Cotidiano

Estrangeiros com ensino superior se adaptam para tentar ocupar mercado

Sem outra opção, trabalhadores venezuelanos se submetem a trabalhar em qualquer área para poder garantir a sobrevivência

Vivenciando uma época de dificuldades em seu país de origem, profissionais venezuelanos buscam entrar para o mercado de trabalho a fim de garantir o sustento familiar. Muitos deles, com ensino superior, têm até optado por atuar em áreas distantes do seu conhecimento para garantir a renda no final do mês.

É o caso da médica Gheyser do Vale Tremaria Adán, de 32 anos. A venezuelana chegou a Roraima com o marido e o filho de 13 anos em março do ano passado por conta dos problemas de escassez de alimentos, de água, gás e a falta de segurança na Venezuela. Com duas pós-graduações, uma na área de ultrassom e outra em medicina do trabalho, ela trabalha há cerca de quatro meses como caixa em um supermercado no bairro São Francisco, zona Norte da Capital.

A profissional informou que está tentando a revalidação do seu diploma para trabalhar na área da saúde junto com o marido, que é bioquímico e atualmente trabalha como garçom em um restaurante. Mas, enquanto não consegue, arranjou um ofício para garantir uma arrecadação mensal. “Conhecemos uma pessoa que falou que iria nos ajudar a revalidar os nossos diplomas, só que depois ele sumiu aos poucos.

A gente não tem contato mais. Aqui nós começamos de novo, conseguimos uma oportunidade. Conheci gente bacana, consegui este emprego por conta de uma brasileira e aqui eu estou há quase quatro meses”, disse a médica.

“Eu vim para cá com a promessa de trabalhar na área, mas quando eu cheguei, vi que as coisas são muito diferentes, mais difíceis. Eu estou tentando fazer a revalidação do meu diploma. É um processo demorado, muito burocrático, difícil. Está muito difícil para nós, mas vamos continuar tentando”, afirmou.

Gheyser afirmou que não tem problemas em trabalhar como caixa de supermercado. O único contratempo é por ser uma área muito distante da qual se dedicou. “Fui bem recebida, gosto daqui, tenho o bom trato dos colegas, só que não é minha área. Eu acho que isso é a situação mais difícil que eu estou enfrentando, trabalhar em algo totalmente diferente”, frisou.

Outro problema enfrentado pela venezuelana é o preconceito com os estrangeiros do país vizinho. “Eu tive uma má experiência quando cheguei, mas não é por isso que eu vou pensar que todos os brasileiros vão me tratar mal. Cheguei aqui e fui bem recebida”, disse a médica. “Eu sei que existem pessoas que são maltratadas por venezuelanos, mas nem todos são iguais. Eu sou uma profissional, que está trabalhando, decente. Eu acho que seria bom se isso mudasse”.

Da construção civil a empacotador

O empacotador Jhon Salmeron, de 28 anos, chegou a Roraima em outubro do ano passado e trabalha auxiliando os consumidores com as compras há quatro meses. Ele atuava na área da construção civil na Venezuela e também foi um dos estrangeiros que decidiram sair do seu país para ajudar a família. Chegou a Roraima a convite da irmã, que trabalha como diarista na Capital.

“Lá está muito ruim, o salário não dá para viver, não tem como se sustentar. Não tinha como manter a minha família”, disse. O empacotador explicou que está juntando dinheiro para mandar para a mulher e o filho que ainda moram na Venezuela. “No futuro, quero trazer todos para cá e não pretendo mais voltar”, disse.

Sine se adapta para acolher desempregados estrangeiros

A Secretaria Estadual do Trabalho e Bem-Estar Social (Setrabes) informou que, tendo em vista o aumento da entrada de imigrantes estrangeiros em Roraima, especialmente venezuelanos que cruzam a fronteira em busca de melhores oportunidades no Brasil, o Sistema Nacional de Empregos de Roraima (Sine-RR) identificou a necessidade de consolidar dados específicos de atendimentos realizados a esse público, trabalho que teve início em outubro de 2016.

Desde então, foram 18 candidatos estrangeiros encaminhados para as entrevistas de emprego, sendo que dois deles foram inseridos no mercado de trabalho somente no último trimestre de 2016. Em 2017, o Sine atendeu a cerca de 10 estrangeiros, sendo a maioria de nacionalidade venezuelana, além de cubanos e haitianos. “Até o momento, foram encaminhadas nove pessoas para entrevistas e realizada a contratação de um trabalhador, de nacionalidade cubana”, frisou a Setrabes.

DIFICULDADE – Para o Sine, a documentação continua sendo o principal entrave para a realização dos encaminhamentos de estrangeiros para o mercado de trabalho ou regularização exigida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), para oficializar a contratação de um funcionário.

“O Sine-RR esclarece que qualquer estrangeiro que esteja em situação regular no Brasil pode procurar a sala 26, da Setrabes, localizada na Avenida Mário Homem de Melo, bairro Mecejana. Havendo oportunidade equivalente à área de atuação e que atenda aos requisitos da empresa, será encaminhado para as entrevistas de emprego”, frisou.

Lá, os profissionais do Sine realizam um trabalho de orientação a todos os candidatos, sendo estrangeiros ou brasileiros, com dicas de como se comportar em uma entrevista, no sentido de potencializar as chances de contratação. Porém, a escolha ou não dos candidatos fica a critério de cada empregador.

A secretaria esclareceu que os setores que mais empregam os estrangeiros são o atacado e o varejo. Frisou ainda, que não existe rejeição por parte do empresariado no momento da contratação. (P.C.)