Cotidiano

Governo separa presos de acordo com a facção criminosa que eles integram

Integrantes de organizações criminosas foram transferidos de presídios para não serem mortos por facções rivais

Os presos que entram na Penitenciária Agrícola do Monte Cristo (Pamc), na zona rural de Boa Vista, são obrigados a escolher uma das duas facções criminosas que comandam as unidades prisionais para não morrer. A divisão por gravidade do crime cometido pelo detento, como prevê a Lei de Execuções Penais, passou a ser desconsiderada.

A guerra entre facções criminosas dentro dos presídios de Roraima foi anunciada há cerca de um mês, quando 103 detentos da Pamc se declararam integrantes do Comando Vermelho (CV), organização oriunda do Rio de Janeiro e, ameaçados de morte por presos pertencentes ao Primeiro Comando da Capital (PCC), oriunda de São Paulo, solicitaram a transferência para outras unidades prisionais.

Superlotada, com 700 vagas e mais de 1.400 presos, a Penitenciária Agrícola registrou, há pouco mais de uma semana, o maior massacre da história do sistema prisional em Roraima, com as mortes confirmadas de 10 integrantes do Comando Vermelho. No final de semana, outro preso que fazia parte da organização criminosa foi morto dentro da unidade, totalizando 11 óbitos.

A única solução encontrada pelo Governo do Estado para evitar uma carnificina ainda maior foi dividir os presos por facções. Cerca de 80 integrantes do Comando Vermelho foram transferidos da Pamc para a Cadeia Pública de Boa Vista, no bairro São Vicente, zona Sul, enquanto os integrantes do Primeiro Comando da Capital, que estavam presos na Cadeia Pública, foram remanejados para a Pamc.

O clima de tensão por conta das transferências provocou mais rebeliões na semana passada, dessa vez na Cadeia Pública, que chegou a ter parte da estrutura danificada por presos que não aceitavam a chegada de integrantes do Comando Vermelho na unidade. Por conta disso, eles chegaram a ficar recolhidos no Centro de Progressão Penal (CPP), no bairro Asa Branca, zona Oeste, por dois dias, tendo retornado à unidade no sábado, 22.

Lei abre brecha para separação

A lei 13.167/15, sancionada no ano passado pela então presidente Dilma Rousseff, estabelece critérios para a separação de presos nos estabelecimentos penais. A lei determina a separação de presos provisórios acusados por crimes hediondos ou equiparados; por crimes com grave ameaça ou violência à vítima; e pela prática de crimes diversos.

Já os sentenciados devem ser divididos em condenados por crimes hediondos; primários e reincidentes, condenados por crimes com grave ameaça ou violência à vítima; e demais condenados por crimes diversos ou contravenções.

A norma, no entanto, também estabelece que o preso que tiver sua integridade física, moral ou psicológica ameaçada pela convivência com os demais, como ocorre nos presídios de Roraima por conta da rixa entre facções, deverá ficar em local próprio, o que abre brechas para que os detentos sejam divididos conforme a organização criminosa a qual pertencem.

Transferências foram as únicas soluções encontradas, diz juíza

À Folha, a juíza titular da Vara de Execuções Penais (VEP) do Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR), Graciete Sotto Mayor, explicou que a separação por regimes de pena no Estado só foi efetivada em 2014. “Levamos um ano e meio, em trabalho conjunto com a Secretaria Estadual de Justiça e Cidadania, para conseguirmos fazer valer a separação por regime”, disse.

Apesar disso, conforme ela, as transferências de presos ligados à facções criminosas foram as únicas soluções dadas pelo Governo do Estado. “As transferências foram as únicas soluções dadas pelo executivo com relação à situação emergencial. Eu participei de várias reuniões, conversamos com várias autoridades, inclusive fomos a algumas cadeias, e na Pamc verificamos que os 86 sobreviventes da ala 12 do Comando Vermelho estavam em situação subumana, amontoados em área de contenção”, afirmou.

A juíza informou que o governo pode efetuar as transferências em caráter emergencial em casos de risco à integridade física dos detentos. “Foi enviado um pedido formal para nós, mas ainda estávamos examinando quais seriam as condições e, por quanto tempo, quando verificamos que precisava ser feito de forma emergencial, e deixamos claro que a Sejuc poderia tomar as medidas cabíveis, contanto que apresentasse um relatório para nós”, explicou.

A magistrada reconheceu que a medida não é a ideal e pode, inclusive, fazer com que as facções se fortaleçam nos presídios. “Não é o ideal, mas infelizmente é a única solução que nos foi dada. Quem cuida da integridade e segurança dos reeducandos é o governo, e não a Justiça, por isso estamos tendo o cuidado para que isso não permaneça por um prazo prolongado e que possamos ter outros tipos de medidas a serem adotadas”, frisou. (L.G.C)