei dois balcões em cores diferentes. Fiquei tonto. Dirigi-me a uma funcionária e perguntei:

– Filha… Qual é o balcão laranja?

Ela me olhou como se pensasse ser brincadeira, mas resolveu me ajudar. Apontou para o balcão e falou meio carrancuda:

– É aquele ali.

Mas não era sobre isso que eu ia falar, hoje. Era sobre o estranho encontro meu com um garotão que hoje é um nome importantíssimo no jornalismo roraimense. Você não imagina a besteira que eu cometi no nosso primeiro encontro. Amanhã eu te conto. Foi legal pra dedéu. Mas ele ainda não sabe disso. Pense nisso.

*Articulista [email protected] 99121-1460