Cotidiano

Conselho de Direitos Humanos teme militarização da resposta humanitária

Recomendação do CNDH é que gestão de abrigos seja transferida para órgãos públicos civis responsáveis pela assistência social

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) aprovou o relatório final sobre a análise das violações de direitos contra imigrantes venezuelanos no país. No documento foram feitas algumas recomendações para os Governos Federal, Estadual e Municipal, além da preocupação com a militarização da resposta humanitária ao fluxo de migrantes.

As recomendações são focadas nos processos de interiorização, ou seja, da transferência voluntária de migrantes para outros estados; sobre a atuação das Forças Armadas na administração da questão migratória; a regularização documental dos migrantes; condições de abrigamento e oferta de trabalho e serviços de assistência social.

O documento também divulgou um relato das visitas do Conselho ocorridas em Belém, Santarém, Manaus, Boa Vista e Pacaraima no período de 18 de janeiro a 25 de janeiro deste ano. O Conselho declara ainda que, a equipe visitante reuniu-se com representantes dos três níveis de governo, em Brasília, nos três estados e cinco municípios que visitou, tendo constatado a evidente desarticulação entre eles.

“O baixo nível de compartilhamento de informações sobre o fluxo migratório, a ausência de diálogo, de apoio técnico, de cooperação e de um trabalho minimamente coordenado, tem como resultado a desassistência aos migrantes e é, em grande parte, responsável pela potencialização de suas vulnerabilidades e pelas violações de direitos humanos”, diz trecho do documento.

MILITARIZAÇÃO – Sobre a atuação das Forças Armadas, o Conselho pede que o Presidente da República, Michel Temer (MDB), reavalie sua decisão pela militarização da resposta humanitária à chegada de venezuelanos, pois, segundo o Conselho, a decisão vai na contramão do que a Nova Lei de Migração (Lei nº 13.445/17) preconiza de substituição do paradigma da segurança nacional pela lógica dos direitos humanos. “A adequada acolhida de migrantes envolve aspectos de documentação, abrigamento e acesso a direitos, competências que fogem ao escopo constitucional das funções das Forças Armadas”, diz.

Além disso, o Conselho pede a prestação de esclarecimento sobre as funções atuais do Exército dentro dos abrigos e que a gestão destes locais seja transferida o quanto antes para órgãos públicos civis responsáveis pela assistência social.

Pede que o Ministério da Defesa preste contas detalhadas sobre alocação e execução orçamentária dos R$ 190 milhões destinados para acolhimento dos venezuelanos por meio da Medida Provisória nº 823 de 2018.

INTERIORIZAÇÃO – Especificamente sobre o processo de interiorização, o Conselho recomenda à Casa Civil que assegure que a viagem ocorra de forma voluntária e que atenda pessoas em situação de vulnerabilidade, incluindo famílias com ou sem crianças. Também é recomendado que os estados e municípios que participam do projeto de acolhimento dos migrantes obedeçam alguns critérios, como oferecimento de atendimentos sociais visando a maior inserção dos estrangeiros na comunidade brasileira.

Estado e municípios devem identificar necessidades de migrantes, diz CNDH

Diretamente aos estados e municípios, o CNDH recomenda que o Sistema de Assistência Social de cada esfera realize busca ativa para identificar e enviar as pessoas para os serviços que mais necessitem, incluindo apoio jurídico, médico ou psicossocial, por meio de órgãos como o Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas).

Os poderes executivos devem ainda realizar busca ativa para identificar e cadastrar os imigrantes que se enquadrem nos requisitos de beneficiários do Bolsa Família; desenvolver projetos que ofereçam atividades ocupacionais, orientação profissional, oficina de idiomas e auxílio para inclusão no mercado de trabalho, além de programas de atendimento especial às crianças e adolescentes, com atenção às diferenças culturais e étnicas, nos termos do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA).

ONG pede que recursos sejam encaminhados para Ministérios da Defesa Social e Saúde

De acordo com Camila Assano, membro do Conselho e coordenadora de programas da organização não governamental Conectas Direitos Humanos, não se trata apenas de uma exclusão da atuação do Exército Brasileiro no atendimento aos migrantes.

Para Camila, todos os aparatos disponíveis do país têm que estar envolvidos em auxiliar em causas desse tipo, no entanto, a preponderância das Forças Armadas na liderança da questão que é preocupante. “Quando se fala em migração, se fala em sujeitos de direitos, de direitos humanos. Ainda mais no acolhimento humanitário de um grupo que foge de uma crise humanitária. O Ministério que deveria estar à frente não deveria ser o Ministério da Defesa”, declarou.

Camila explicou que faria muito mais sentido outros ministérios estarem recebendo o recurso de R$ 190 milhões, como o de Desenvolvimento Social, já que é ele que vai tratar de abrigamento imediato. Ou até o Ministério da Saúde, já que uma das questões que teve mais impacto em Roraima foi a situação da demanda no setor.

“Acho que novos repasses devem ser feitos para Ministérios que tenham competência direta na questão dos migrantes. Outra questão é quem responde hoje pela operação de acolhida humanitária é um general [no caso, o General Eduardo Pazuello]. Uma pessoa responder pelo Estado brasileiro não deveria ser alguém que venha do braço armado”, informou.

Outro ponto citado pela integrante do CNDH é a questão documental de muitos venezuelanos que chegaram ao Brasil solicitando refúgio e que ainda não tiveram seus pedidos analisados pelo Comitê Nacional de Refugiados (Conade).

A representante da Conectas ressalta que ter pessoas há mais de um ano com o protocolo de solicitante de refúgio não é algo aceitável para o Brasil. “É uma condição, sem dúvida nenhuma, mas é uma condição temporária e tem uma fragilidade, já que o processo pode ser indeferido. O CNDH pede que os casos sejam analisados de forma célere e que encontrem meios legais para o reconhecimento do refugiado”, disse. (P.C)