Cotidiano

Com desabastecimento na Venezuela, transporte ‘formiguinha’ preocupa

Empresários e caminhoneiros pedem mais fiscalização para coibir evasão de divisas e transporte ilegal de produtos para a Venezuela

Pressionados pela escassez de alimentos, os venezuelanos continuam buscando reabastecimento no Brasil, principalmente na cidade fronteiriça de Pacaraima, Norte do Estado, o que gerou um “boom” no mercado local.

O resultado disso é a frequência de veículos da Venezuela, principalmente caminhões de pequeno porte, passando pela fronteira com assiduidade carregando toneladas de produtos básicos.

A Folha recebeu denúncia de que esses veículos estariam passando com facilidade pela fronteira sem as devidas fiscalizações. “Esses caminhões pequenos estão passando diversas vezes, às vezes cinco ou seis vezes no dia e não estão sendo fiscalizados como deveriam. Não emitem nota fiscal e passam apenas com uma espécie de recibo, o que não gera o recolhimento de tributos. Eles passam com facilidade levando mercadorias de Pacaraima, que somam mais de 30 toneladas, trabalho de carretas autorizadas para exportação. A ação foi apelidada de ‘formiguinha’ e vem acontecendo de maneira mais intensa há dois meses”, afirmou o denunciante, que preferiu não se identificar.

Esses caminhões fazem o frete de alimentos e produtos de higiene adquiridos em Pacaraima. A prática “formiguinha” gera prejuízo para alguns setores, conforme a denúncia. “Diversos serviços estão sendo afetados em Roraima, sem falar da falta de recolhimento de tributos. As mecânicas, autopeças, lojas de pneus, todas essas empresas de Roraima estão deixando de vender, porque as carretas que têm autorização para fazer esse transporte para a Venezuela estão paradas. Muitos proprietários de caminhões estão com parcelas de financiamento atrasadas. Os despachantes aduaneiros, que vivem disso, estão sem serviços. Existem inclusive caçambas que estão transportando cargas de carretas, um transporte que não foi feito para carregar alimentos e não possuem nenhum tipo de estrutura para isso”, frisou o denunciante.

REGULARIZAÇÃO – O que vem acontecendo, segundo o auditor fiscal da Receita Federal em Pacaraima, Thomáz de Souza Leão, é que muitos comércios abriram na fronteira com a Venezuela nos últimos meses e a maioria não conseguiu se regularizar totalmente junto à Secretaria da Fazenda do Estado de Roraima (Sefaz).

“A Receita Estadual precisa habilitar essas empresas, mas, por várias dificuldades burocráticas, essa habilitação não consegue ser feita de forma imediata. Enquanto os novos empresários de Pacaraima esperam por esse processo, os fiscais do Estado carimbam um recibo, habilitando as empresas a venderam para aos venezuelanos. Dessa forma, eles [venezuelanos] podem passar sem maiores problemas pela Receita Federal na fronteira. Esse processo é apenas temporário e não é nem interessante para os próprios empresários. Ao emitir a nota fiscal, que é o correto e legal, eles são isentos de alguns impostos, por exemplo”, explicou o auditor.

O auditor afirmou que algumas reuniões já aconteceram entre a Receita estadual e federal sobre essa situação na fronteira. “Existem empresas com mais de dois meses de atuação em Pacaraima que até agora ainda não conseguem emitir a nota fiscal. Isso já era para estar acontecendo. A margem de lucros desses pequenos empresários será maior quando isso acontecer”, disse.

Outro problema enfrentado na fronteira é a falta de fiscais da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). “Não existe fiscalização da ANTT na fronteira. A própria Receita está fazendo esse trabalho e verificando as autorizações dos transportes brasileiros, até porque as próprias aduanas da Venezuela cobram isso”, ressaltou.

COTA – Os moradores da cidade de Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, viram nos últimos meses a abertura de novas lojas. Empresários de Boa Vista e de Manaus (AM) aproveitaram as necessidades do país vizinho para aumentar os negócios na cidade fronteiriça. De acordo com a Receita Federal em Roraima, cada venezuelano pode sair do Brasil levando até US$ 2 mil em compras, limite estipulado após um convênio firmado entre o Brasil e a Venezuela.

Para levar o máximo de produtos possíveis, respeitando os limites da alfândega, um caminhão venezuelano de pequeno porte chega a carregar mais de cinco pessoas, ou seja, são US$ 10 mil em compras. A cotação do dólar nesta terça-feira, 17, de acordo com o Banco Central do Brasil, é de R$ 3,20. Ou seja, cada venezuelano pode gastar aproximadamente R$ 6,4 mil no Brasil sem ter problemas com a alfândega da Receita Federal.

SEFAZ – De acordo com nota enviada pelo Governo de Roraima, o Departamento da Receita Estadual, localizado no Município de Pacaraima, é responsável pela entrada dos produtos importados no país. “Essa importação só pode ser feita por empresas devidamente cadastradas e habilitadas junto à Sefaz. O controle do que é exportado para o município de Santa Elena de Uairén, na Venezuela, é de total competência da Receita Federal”, frisou.

ENTRADA DE DROGAS E ARMAS
PRF afirma que tem atuado por meiode fiscalização constante na fronteira

Embora a denúncia tenha abordado apenas sobre a questão aduaneira, essa situação gerou uma preocupação ainda maior: a segurança na fronteira. Em decorrência dos problemas no sistema prisional ocorridos recentemente e levando em consideração o fato de Roraima fazer parte da rota internacional do tráfico de drogas, já comprovada pelos órgãos de segurança pública do Brasil, a Folha entrou em contato com os órgãos de controle para saber como estão sendo realizados os trabalhos de fiscalização na fronteira.

Na Polícia Rodoviária Federal (PRF), o chefe de Comunicação em Roraima, Marcos Aguiar, afirmou que o trabalho na fronteira com a Venezuela, na BR-174, é realizado com viaturas operacionais, policiais e também equipes de inteligência, que ficam à paisana na região. Segundo ele, em 2017 nenhum veículo foi autuado com entorpecentes, armas ou qualquer artefato ou produto que fosse associado ao crime.

“O trabalho de fiscalização acontece de forma intensa e com frequência. Temos equipes em todas as fronteiras, não só com os dois países [Venezuela e Guiana] como também na BR-174 sentido Amazonas. Todos os carros, caminhões, motos e veículos em geral são abordados. Estamos atentos às situações que o Brasil vem enfrentando, e a nossa intenção e objetivo é coibir qualquer tipo de crime”, enfatizou.

Conforme Aguiar é mais comum encontrar algo ligado a questões penais em carros e motos. “Os caminhões geralmente são autuados por excesso de peso ou falta de autorizações ou autorizações vencidas. Este ano realmente só tivemos autuações em relação a excesso de peso em caminhões. Problemas que envolvam crimes, como o tráfico, por exemplo, e qualquer coisa ligada a situações penais são mais comuns em carros de passeio ou motos”, explicou.

PM – Ainda de acordo com as denúncias, alguns desses caminhões de pequeno porte costumam passar em horário de almoço rumo a Pacaraima, quando a fiscalização é de competência da Polícia Militar de Roraima (PMRR). De acordo com o Governo do Estado, em relação ao policiamento na fronteira, as ações foram intensificadas e, até o momento, não foi evidenciado aumento nas apreensões no local.

POLÍCIA FEDERAL – A Folha entrou em contato com a Polícia Federal para saber sobre o sistema de investigação na fronteira com a Venezuela, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria.