Cotidiano

Estupro de vulnerável representa a maioria dos crimes contra crianças

Violência sexual é o resultado da ausência ou omissão de políticas, conforme avalia o representante da Unicef

Conforme dados do Núcleo de Estatística e Análise Criminal da Polícia Civil, cerca de 40 crimes sexuais envolvendo crianças e adolescentes foram registrados até o momento, somente este ano. Do total, 70% são referentes a estupro de vulnerável com vítimas abaixo dos 14 anos. Para a Oficial de Comunicação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Ida de Oliveira, a violência sexual é o resultado da ausência ou omissão de políticas.

Em alusão ao Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, celebrado no dia 18 de maio, a Comissão de Defesa dos Direitos da Família, da Mulher, da Criança, do Adolescente e Ação Social realizou, na manhã desta quinta-feira, um seminário no plenário Deputada Noêmia Bastos Amazonas da Assembleia Legislativa do Estado de Roraima (ALE/RR).

À Folha, a representante da Unicef explicou que o enfrentamento à exploração e abuso sexual de qualquer forma implica em uma teia de questões e ações que precisam ser desenvolvidas para proteger as crianças quando exploradas, principalmente para fins comerciais. Para Ida, uma vez que o crime é cometido, ele é resultado de uma série de falhas, seja pelo fato de a vítima não estar na escola ou no espaço em que deveria estar.

“A discussão é: como a gente consegue implementar um sistema de garantia de direitos que, de fato, garanta direito para essas crianças?”, questionou. Além disso, a representante da Unicef pontuou as razões pelas quais o crime é cometido, já que de cada quatro casos no Brasil, três são cometidos por parentes. Ida explicou que, o país tem um perfil de sociedade que diz que a mulher ainda é propriedade, e é preciso tratamento por também haver machismo no abuso.

Outro ponto destacado diz respeito ao aspecto legal. Conforme relato da representante, é necessário realizar as ações que estão previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas que não acontecem. Ida apontou o funcionamento precário dos Conselhos Tutelares, a dificuldade de funcionamento do Ministério Público por não ter promotores no Interior e o acesso à Justiça. “No processo de garantia de direitos, há dificuldades e limitações que comprometem a situação”, disse.

ESCOLA – Conforme um estudo realizado no Pará, a criança que está na escola é mais protegida por ter o professor no cotidiano. Contudo, Ida reforçou que, além da educação, a criança deve ter acesso à saúde e assistência social. Por outro estudo ter comprovado que a violência contra os menores ocorre em qualquer ambiente. A representante relatou que, além de oferecer o básico (saúde, educação e assistência social), é preciso um sistema que dialogue com o direito das crianças.

No âmbito judicial, Ida narrou um fato onde estava sendo discutido um meio de dar prioridade aos processos que chegam à Justiça. “Falaram que são muitos processos e que não tem como saber. Eu falei: tem sim. E dei a sugestão de colocar uma pasta de cor diferente. A legislação assim diz: criança e adolescente são prioridade absoluta”, afirmou.

DADOS – Conforme divulgado pela Folha, mais de 240 casos de abuso sexual e 23 casos de exploração sexual foram registrados no primeiro semestre de 2017, segundo o Centro de Referência Especializado da Assistência Social (Creas). Diante do número alarmante, Ida ressaltou que é preciso pensar o sistema de atendimento e acabar com a impunidade, tendo em vista que, quando abusadas, as crianças são tiradas de casa enquanto que o abusador permanece, o que pode prejudicar duas vezes o menor.

Além disso, ela reforçou a importância de uma justiça célere, que julgue os casos de forma que proteja a criança e respeito o tempo dela. “O tempo da criança não é o mesmo do adulto. Meses longe de casa já fazem uma diferença. Ela já deixou de ser criança e virou adulto”, argumentou. Em relação aos números, ela relatou que provavelmente os dados representam um quarto do que realmente pode estar acontecendo.

“Para mim, o mais grave é saber quantos foram concluídos, quantos foram julgados, quantas crianças estão realmente sendo apoiadas e ajudadas e quantos foram presos. Hoje, você tem um sistema que é lento, que não pune, que deixa as crianças de frente aos abusadores, o que acaba deixando a situação pior”, afirmou.

Para Ida, a sociedade como um todo deve estar comprometida e em alerta. Aos pais, ela deixou um conselho. “Continuem conversando com as crianças. Se ela mudou o comportamento, por favor, identifique o que está acontecendo, veja com quem ela se envolve. Se fica muito sozinha, descubra se ela recebe visitas. O importante é saber o que se passa com nossos filhos e o diálogo é o melhor caminho”, concluiu. (A.G.G)