Cotidiano

Ministério Público pede à Justiça tutela das crianças indígenas e venezuelanas

Conforme a Defesa Civil, são 300 crianças e adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade, que devem ser encaminhados a abrigos

Encontrar crianças e adolescentes trabalhando ou pedindo esmola em Boa Vista tornou-se cada vez mais frequente. De acordo com a Defesa Civil de Roraima, o número de menores de idade de origem venezuelana ou indígena em situação de risco e vulnerabilidade social pode chegar a 300 atualmente. O aumento dessa incidência motivou o Ministério Público do Estado de Roraima (MPRR) a protocolar, na Justiça, ação civil com pedido de tutela de urgência.

O documento pede busca e condução de todos esses menores, com o objetivo de resguardar a integridade física e psicológica deles. A ação foi ajuizada na quarta-feira, 30, pela Promotoria de Justiça de Defesa da Infância e Juventude, com base nos dados colhidos no procedimento de investigação do MPRR, e aguarda agora a decisão do juiz da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Boa Vista, Parima Veras.

Em entrevista à Folha, o promotor de justiça de Defesa da Infância e Juventude, Ricardo Fontanella, relatou que o órgão vem acompanhando a situação há alguns meses e não há mais como esperar. “Nossa legislação diz que criança é criança, independente da nacionalidade ou etnia, possui seus direitos e precisa de proteção integral. A lei tem de ser aplicada, como prevista no ECA [Estatuto da Criança e Adolescente]”, ressaltou.

Na Capital existem atualmente quatro abrigos para onde esses menores devem ser conduzidos: um do Município, para crianças de até 12 anos; e três do Estado, sendo dois para adolescentes até 18 anos, divididos por sexo, e um para crianças de até 12 anos. Conforme o promotor, pelo número de crianças hoje nas ruas, os abrigos serão insuficientes. “Essa tutela é de urgência. É para ontem. Essas crianças estão sendo expostas e vitimadas e precisam ter os direitos protegidos. Sem contar que a exploração sujeita a criança e o adolescente ao trânsito, à violência urbana, fatores climáticos, colocam meninas e meninos até mesmo em risco de morte”, disse.

Caso o pedido do MPRR seja acolhido pela Justiça, as crianças e os adolescentes deverão ser encaminhados às instituições de abrigamento em Boa Vista, para que sejam adotadas todas as medidas legais a cada caso, inclusive avaliação psicossocial. “Depois de abrigadas, vamos começar o processo de identificação, fazer uma triagem e descobrir o que está acontecendo. Saber onde estão os familiares e responsáveis, se essas crianças estão doentes, precisando de auxílio, remédio, escola. Depois disso, vamos aplicar as medidas protetivas”, explicou Fontanella.

O MPRR também investiga a omissão do Poder Público – Estado e Município de Boa Vista – quanto ao desenvolvimento de programas que visem identificar os familiares ou responsáveis legais por essas crianças e adolescentes, inclusive, com endereço de localização daqueles que se encontrarem em situação de vulnerabilidade pessoal e social.

PREFEITURA – Por meio de nota, a Prefeitura afirmou que a atenção aos imigrantes estrangeiros implica, prioritariamente, na regularização de sua permanência no país, o que cabe à Polícia Federal. “Mesmo assim, o Executivo Municipal tem promovido abordagens sociais de rua a fim de fazer a orientação e encaminhamentos necessários, porém, a inclusão em programas e projetos sociais requer a regularização”, frisou sobre a questão dos venezuelanos.  

Conforme a nota, cerca de 50 crianças de origem venezuelana estudam na rede municipal de ensino. Na saúde, somente nos meses de agosto, setembro e outubro, 4.356 venezuelanos, independente de situação legal, foram atendidos nas unidades básicas de Boa Vista “com os mesmos benefícios de qualquer cidadão brasileiro”.

GOVERNO E FUNAI – A Folha entrou em contato com o Governo do Estado e Fundação Nacional do Índio (Funai) para obter uma resposta acerca do problema, mas não obteve resposta.

Pais podem perder a guarda

Conforme o promotor de justiça de Defesa da Infância e Juventude, Ricardo Fontanella, uma vez comprovada a situação de omissão ou abuso dos pais e responsáveis pelas crianças que estão na rua e semáforos, acontecerá a aplicação de medidas protetivas, perda ou suspensão do poder familiar ou ainda a criminalização.

O artigo 247 do Código Penal estabelece como crime permitir que alguém menor de 18 anos, sujeito a seu poder ou confiado à sua guarda ou vigilância, mendigue ou sirva de mendigo com o objetivo de sensibilizar outras pessoas para obtenção de algum tipo de vantagem ou lucro, sob pena de detenção e multa.

Segundo o promotor, os pais e responsáveis precisam garantir uma vida digna ao menor. Caso não aconteça, cabe ao Estado fiscalizar para que as diretrizes não sejam desvirtuadas ao ponto de prejudicar a formação moral das crianças.

EXPLORAÇÃO – Segundo as investigações do MPRR, muitas dessas crianças e adolescentes estariam sendo “alugadas” em benefício do explorador para ficarem andando entre os carros, submetidas à exploração econômica por adultos, que se utilizam da figura da criança para sensibilizar as pessoas. “Jovens são ‘convencidos’ a esmolar, vender objetos, além de realizar programas pelos maiores, que deveriam zelar para que tais abusos não acontecessem”, relata um dos trechos da ação.

“Recebemos denúncias que algumas jovens menores de idade estão sendo aliciadas à prostituição. É um crime muito grave e que gera consequências tão graves quanto. Se a exploração for comprovada, identificaremos o explorador, a punição é aplicada e um processo criminal é aberto”, disse o promotor.

MP orienta não dar  esmola às crianças

Nos semáforos, as cenas se repetem: para conseguirem dinheiro, crianças e adolescentes estendem suas mãos em direção aos motoristas. Enquanto alguns dão as costas, outros dão alguns trocados. Dar esmola ou comprar produtos de crianças ajuda a mantê-las em situação de vulnerabilidade social, perpetuando a pobreza, de acordo com o promotor de justiça.

“Claro que existe a questão humanitária. Nos sensibilizamos e às vezes queremos ajudar. Só que isso acaba levando para outro caminho, está servindo como fonte de renda. É preciso evitar. A orientação é que esse menor vá para o Centro de Referência do Imigrante. Lá, ele terá alimentação, acomodação, atendimento médico, social, psicológico e o que for preciso”, disse o promotor Ricardo Fontanella.