Cotidiano

MP recomenda a interdição de entidade que acolhe viciados

Ministério Público apontou falta de profissionais para acompanhar tratamento de dependentes químicos e trabalho não remunerado

O Ministério Público do Estado de Roraima (MPRR), através da Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde, recomendou na quinta-feira, 22, à Secretária Estadual de Saúde (Sesau) a interdição da Comunidade Terapêutica Casa do Pai, localizada na região do Água Boa, na zona rural de Boa Vista, mantida pela Igreja da Paz. O principal motivo que levou à recomendação foi a forma de tratamento individual para dependentes químicos, com a inexistência de uma equipe multidisciplinar em saúde para assistência dos internos, conforme consta no relatório do Departamento de Políticas de Saúde Mental do Estado do dia 02 de março.

Outra situação apontada no relatório foi o trabalho sem remuneração, como a mão de obra de serviços de jardinagem, culinária entre outros para manutenção do local, conforme o apontamento do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate á Tortura, depois de uma visita ao local no dia 07 de março. Isso se configuraria como mão de obra análoga à de escravo.

Conforme a promotora de justiça de Defesa da Saúde, Jeanne Sampaio, a Casa do Pai apresenta um projeto de tratamento que caminha na contramão do respeito aos direitos das pessoas com transtornos decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Afirmo que no local não é desenvolvido um tratamento direcionado para cada interno levando em consideração as aspirações e desejos individuais. A instituição impõe uma rotina com regras gerais para todos, sobretudo por um viés religioso, como, por exemplo, a prática obrigatória de orações.

“O projeto deles não visa à individualidade das pessoas. No local não encontramos profissionais de nível superior na área de saúde para lidar com situação de abstinência de substância química, não há laudo médico dessas pessoas dizendo que precisam de internação. Eles remetem tudo para o lado religioso, o que não garante sucesso na recuperação de dependentes químicos. Para a prática de religião não é preciso ficar internado”, afirmou.

Segundo a promotora, a recomendação feita por ela diz que a interdição da Comunidade Terapêutica, que seria uma responsabilidade da Sesau, pode acontecer a qualquer momento. As 25 pessoas que estão internadas terão tratamento custodiado pelo Estado. Elas passarão por procedimentos ambulatoriais individuais para, se for o caso, se internarem em local regular, conforme a resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) RDC 29, de 30 de junho de 2011, que dispões sobre requisitos de segurança sanitária para o funcionamento de instituições que prestam serviços de atenção a pessoas com transtornos decorrentes do uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas.

“Na recomendação, deixo claro que a Secretaria de Saúde do Estado é que vai fazer a interdição. Isso eles podem fazer a qualquer hora depois do recebimento oficial da informação. As 25 pessoas internadas na comunidade é uma responsabilidade do governo estadual, que também deve oferecer tratamento adequado a elas de acordo com a lei”, frisou.   

Pastor que preside entidade contesta recomendação do MP

Conforme o presidente da Casa do Pai, Pastor Gilvan, o tratamento dos internos dura seis meses. Ele disse que a sede tem infraestrutura adequada para as atividades terapêuticas, inclusive com profissionais, e que não existira excesso nenhum de esforço feito pelos internos.

Conforme frisou, seria apenas três horas de trabalho ao dia para cada interno “ocupar sua mente e suar”, ajudando no processo de desintoxicação e colaborando para manutenção do lugar. “A maior prova que temos da certeza que nosso tratamento é adequado são os casos de sucesso. São pessoas de vários segmentos da sociedade que eram viciadas e se libertaram das drogas”, disse.

“Nosso tratamento é rigorosamente humanitário, temos uma dinâmica pedagógica adequada para a libertação das pessoas do uso das drogas e não excedemos em nada. Nosso objetivo é curar e reintegrar à sociedade dependentes químicos curados do vício”, complementou.

Familiares de internos protestam

Familiares de dependentes químicos em recuperação na Casa do Pai procuraram a Folha para reclamar da recomendação feita pelo Ministério Público para interditar a comunidade terapêutica. Segundo mães e pais, a informação foi repassada em reunião com a coordenação da entidade, na sexta-feira, 23. Eles discordam que existam irregularidades no processo de tratamento, conforme apontou o MP.

Segundo a funcionária pública Ana Cláudia, mãe de uma pessoa em recuperação na Casa do Pai, o trabalho feito pela comunidade terapêutica é muito sério. Disse que o dependente, antes de ingressar em tratamento, passa por uma bateria de exames e que, durante a internação, eles participam de atividades esportivas, profissionais e de oração. Ela afirmou que a notícia trouxe preocupação, contrariando a esperança de ver o filho recuperado.

“Meu filho está internado há alguns dias. A internação já me trouxe tranquilidade. Falo com ele e diz que está muito bem sem a droga. Os responsáveis têm uma visão muito boa de tratamento. Na casa, ele faz muitas atividades e não usa drogas, uma benção na minha vida. Só em pensar que ele pode voltar sem ficar curado totalmente me dá aflição”, afirmou. (E.S)

Sesau fez inspeção e está elaborando um relatório

A Secretaria Estadual de Saúde (Sesau) afirmou que, após notificação do Ministério Público, realizou nesta terça-feira, 27, uma inspeção na Casa do Pai para avaliar a estrutura física, organizacional e o atendimento terapêutico. Informou ainda, que está elaborando um relatório e averiguando quais medidas serão adotadas em relação à unidade.

Frisou que o Estado dispõe de duas unidades de atendimento para dependentes de álcool e outras drogas: o Caps AD 24h (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas) e a Unidade de Acolhimento Maria da Consolação Inácio de Matos.

O Caps AD atende pacientes da Capital, interior e até estrangeiros. Estas pessoas procuram o serviço por conta própria ou são levadas por familiares e amigos, pois o serviço funciona de portas abertas, ou seja, não precisa de encaminhamento.

A Unidade de Acolhimento é voltada para o tratamento prolongado, funcionando como uma residência, para tratamentos prolongados de dependentes químicos maiores de 18 anos, de ambos os sexos, e que se encontram em sofrimento psíquico com necessidade de cuidado integral.

Estes pacientes contam com uma equipe multidisciplinar composta por profissionais, como enfermeiros, médicos, psicólogos, fisioterapeutas, psiquiatras, técnicos em enfermagem e pedagogos. Artesãos também trabalham a parte lúdica, proporcionando oficinas que ajudam na recuperação. Os medicamentos necessários para a reabilitação são disponibilizados na própria unidade com a prescrição médica.

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