Opinião

Opiniao 26 05 2017 4093

O Brasil é um imenso hospital – Sebastião Pereira do Nascimento*Em 1912 os médicos sanitaristas Belizário Penna e Arthur Neiva, percorreram durante oito meses várias regiões do interior do Brasil em busca de obter informações e relatar os problemas nacionais relativos à saúde pública. Tendo como proposta a ideia de melhorar a saúde do povo brasileiro, através da reeducação de cada cidadão a partir de ações governamentais descentralizadas como pré-condições para as mudanças desejadas.

Belizário Penna e Arthur Neiva foram pioneiros na denúncia do estado de penúria e enfermidade em que vivia a população brasileira durante as primeiras décadas de 1900. Sendo, porém, um problema não exclusivo das regiões mais pobres do Brasil, mas, segundo os autores, uma epidemia que assolava praticamente todo o país, principalmente pela ignorância do povo e pela negligência dos agentes públicos.

Os relatos de Penna e Neiva tiveram ampla repercussão por todo a país, culminando, em 1917, com a intrigante afirmação do ilustre sanitarista (Miguel da Silva Pereira) de que o Brasil era um “imenso hospital”.

Posteriormente, vários outros especialistas da época evocaram essa imagem de Brasil doente em uma série de propostas no sentido de mudar a situação. Contudo, nada saiu do papel.

Um século depois dos relatos de Penna e Neiva, o povo brasileiro continua vivendo o infortúnio de uma saúde enferma, consequente da falta de educação, aliada aos produtos de uma estrutura econômica defeituosa que ascende a miséria física e intelectual das pessoas em condições insuperáveis.

A saúde caótica dos brasileiros é simplesmente o legado das incúrias públicas e da má qualidade de vida dos nossos antepassados – aqui se enquadram tanto a falta de educação (que antecipa a ignorância de cada um) como também os descasos provocados pelos agentes públicos em sucessivas épocas.

Estudos hipergenéticos modernos revelam que tanto a miséria ambiental quanto a má nutrição infantil (mesmo no estágio intrauterino) comprometem o metabolismo fisiológico das pessoas contribuindo para diversas doenças; as modificações produzidas pela escassez de alimento ou pelo excesso dele ou ainda pelo um ambiente miserável provoca profundo efeito na atividade futura dos genes humanos.

Diante desse pressuposto, quando uma criança se vê privada de uma boa qualidade de vida nas etapas iniciais do seu desenvolvimento, seu organismo se programa para enfrentar uma vida dotada de enfermidade e demência mental. Sendo que mais tarde se essa pessoa tiver acesso à gula, estará mais propensa à obesidade e predisposta às múltiplas doenças.

Do contrário, os pais que se exercitam de forma regular e têm uma melhor qualidade de vida durante longo tempo, seus descendentes ficam programados para uma vida mais saudável e pouco gasto energético – estudos assim podem ser aproveitados e ampliados para confirmar essas hipóteses, além de subsidiar políticas públicas no sentido de reduzir o estado enfermo em vive o povo brasileiro.

De modo comum, vimos que o consumo exagerado de produtos danosos oriundos da indústria tecnocrata é uma marca cultural da sociedade contemporânea, onde o consumo ganha mais força ainda quando as pessoas relacionam o uso desses produtos a sensações abstratas (poder, exibição, luxúria e outras coisas que satisfazem o ego), estimulada pela propaganda fútil. O consumo desmedido desses produtos, associado ao contentamento de prazer a todo custo, pode levar uma disfunção patológica, a qual deve ser encarada como doença.

De maneira geral, não seriam apenas os cuidados médicos a resolver os problemas de saúde no Brasil, mas, sobretudo uma orientação educacional que possa extirpar a ignorância do povo, ao mesmo tempo em que os gestores públicos sejam mais racionais e íntegros. Além do mais, é necessário que as escolas e universidades contribuam com informações mais claras e seguras e deixem de serem “fábricas” de débeis mentais. Só assim, teremos uma população zelosa e saudável e o Brasil deixará de ser esse imenso hospital.

*Filó[email protected]

Viajando no tempo – Afonso Rodrigues de Oliveira*“Você pode dizer que sou um sonhador, mas não estou sozinho nisso. Espero que um dia você se junte a nós, e o mundo será como se fosse um só”. (John Lennon)Está difícil pra dedéu você se concentrar em assuntos amenos e divertidos. E pra chegar até aqui, agora, tive que desligar o televisor. Mas não vou citar o Barão de Itararé a respeito da televisão. Isso tornaria o assunto desagradável. Vamos navegar. Não sei se você sabe, mas tenho aqui, no meu arquivo, mais de cinco mil matérias publicadas na Folha. Não é à toa que vez por outra estou repetindo um assunto. É que não me lembro se ele já foi publicado. Caminhando pela rua, ontem, lembrei-me de um casozinho, ou causo, sei lá. Mas se ele já foi publicado, desculpem-me, mas vamos a ele.

Acho que isso foi no ano passado. Dona Salete arrastou-me para um shopping, ali na Praça Ramos de Azevedo, em São Paulo; bem em frente ao Teatro Municipal. Saí preguiçoso. A tarde estava meio marota e ameaçando uma neblina. Já íamos terminando de atravessar a Praça da Sé quando de repente a dona Salete me puxou o braço, com firmeza. Parei e perguntei:

– Que foi?

– Que foi? Olha pros teus pés?

Olhei para meu pé e me assustei. Eu estava pisando numa cédula de vinte reais. A cédula era novinha. Apanhei-a e fiquei olhando para ver se seria de alguém nas imediações. Mas só havia por perto, alguns moradores de rua, e ninguém que indicasse ter nada com a cédula. E antes que eu fizesse o que sempre faço nesses momentos, ela me puxou pelo braço, atravessamos, e entramos na Rua Direita. Sorrimos com as apresentações banais na Praça do Patriarca, e finalmente chegamos ao shopping. Compramos um guarda-chuva, com a cédula, e voltamos para casa.

Lembrei-me de tudo isso, ontem quando voltava para casa, depois de pegar o jornal, pela manhã. De repente, olha o que encontrei no meio do asfalto: um martelo velho, em perfeita condições, mas sem cabo.

Apanhei-o e fiquei que nem um tonto com o martelo na mão, esperando que aparecesse alguém pra eu perguntar se era dele. Que era o que eu iria fazer com a cédula da Sé. Mas não apareceu ninguém e as casas, nas imediações, estavam todas fechadas. Aí comecei a rir, sem saber o que fazer com o martelo.

Entrei em casa e não falei nada pra ninguém. Tive receio de levar uma bronca por estar trazendo tranqueiras pra dentro de casa. Coloquei-o lá no canil, mas sem os cachorros verem. Senão eles iriam latir pra mim. Se for você quem perdeu o martelo, pode vir buscá-lo. Mas se não vier eu vou colocar um cabo nele. Só não sei é quando irei fazer isso. Agora vou ligar o televisor. Pense nisso.*[email protected]