Cotidiano

Paradas de ônibus são construídas sem rampa de acesso para deficientes

Cadeirante também reclama do despreparo de taxistas de lotação e de motoristas de ônibus que não sabem lidar com deficientes físicos

A Prefeitura de Boa Vista começou no ano passado a trocar todos os abrigos de ônibus por novos que são envidraçados. Porém, muitos deles estão sendo construídos sem a rampa de acesso para os deficientes físicos. A Folha encontrou pontos sem a rampa desde bairros nobres, como o Caçari, na zona Leste, até os mais afastados do Centro, como nos bairros Santa Luzia e Sylvio Botelho, na zona Oeste.

O auxiliar de secretaria Edilson Aguiar, que anda de cadeira de rodas há quase 18 anos, disse que encontra rampas bem feitas em algumas paradas de ônibus, mas em outros elas nem existem. Não só isso: há poucas rampas nas faixas de pedestres, precisando que ele tenha que ficar mais tempo na pista procurando um ponto baixo para poder subir na calçada.

Aguiar consegue subir os meios-fios sozinhos, mas disse que muitos deficientes precisam de ajuda. O auxiliar de secretaria vai todos os dias para seu trabalho no táxi-lotação, sendo um passageiro conhecido pelos motoristas da sua rota. A opção foi porque quando se tornou paraplégico, não encontrava nenhum ônibus com elevadores.

“Passei por muitas dificuldades. Alguns motoristas se recusam a me levar, porque acham que eu viajaria de graça. Mas eu pago a passagem no lotação. Eu sempre tenho que sentar no banco da frente, pedindo licença caso já tenha alguém neste lugar. Muitos passageiros não gostam quando o carro para porque pensam que vou ocupar espaço. Meus colegas que também são cadeirantes dizem que nem todos os motoristas de ônibus estão preparados para manusear o elevador também”, detalha.

PREFEITURA – Segundo a Prefeitura de Boa Vista, o projeto de Mobilidade Urbana propõe a construção dos novos abrigos envidraçados. Serão 600 pontos simples e 75 climatizados. Destes, até o momento foram construídos 150 com rampas de acesso a deficientes físicos. A totalidade está prevista para outubro deste ano. Já os ônibus têm portas especiais e espaço para cadeiras de rodas em toda a sua frota de 75 veículos, desde novembro de 2014.

O motorista instrutor responsável pelo treinamento das duas empresas de ônibus da Capital, Antônio Ramos, disse que ainda na contratação é feito um teste prático na rua para identificar em que condições os motoristas estão dirigindo. Em seguida, parte-se para o treinamento interno sobre direção, equipamentos e segurança. O transporte dos portadores de necessidades especiais é incluído.  “Tiramos todas as dúvidas, para que somente em boas condições eles possam operar. A cada quatro meses convocamos novamente os motoristas e cobradores para identificar irregularidades e repassar informações, a fim de corrigi-los”, explicou.

Os usuários que precisarem se queixar devem ligar para a recepção da empresa Viação Cidade Boa Vista, que repassará para o setor de tráfico ou para o setor de instruções, para que sejam tomadas as providências. O telefone é 3621-5200.

Conselheiro diz que políticas de acessibilidade deveriam ser discutidas de maneira ampla

Acessibilidade vai muito além de calçadas adaptadas, ciclovias e mudanças de semáforo. Para o conselheiro estadual das Pessoas com Deficiência e diretor da Associação dos Deficientes Físicos de Roraima, Jean Martins, todo o poder público nacional deveria se unir na criação de políticas específicas para os portadores de necessidades especiais.

Dentro do Estado de Roraima, segundo ele, não há nenhuma ação específica para este grupo. Se em Boa Vista a vida de um deficiente já é difícil, o conselheiro desafia a sociedade a pensar na vida de alguém do interior do Estado. “Às vezes, os gestores nem sabem o que são políticas para portadores de necessidades especiais”, afirmou.

Jean Martins não vê facilidades de locomoção e de atendimento em lugares como escolas, hospitais, órgãos públicos, empresas privadas e lojas. Os deficientes físicos precisam passar por distâncias maiores para entrar em suas casas porque nem sempre há rampas nas suas calçadas. “Como farão debaixo de chuvas e em emergências?”, questionou.

Dentro dos ônibus, a sua reclamação é quanto à manutenção dos equipamentos e à má educação dos motoristas e cobradores. “Não se tem manutenções periódicas e, quando tem, são precárias. Alguns veículos não possuem cintos de segurança no banco do cadeirante. Em caso de acidentes, uma cadeira dessas sai atingindo várias pessoas dentro do ônibus. É um risco ao deficiente e a terceiros. Ainda existem os motoristas mal educados, que freiam bruscamente”, frisou.

Segundo ele, não são somente os deficientes físicos que sofrem com atendimento precário. “Como um deficiente auditivo faz para que o médico lhe entenda quando não há nenhum intérprete disponível? Como ele está sendo recebido nos serviços de atendimento ao público? Por que não há placas em Libras, e Braille, para os deficientes visuais? Como um deficiente visual pode ter maior acesso ao horário do ônibus?”, questionou Martins para provocar a reflexão.

“Temos que querer acessibilidade em tudo. Ainda vejo gestores dizendo: ‘eu fiz tal obra no bairro X’. Mas não me interessa se foi feita obra no bairro X, se eu moro no Y. É preciso pensar no todo. Deveriam ser feitas audiências públicas, pois também não temos educação satisfatória, inclusão no mercado satisfatória, nem esportes e lazer específicos, nem atendimento médico específico. É um caminho muito longo a se percorrer, mas é preciso trabalhar, é preciso largar os partidarismos”, comentou. (NW)