Cotidiano

Jovens preferem focar nos estudos a tirar habilitação

A procura por jovens que querem tirar a primeira CNH tem caído cada vez mais; muitos preferem se dedicar à faculdade

Os tempos mudaram! Completar 18 anos não tem mais o mesmo peso que antigamente. O que antes representava o primeiro passo para a vida adulta, agora é visto com bem menos responsabilidades. A primeira Carteira Nacional de Habilitação (CNH) era uma dessas representações, que já foi o sonho de muitas pessoas para uma idealização da liberdade. 

Com o mercado de trabalho mais exigente, o foco nos estudos mudou e se tornou prioridade quando se trata de escolhas, é quando a autoescola é descartada. Isso é o que garante uma dona de autoescola de Boa Vista, Silvia Carla. Ela afirma que a procura de adolescentes para tirarem a habilitação caiu cerca de 28% em um ano.

“A gente foi verificando e percebendo que temos muitos jovens que estão mais focados em se formarem, estarem na faculdade do que tirarem a habilitação. Hoje eles já estão direcionando para estarem capacitados dentro da sociedade. Primeiro se estabilizarem profissionalmente para depois procurar se habilitarem”, disse.

Silvia disse que essa mudança foi ocorrendo drasticamente por conta da exigência das faculdades e que isso afetava diretamente no tempo para a retirada da Carteira. O que dura em média dois a três meses, para esses estudantes, o tempo pode triplicar.

“Eles demoram mais. A demora é bem grande para eles terminarem porque eles têm que se adequar à faculdade e tirar a habilitação, então muitos chegam a seu limite de estourar o período de um ano para tirar a Carteira. Ou seja, eles têm que interagir e se agrupar em várias atividades da autoescola, que acabam ficando em segundo plano”, afirmou.

Para não perder clientes, a proprietária da autoescola procura desenvolver métodos para atrair a atenção dos jovens e acelerar esse processo. A alternativa é encontrada no período que o adolescente está fora das salas de aula, que são as férias. “Priorizamos a agilidade de curso nessa época, tentamos deixar instrutores liberados para que eles consigam fazer as aulas mais rápido para que eles fechem nesse período ou tenham pelo menos metade do caminho andado”, continuou Silvia.

Um fator que também acaba pesando no momento da decisão em fazer a autoescola é o alto custo de investimento. Mesmo que os pais insistam para que os filhos procurem pela emancipação da habilitação, o valor pode chegar a mais de R$ 1.650 sem as taxas que o Departamento Estadual de Trânsito (Detran) cobra.

Cobranças estão mais frequentes, diz sociólogo

De acordo com o sociólogo Francisco Gomes, a juventude é uma fase de mudanças muito intensas e que as preocupações aumentam por conta das exigências sociais por um futuro com caminhos plausíveis. Atualmente, essas cobranças estão se tornando mais frequentes por conta das transformações que a globalização acarreta, principalmente com o avanço das tecnologias e da internet. 

“Os jovens que passam por essa transição etária, de adolescente para a fase adulta, recebem toda essa pressão social no sentido de demarcar seus passos e conquistar seu lugar no concorrido mercado de trabalho. Nesse contexto, a juventude encontra um cenário de mudança marcado por incertezas, cobranças e dificuldades que se apresentam em um contexto, intensificado pela chamada revolução 4.0, muita bem representada pela internet das coisas”, confirmou.

O sociólogo defende que as diferenças entre os adolescentes de décadas atrás e os de hoje são bastante evidentes, e que diante de toda essa mudança social que ocorre, não pode ser descartado que o jovem está sendo direcionado por um mundo publicitário, que força ao consumismo. Portanto, o status financeiro acarreta nessa perspectiva e pela facilidade de encontrar cursos preparatórios para o mercado de trabalho.

“Eles estão menos interessados em manobrar veículos automotores, não apenas em razão do alto custo da CNH e da dificuldade em adquirir um automóvel, mas, muito mais, em virtude de uma mudança de perspectiva e de estilo de vida, propiciada talvez pela fluidez dessa nova era, muita bem estilizada pelo simples toque na tela touchscreen do smartphone, que em dois ou três toques é possível aderir aos serviços alternativos de transporte”, ressaltou. 

Para Francisco, as mudanças são preocupantes no sentido de como toda a pressão pode ser recebida pelo jovem. “O estilo de vida Tumblr hoje, na pós-modernidade, está muito mais representado pela autonomia e independência financeira para alcançar o ideal do hiperconsumismo. Portanto, a juventude precisa criar planos de curto, médio e longo prazo e desenvolver estratégias para enfrentar essa realidade, assim como elaborar respostas para saídas frente ao futuro imprevisível. Porém, isso somente será possível com uma tomada de consciência frente às imposições sociais”, continuou.

Essas mudanças podem ocorrer de forma simples e gradual, mas é importante que o adolescente não seja taxado como alguém sem pretensões e também tenha menos cobranças em relação às tomadas de decisões. “O jovem precisa parar de se preocupar apenas em atender as expectativas alheias e olhar mais para si. Ele deve parar de agir como um zumbi que tudo faz e executa sem ao menos refletir sobre suas práticas e ações. É preciso agir racionalmente, tanto cognitivamente, quanto instrumentalmente”, encerrou o sociólogo. (A.P.L)