Cotidiano

Culinária é opção de muitos imigrantes que buscam recomeçar a vida no Estado

Venezuelanos investem na comercialização de comidas típicas de seu país, proporcionando uma nova alternativa para o consumidor boa-vistense

Um dos ramos que registram um constante crescimento na Capital é o da culinária estrangeira. Além de contar com estrangeiros no atendimento, muitos restaurantes e lanchonetes são comandados por imigrantes que aproveitam o dom na cozinha para oferecer comidas típicas do seu país de origem e para garantir o sustento da família.

É o caso da nutricionista Virna Osório, venezuelana que decidiu abrir um restaurante voltado para a alimentação imunobiológica, ou seja, a preparação da comida focada na combinação certa dos alimentos para suprir o sistema imunológico. O espaço, localizado na Rua Bento Brasil, 264, no Centro, foi montado com uma sócia brasileira que também tinha o interesse em oferecer uma refeição natural, sem produtos industrializados e voltada para o melhor funcionamento do corpo.

O investimento, no entanto, não teria progredido se tivesse sido realizado na Venezuela, segundo Virna. “Por conta dessa situação bem triste que vem acontecendo, o país está quebrado, então não compensa. Algumas pessoas até têm dinheiro, mas os alimentos estão saindo muito mais caros ou não têm para vender”, disse. “Aqui, no Brasil, a gente consegue muito mais opção de alimentos para comprar e também existem os produtores rurais que fornecem para nós, é mais acessível”.

O dinheiro que Virna ganha ela encaminha para a mãe de 85 anos e a filha, que ainda moram na Venezuela. Quando conseguir um pouco mais de recurso, ela disse que trará o restante da família para morar no Brasil. “Ainda não posso manter um grupo familiar. Talvez mais para frente, mas agora não posso. Com a ajuda que me dá o Brasil, eu consigo ajudá-los lá e eles podem viver minimamente bem”, disse.

No entanto, a nutricionista revelou que não pensa mais em voltar para a sua terra natal. “O povo da Venezuela se extraviou em algum momento, ele se perdeu. Nós não éramos assim. Eu lembro que, quando eu era garotinha, falavam que o calor do venezuelano era como ficar no colo da mãe. Nós também éramos como vocês, estendíamos a mão, ajudávamos o próximo e tudo isso mudou. Não somos os mesmos venezuelanos. Não é questão de governo, é a mentalidade do povo que tem que mudar, senão não adianta”, declarou Virna.

SEGURANÇA – Outro ponto levantado pela nutricionista é a questão da insegurança no país vizinho. Segundo ela, as pessoas têm optado por vir a Boa Vista por conta dos níveis de criminalidade na Venezuela. “As mulheres não podem ficar com bolsas e carteiras porque isso seria chamar a atenção de criminosos. As carteiras devem ser escondidas dentro da roupa”, disse. “Na Venezuela, a população fica cem por cento insegura, fica aterrorizada porque não sabe quem vai assaltar você. A situação é muito forte”.

“Aqui, em Boa Vista, não existe essa criminalidade. Claro que em outros estados maiores existe violência tão ruim quanto na Venezuela, até pior, mas aqui nós podemos ficar confiantes, podemos ficar com a porta aberta, conversando, não acontece nada. Vem a Polícia Militar todo o tempo dando voltas no bairro, às vezes a gente liga porque o vizinho tem o som muito alto, mas só. A polícia fala com as pessoas, tem uma decência das autoridades com a gente. E lá as polícias zombam de ti”, afirmou.

A nutricionista disse que, uma vez, ouviu no noticiário que teve um alto número de mortes em um fim de semana em Boa Vista, com mais de cinco homicídios. “A minha vizinha brasileira ficou assustada. Nós vimos todas as autoridades se reunindo, focadas, porque isso não pode acontecer e lembrei que, na Venezuela, ficam mais de catorze mortos em cada esquina, só em um dia, não em um fim de semana. Isso não é nada com o que está acontecendo na Venezuela. E, aqui, todo mundo se pronunciou. Isso traz para a gente tranquilidade, segurança, estamos em um país que preza pela vida da gente”.

Técnica em turismo larga emprego em hotel cinco estrelas para vender arepas

A técnica em turismo Adriana Jiménez, de 43 anos, trabalhava em um hotel cinco estrelas em Margarita, mas largou tudo e veio para o Brasil para vender pastéis e arepa, um prato tradicional da Venezuela à base de milho, na Rua Nove de Julho, no bairro São Francisco, zona Norte da Capital. 

Acompanhada do marido José Vasquez, de 47 anos, e da filha de 15 anos de idade, a venezuelana decidiu sair de um emprego fixo para focar no setor da alimentação em Boa Vista por conta da crise econômica enfrentada pelo seu país de origem.

“Meu esposo veio ano passado para cá e começou a trabalhar em um restaurante no Centro. Agora está trabalhando na área da saúde, fornecendo alimentos. Ele me disse que aqui estava melhor para viver e saí de lá com a minha filha. Agora, tenho dois irmãos e minha cunhada com mais três sobrinhas morando aqui”, disse.

Adriana informou que, mesmo recebendo e trabalhando em um hotel, as condições estavam ruins. “O turismo caiu muito. Todavia, no hotel se ganha bem em comparação com os outros, mas era o suficiente para comer e não tinha condições para outras coisas, como o aluguel e pra cuidar da minha filha. Aqui temos tudo, temos casa, temos carro e algo muito importante, que é a comida”.

A perspectiva é de somente investir no setor da alimentação. “Quero aumentar aqui o nosso espaço. Queremos fazer pepitos, cachorro quente, carne na chapa à noite. Queremos aumentar, juntar dinheiro para investir no lanche porque aqui a gente consegue fazer isso”, disse.

A venezuelana lamentou apenas que muitos estrangeiros não se agarram a oportunidade de trabalhos oferecidas em Boa Vista e que isso prejudica os demais. “O que me preocupa é que muitos venezuelanos não vêm trabalhar e atrapalham aqueles que querem oportunidade. Este é um país de oportunidades, seja limpando uma casa, seja fazendo comida. Aqui tem. No entanto, nem todo mundo tem essa mentalidade. É lamentável. Existem muitas pessoas na Venezuela passando por dificuldade e que querem trabalhar e não conseguem”. (P.C.)