Cotidiano

Médicos ameaçam paralisar atividades

Sesau diz que está aberta ao diálogo e que ainda não há como minimizar impactos da crise migratória na saúde

“Médicos estão sofrendo agressões diariamente. Seja de forma verbal, com xingamentos, ou de forma física. Esse caso que ocorreu no final de semana foi apenas mais um, que por acaso repercutiu”. A fala é da presidente do Conselho Regional de Medicina de Roraima (CRM-RR), Blenda Garcia, durante coletiva de imprensa realizada na manhã de ontem, 30.

Blenda se refere a uma agressão a médicas e vigilantes do Hospital Materno Infantil Nossa Senhora de Nazareth, registrada na madrugada de domingo, 29. Uma paciente venezuelana precisou ser transferida para a ala das Orquídeas, onde não é permitida a visita nem a presença de acompanhantes do sexo masculino. O marido da paciente teria então agredido a equipe de plantão.

“Já fomos correndo para a Policlínica Cosme e Silva tentar salvar um colega que estava sendo agredido. A equipe inteira de Oncologia do Hospital Geral de Roraima já sofreu agressões pelo menos uma vez. Isso sem falar em municípios do interior, como Mucajaí e Bonfim, que já tiveram casos que nos fizeram deslocar às pressas. Todos esses casos são recentes. Nós entendemos a fúria da população, que está cansada de não ter o atendimento que merece. Mas descontar no médico não adianta, pois ele é tão vítima quanto qualquer um”, reforçou.

A presidente do CRM não descartou a possibilidade de uma paralisação da classe e deu um prazo de 48 horas para o Governo do Estado prestar um retorno com respostas concretas. Entretanto, ressaltou que qualquer passo que for dado daqui para frente terá que ser escolhido com cuidado.

“Não sabemos mais o que fazer. Já mandamos tantos ofícios, realizamos tantas denúncias no Ministério Público, que agora só resta parar. Já deveríamos ter feito isso, mas ainda estamos trabalhando, pois colocamos a população em primeiro lugar. (…) Não vamos mais admitir isso, então estamos com reunião marcada para planejarmos o próximo passo para daqui a 48 horas, caso o Governo não preste retorno. Paralisar é uma atitude que requer muita responsabilidade, então precisamos coordenar bem isso antes de qualquer coisa”, afirmou.

Em sua fala, Blenda Garcia destacou que a raiva da população é gerada por uma má administração de recursos direcionados à saúde, que, segundo ela, foram usados para investir na construção de um hospital que não está podendo funcionar por falta de equipamentos.

“O Hospital das Clínicas, que tem 120 leitos, está fechado por não ter material para prestar atendimentos. Estávamos alertando o Governo desde o início. Como que um novo hospital poderia ser aberto, se não é possível abastecer materiais naqueles que já estão prestando atendimentos? Desde que assumi o CRM, fizemos oito fiscalizações no Hospital Geral de Roraima, com cada uma durando de sete a dez dias. Sempre divulgamos a situação piorando cada vez mais, mas a resposta do governo sempre é ‘estamos estudando”, frisou.

Diretora clínica da maternidade pede reforço na segurança

A diretora clínica do Hospital Infantil Nossa Senhora de Nazareth, obstetra Eugênia Glaucy, comentou que foi chamada para ir ao local após a confusão da madrugada de domingo. “Quando cheguei no hospital, mais de três mulheres estavam em trabalho de parto ao mesmo tempo. E onde estavam as obstetras? Na delegacia realizando um Boletim de Ocorrência por terem sido agredidas. Até mesmo os seguranças estavam feridos e foi por isso que a Polícia Militar estava acionada. Antes, faltavam materiais para trabalharmos. Agora, nos últimos meses, estamos sofrendo com falta de garantia de terminaremos o turno sem ferimentos”, comentou.

Eugênia Glaucy também destacou que esse não foi o único episódio de violência física na maternidade no final de semana passado e apontou a necessidade de as unidades de saúde terem segurança reforçada com ajuda de policiais militares, que, segundo ela, possuem o porte necessário para impedir agressões.

“No final de semana, outra tentativa de agressão ocorreu, de uma mulher que estava reclamando da demora no atendimento. É dramático trabalhar para o Sistema Único de Saúde, mas encaramos esse desafio mesmo com a falta de condições para trabalho e atrasos de salário. Exigimos que a gestão estadual nos garanta um serviço de segurança, da Polícia Militar se for preciso. Nós estamos do lado do povo, e queremos que a saúde pública melhore, com mais segurança”, frisou.

O presidente do Sindicato dos Médicos de Roraima (Simed-RR), Antônio Delmiro, afirmou que esses problemas não devem ser atribuídos exclusivamente à má administração da atual gestão estadual, uma vez que problemas como esse acontecem há anos.

“Essa coletiva não é uma represália ao governo atual, pois sabemos que a saúde já vinha estando ruim desde a gestão anterior. Entretanto, o atual governo teve o azar de se deparar com a explosão de uma bomba, que já dava sinais de que iria explodir antes, mas agora está somada a uma demanda cada vez maior, vinda com a migração em massa de venezuelanos. (…) A sociedade acha que a culpa é do médico, mas a falta de materiais e estrutura para atendimento é transparente”, comentou. (P.B)

Governo nega falta de materiais e diz que está aberto ao diálogo

A Secretaria Estadual de Saúde (Sesau) negou, em nota, a informação de que o Governo não esteja aberto ao diálogo. “Nesta segunda-feira, 30 de julho, a governadora Suely Campos abriu a agenda para receber a presidente do CRM [Conselho Regional de Medicina], às 9h, mas ninguém compareceu”, frisou.

A Sesau também negou que haja falta de materiais como luvas e fios e frisou que o Governo está trabalhando para garantir o estoque atual de recursos em meio à crise migratória. “Vários processos para aquisição de medicamentos estão em andamento na Comissão Setorial de Licitação da Sesau. Entre os processos já licitados, estão os de aquisição de medicamentos de uso oral, antissépticos, quimioterápicos, oftálmicos, anti-infecciosos, entre outros”, informou. 

Além disso, também negou que falte segurança no Hospital Materno Infantil Nossa Senhora de Nazareth. “Há uma empresa contratada para prestar esse serviço. Dois servidores foram agredidos na noite deste sábado, 28, quando tentaram defender a equipe médica que sofria ameaças de um venezuelano (…). Diante das agressões, a Polícia Militar foi acionada e foram adotadas todas as providências necessárias para garantir a integridade dos servidores e pacientes”, explicou a nota.

A Sesau também destacou que, por maiores que sejam os investimentos, ainda não há como minimizar impactos da crise migratória. “O número de atendimentos a estrangeiros no ano passado cresceu 6.500%. Somente na maternidade, no período de janeiro a junho de 2018, foram realizados mais partos em mulheres venezuelanas do que em todo o exercício de 2017”, encerrou. (P.B)

Publicidade