Cotidiano

Indígenas estão morrendo contaminados por mercúrio, denuncia líder Yanomami

Lideranças Yanomami e Ye'kwana solicitaram aos órgãos responsáveis a retirada imediata de garimpeiros e atenção especial aos contaminados

O líder da etnia Yanomami, Davi Kopenawa, denunciou a contaminação causada por mercúrio em índios das etnias Yanomami e Ye’kwana, que ocupam a Terra Indígena Yanomami (TIY), na região Norte de Roraima. De acordo com pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o nível de contaminação em algumas pessoas chega a 92,3%.

Em entrevista à Folha, Kopenawa afirmou que o garimpo ilegal praticado dentro da TI é o principal responsável pela contaminação dos indígenas. “São garimpeiros que contaminam nossos rios. Nós estamos denunciando isso desde 2004. Eles fazem o garimpo de ouro com pequenas máquinas manuais e estão destruindo os rios e nos contaminando”, disse.

Ele relatou que o garimpo vem causando grandes prejuízos às aldeias Yanomami desde 1986, quando 45 mil garimpeiros invadiram aquelas terras. “Só eu estou há 45 anos nessa luta. Empurraram o garimpo para a Terra Yanomami, colocando balsas e máquinas para derrubar os barrancos fazendo com que os rios ficassem poluídos e contaminados”, contou.

Preocupado com a saúde dos indígenas que vivem na região, Kopenawa informou que a Hutukara Associação Yanomami (HAY) e a Associação do Povo Ye’kwana do Brasil (Apyb) pediram, em 2014, para que a Fiocruz realizasse estudos naquela área. “Eu vinha pensando que esse mercúrio fazia mal para nós e prejudicava nossa saúde. Mandamos carta para a Fundação para irem às nossas terras e comprovar que nós estávamos contaminados”, disse.

Nos últimos anos, os índios começaram a apresentar sintomas atípicos, sendo que alguns foram diagnosticados com câncer. “Os índios começaram a ter disenteria, dor de barriga e dor de cabeça. Aos poucos foi aparecendo câncer nos índios e comecei a ficar preocupado. Essa contaminação está nos deixando doentes e matando nossas mulheres e crianças”, afirmou Kopenawa.

O líder indígena declarou que a Fundação Nacional do Índio (Funai) tem se omitido da situação. “A Funai hoje está fraca. É o órgão que cuida do nosso povo e protege, mas está sem estrutura e sem dinheiro para ir às nossas terras e levar esses garimpeiros embora”, reclamou.

Recentemente, a Polícia Federal e o Exército Brasileiro realizaram duas operações que levantaram apenas a beira do manto que encobre a atividade ilegal: a operação Xawara, em 2012, e a operação Warari Koxi, em 2015. “O problema é que a Polícia Federal tira, mas não prende. Depois de um tempo, eles voltam de novo”, disse.

O garimpo continua sendo uma ameaça à vida dos Yanomami e Ye’kwana. De acordo com Davi Kopenawa, cerca de cinco mil garimpeiros atuam ilegalmente na Terra Indígena Yanomami. “A terra é demarcada pelo Governo Federal, mas eles não respeitam. Eu estou muito preocupado, porque nós estimamos que existam mais de 60 balsas de garimpeiros e esse número só tem aumentado”, alertou.

No mês passado, uma comitiva formada por lideranças Yanomami e Ye’kwana e representantes da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto Socioambiental (ISA) foram à Brasília, em março de 2016, para divulgar o diagnóstico junto aos órgãos responsáveis. As lideranças indígenas também exigiram a retirada imediata dos garimpeiros da Terra Indígena Yanomami e um atendimento especial em saúde para as pessoas que estão contaminadas. “Nós estamos pedindo da Funai e do Ministério Público Federal para que tomem alguma atitude e retirem esses garimpeiros das nossas terras”, frisou.

ESTUDOS – Uma equipe de pesquisa da Fiocruz e do ISA visitou 19 aldeias, em novembro de 2014. Foram coletadas 239 amostras de cabelo, priorizando os grupos mais vulneráveis à contaminação: crianças, mulheres em idade reprodutiva e adultos com algum histórico de contato direto com a atividade garimpeira. Também foram coletadas 35 amostras de peixes que são parte fundamental da dieta alimentar destes índios. O estudo foi realizado nas regiões de Papiú e Waikás, onde residem as etnias Yanomami e Ye’kwana. O maior índice de contaminação acontece entre os índios que vivem na aldeia Aracaçá. O nível de contaminação chega a 92% dos habitantes da aldeia, sendo a maior parte mulheres em idade fértil e crianças. (L.G.C)

Funai diz que falta punição aos garimpeiros ilegais

Em nota, a Fundação Nacional do Índio (Funai) afirmou que tem atuado no sentido de coibir os ilícitos ambientais relacionados ao garimpo, em conjunto com instituições policiais e ambientais do Executivo federal e dos estados. “Para além das atividades de fiscalização ostensiva, a Funai atua no apoio e na promoção de processos de vigilância e monitoramento territorial indígena, forma que traz mais eficácia aos procedimentos relacionados à gestão do território, onde se insere o combate aos ilícitos ambientais e, ainda, a promoção de atividades lícitas e sustentáveis”, informou.

Conforme o órgão, falta punição efetiva dos infratores e, em especial, no que diz respeito à desestruturação da cadeia produtiva que o fomenta. “Ações pontuais de fiscalização possuem sua eficácia comprometida quando a efetiva punição dos agentes que praticam e fomentam os ilícitos não é aplicada”, afirmou.

A Funai informou que continuará cumprindo com sua missão institucional de realizar o combate ao garimpo ilegal na região, estando essa atividade no escopo do planejamento da instituição para o ano de 2016.

MPF afirmou que está tratando estratégias para atuar no caso

Também em nota, o Ministério Público Federal em Roraima (MPF-RR) esclareceu que o líder Yanomami Davi Kopenawa esteve em Brasília (7 de março) na Câmara que trata de questões referentes a populações indígenas e comunidades tradicionais do Ministério Público Federal (6ª Câmara de Coordenação e Revisão) e entregou cópia da pesquisa à relatora especial da ONU sobre direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz.

O documento também foi recebido pela subprocuradora-geral da República, Deborah Duprat, coordenadora da Câmara. O material está sendo analisado pelo Ministério Público Federal (MPF), que traça estratégias para atuar no caso.

Exército informou que tem realizado operações na região

O Exército informou que, com base nas Leis Complementares 97, 117 e 136 (LC 97, 117 e 136) a 1ª Brigada de Infantaria de Selva (1ª BdaInfSl) tem amparo legal para atuar na faixa de fronteira, incluindo a Terra Indígena Yanomami (TIY). Dessa forma, a 1ª BdaInfSl realizou, em anos anteriores, operações de combate aos ilícitos transfronteiriços e ambientais de forma episódica e em áreas específicas, de acordo com objetivos operacionais.

Entre as principais operações, o Exército destacou as Operações Ágata, Curare e Curaretinga, que tem obtido resultado satisfatório. Em 2015, de acordo com o Exército, foram realizadas 7.467 abordagens em veículos e transeuntes nas rodovias do Estado; três pistas de pouso não cadastradas, que davam apoio à garimpagem ilegal foram neutralizadas; e quatro balsas de garimpo inutilizadas. (L.G.C)