Cotidiano

Letra ilegível em receitas médicas ainda causam problemas a pacientes

Mesmo com Lei Federal em vigor há 45 anos, profissionais da área ainda prescrevem medicamentos de forma incompreensível

Houve um tempo que não entender a caligrafia do médico nas receitas era comum. Os pacientes e farmacêuticos ficavam bons minutos tentando descobrir qual era o remédio, a quantidade necessária e como fazer o uso do medicamento que havia sido prescrito. Mesmo bastante explícito no Artigo 35 da Lei nº 5.991/73 que determina que a receita só é válida se estiver escrita de maneira totalmente legível, ainda hoje esse tipo de situação acontece.

A assistente social Leidivane Freitas sabe muito bem o que é isso. Mesmo tendo contato com a área da saúde, ela já presenciou vários cenários em que os pacientes não conseguiram fazer a retirada do medicamento por conta da escrita ilegível. “O certo seria não ter mais receituário. Ter tudo no prontuário eletrônico do paciente, tudo sistematizado. Inclusive o SUS [Sistema Único de Saúde] já tem o prontuário eletrônico, mas ele não está disponível em todos os estados do Brasil. Porque você tá consultando aqui e já tá jogando no próprio sistema para a central de abastecimento e tem um maior controle”, defendeu.

Para os farmacêuticos, lidar com as receitas ilegíveis é bastante comum, mas graças à tecnologia e também à conscientização dos profissionais de saúde os casos estão diminuindo. A farmacêutica Cleopatra Merlim, que atua na profissão há sete anos, já precisou tomar algumas medidas para não passar o medicamento de forma errada. “A gente não sabe se é o médico que tá procurando escrever mais legível ou se é outra pessoa que faz. Alguns médicos a gente já conhece a grafia, então consegue saber o que é. Muitas vezes sabemos também pelo diagnóstico do paciente. Perguntamos qual o motivo da consulta, e vai olhando os medicamentos que têm na receita e procura fechar o que é pelo que tá escrito. Quando a gente não consegue ler de jeito nenhum, a política é retornar ao médico”, confirmou.

Cleopatra afirma que é melhor pedir para o paciente retornar ao profissional de Medicina para não ter nenhuma possibilidade de colocar a vida do paciente em risco justamente porque alguns medicamentos possuem a grafia parecida, mas têm funções completamente diferentes. Ela acredita que a melhor forma de diminuir essas ocorrências é que a receita seja feita de forma digitalizada, o que evita erros e garante mais segurança na hora de fazer a compra.

“Em algumas unidades de saúde, os medicamentos mais usados têm um carimbo, mas seria melhor se disponibilizassem mais material para os médicos prescreverem de forma mais segura. Eu acredito que não seja proposital, às vezes ele escreve rápido, tem uma fila de 50 pacientes e ele quer atender todo mundo para ninguém voltar para casa e acaba saindo daquele jeito. Fica fácil para o médico, fácil para o paciente, e fácil para o farmacêutico”, finalizou.

Em outra farmácia de Boa Vista, a política de não fazer a entrega do medicamento caso a receita não esteja compreensível também é adotada. Segundo o gerente Francisco Miranda, quando ocorre casos de o atendente não compreender, ele até pede ajuda dos colegas de profissão, que mantêm uma espécie de rede para conversarem sobre esse tipo de circunstâncias. “Tem melhorado bastante, estão mandando muitas delas digitalizadas, feitas de forma legível. Mas ainda tem algumas que vem e não dá para ler de jeito nenhum e aí pedimos para voltar com o médico e ele explicar direitinho ou até mesmo a gente liga daqui e fala com o médico para ver qual é a medicação, como é para fazer o uso”, disse.

FISCALIZAÇÃO – O Conselho Regional de Medicina de Roraima (CRM-RR) é o fiscalizador para esse tipo de ocorrência, mas só atua mediante uma denúncia feita por algum paciente. Em Roraima, de acordo com a vice-presidente do CRM, Rosa Leal, nenhuma denúncia sobre letra ilegível foi recebida no órgão, mas a problemática é conhecida. “Uma certa vez fizemos uma reunião com o Conselho Regional de Farmácia e eles nos informaram que havia vários médicos que escreviam de forma ilegível e que ficavam chateados quando o paciente tinha que retornar para prescrever novamente o medicamento. Mas se o CRM não receber a queixa, a gente não pode averiguar”, informou.

De acordo com a vice-presidente, os médicos precisam ter consciência no momento de redigir as receitas, pois ela lembra que o Código de Ética de Medicina, no capítulo III, veda ao médico escrever de forma incompreensível. Nesses casos, os farmacêuticos têm total autonomia de não receberem a receita e não liberar o medicamento para o paciente. 

“A Lei realmente existe, mas não é que ela proíba a letra ilegível. Ela diz que a receita que não estiver legível não é para ser aceita pelo farmacêutico. O farmacêutico não é obrigado a entender a letra do médico. Então nesse caso o CRM deveria ser avisado e o paciente pode queixar-se ao CRM e aí sim, se chama o médico e ele pode ser processado pelo Conselho de Medicina”, prosseguiu.

Rosa garantiu ainda que, caso seja comprovado a veracidade da denúncia, o médico pode ser punido de acordo com a situação e as penalidades descritas pelo CRM que podem ser de uma advertência até a cassação do diploma. “Isso é pela grande possibilidade de dar o medicamento errado para o paciente. Pode até ter comprado o remédio certo, mas pode não ter entendido o modo como vai usar, e vai fazer errado”, ressaltou.

Para ela, o melhor caminho seria a disponibilidade das receitas feitas de formas digitalizadas, pois assim evitam drasticamente de dar a medicação errada. Porém, entende-se que a falta de equipamentos em unidades básicas de saúde pública dificulta esse tipo de perspectiva.

Para evitar qualquer transtorno com as receitas, ela orienta o paciente a ler no momento em que recebe. “Se não compreender a letra na hora que recebe a receita no consultório, se o paciente não entendeu, já pede para o médico arrumar. Se não fizer isso, vai chegar na farmácia e o farmacêutico não vai aviar a receita porque hoje eles estão criteriosos com isso”, finalizou. (A.P.L)