Jessé Souza

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O ovo deu cria

Jessé Souza*

Na noite de domingo, surgiu a informação, nos grupos de WhatsApp, de que um suposto venezuelano teria praticado assalto e atirado contra um policial que o perseguia. E logo começaram os discursos contra os venezuelanos, como se todos que viessem para Roraima, em busca de oportunidade, fossem um bandido em potencial.

É fato que a Venezuela impõe as mais duras fiscalizações em seus postos militares de vigilância, as temidas alcabalas, dominadas muitas vezes pela corrupção institucionalizada; enquanto isso, no Brasil, a BR-174 é frágil em fiscalização, mas não apenas para venezuelanos, como para qualquer traficante ou outro tipo de criminoso brasileiro ou de qualquer outra nacionalidade.

Em Roraima, criou-se um “ovo de serpente” desde a ruidosa disputa pela Terra Indígena Raposa Serra do Sol, quando a população foi insidiosamente manipulada a ter preconceito e racismo contras os índios, como se eles fossem os responsáveis por todos os males que o Estado enfrentava – e ainda enfrenta.

Enquanto a população acreditava nesse discurso, os políticos corruptos se apropriaram das terras produtivas do Estado (mas, afinal, que fim levou essa investigação?), atacavam os cofres públicos e se tornavam políticos enraizados, elegendo e se reelegendo, um deles inclusive se tornou liderança nacional sem nunca ter resolvido nenhum grande problema de Roraima (Por que cobrar dele se os “culpados” eram os índios?)Os políticos e seus comparsas incutiram na cabeça dos roraimenses um nacionalismo exacerbado por meio da paranoia da internacionalização da Amazônia, que estaria começando a partir das fronteiras roraimenses (alguém ainda lembra disso?!).

O avanço do populismo no Brasil acabou levando ao preconceito, que faz surgir o nacionalismo doentio, que por sua vez alimenta a xenofobia, que é um passo para gerar um clima de desconfiança no outro, principalmente se este outro pensar diferente dessas bolhas que acham que o problema está sempre vindo das fronteiras, do comunismo (que nem existe mais ou nunca existiu) e sempre apontando bodes expiatórios. Roraima foi pioneiro nisso tudo, desde a questão indígena.

Como nos acostumamos a isso, então sempre estamos suscetíveis a apontar alguém ou um grupo como culpado pelo que está dando errado. Nesse meio tempo, isso virou epidemia mundial, a exemplo da Europa com seus refugiados e dos Estados Unidos com seu trumpismo.

E o ovo gerou a serpente. E a Venezuela, implodida por seu bolivarianismo, cai muito bem como o novo bode expiatório. Os venezuelanos, principalmente os de origem indígena, tornaram-se o “grande perigo” a ser combatido.

P.S: A propósito, não era venezuelano o bandido que assaltou e atirou contra um policial, na noite de domingo; ele era um brasileiríssimo foragido do sistema prisional roraimense.

*[email protected]: www.roraimadefato.com