Cotidiano

Penitenciária agrícola “é absolutamente inadequada”, avalia CNJ

Em 6 de janeiro, a unidade foi palco de um bárbaro massacre, que acabou com o assassinato de 33 presos

Restos de comida espalhados pelo chão, goteiras, falta de energia, prédios caindo aos pedaços, presos amontoados em celas apertadas, esgoto correndo a céu aberto e um cheiro pútrido que toma conta do ambiente. Esse foi o cenário com que os integrantes do Grupo Especial de Monitoramento e Fiscalização (GEMF), criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para apurar os crimes ocorridos no sistema prisional da Região Norte, se depararam em inspeção à Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (Pamc), em Boa Vista, na manhã de quarta-feira (17/5).

“O que nós pudemos ver é que a penitenciária agrícola não tem a menor condição de ser uma unidade penitenciária. Ela funciona precariamente, está em escombros. É absolutamente inadequada”, disse o conselheiro Rogério Nascimento, coordenador do GEMF.

A comitiva do CNJ, formada ainda pela coordenadora do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) e juíza auxiliar da Presidência do Conselho, Maria de Fátima Alves, e pela secretária de Segurança do CNJ, Tatiane Almeida, teve acesso a todas as alas da penitenciária. Em 6 de janeiro, a unidade foi palco de um bárbaro massacre, que acabou com o assassinato de 33 presos.

Desaparecimento de presos

Desde então, as visitas na unidade, que abriga 1.475 presos, estão suspensas, assim como o atendimento médico e aulas. Além disso, a saída dos reeducandos para audiências não tem acontecido, o que prejudica a prestação jurisdicional. A coleta de lixo também está suspensa. Com tantas restrições, o clima na unidade é tenso. Durante a visita às celas, alguns presidiários fizeram queixas à coordenadora do DMF, informando que, desde outubro, quando houve a morte de 10 presos na unidade, eles não têm recebido cuidados médicos. Outros reclamavam da falta de água e até mesmo do desaparecimento de colegas de cela.

Em 24 de abril, sete presos supostamente desapareceram da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo. Em um primeiro momento, eles foram dados como foragidos, mas, segundo familiares e outros reeducandos, há indícios de que todos tenham sido retirados do presídio por serem suspeitos da morte de um agente penitenciário. Somente esta semana, a Secretaria de Justiça e Cidade, em parceira com a  Polícia Civil de Roraima, anunciou a criação de uma força-tarefa para apurar o caso. “Estamos acompanhando essa investigação”, afirmou a juíza Maria de Fátima Alves aos presos.

Após a inspeção nas alas da Pamc, a comitiva do CNJ ouviu reservadamente alguns detentos para colher informações mais detalhadas sobre o funcionamento e a dinâmica da unidade. Escoltados pelo Batalhão de Operações Especiais (Bope), os integrantes do GEMF identificaram a falta de banheiros, a proliferação de moscas e a livre circulação de animais domésticos no ambiente. Segundo os próprios agentes penitenciários, os telefones celulares circulam livremente em todas as alas.

“Favela marmitex”

No último fim de semana, uma das chagas de Monte Cristo foi destruída: a favela marmitex. Conhecida como ala da cozinha, a área abrigava barracos de madeira, lona, restos de alvenaria e até tampas de marmitex. Abrigava acusados de crimes sexuais e também presos ameaçados por detentos que integram organizações criminosas. Com a extinção do local, 348 presos foram transferidos da Pamc para a Cadeia Pública de Boa Vista. A ação foi comandada pelo secretário de Justiça e Cidadania do estado, Ronan Marinho, que assumiu a pasta em 5 de maio.

 

O secretário garantiu à comitiva do CNJ que pretende normalizar o mais brevemente possível a rotina da penitenciária, com a retomada das visitas, das aulas, do atendimento médico e do transporte dos reeducandos para audiências.

 

Escolta e recusa

 

Depois da visita à Pamc, o grupo do CNJ foi recebido pela Defensora Pública-G eral de Roraima, Terezinha Muniz de Souza Cruz. No encontro, a defensora apresentou a estrutura do órgão, que conta com 45 profissionais. Ela explicou que, até outubro do ano passado, antes do primeiro massacre na penitenciária, o trabalho da defensoria se dava de forma tranquila. “Apesar de não termos muitos defensores, havia outra realidade até outubro. Hoje, para entrar lá, somente com escolta e para solicitar escolta, é preciso antecedência”, afirmou. Além disso, Terezinha confirmou o que magistrados e promotores já haviam comumicado do grupo do CNJ: os presos têm se recusado a comparecer às audiências.

 

Com a intenção de ouvir o maior número de atores diretamente envolvidos nas questões que envolvem o sistema prisional, o GEFM também ouviu representantes da seccional da OAB em Roraima. O presidente da Ordem, Rodolpho César Maia de Morais, informou que a entidade ajuizou uma ação civil contra o Estado de Roraima e o Sindicato dos Agentes Penitenciários com o objetivo de garantir o acesso imediato de advogados e oficiais de justiça às unidades prisionais em Boa Vista. A Justiça Federal concedeu liminar ao pedido formulado pela OAB, que segue acompanhando de perto a questão. “Precisamos garantir ao apenado o direito à ampla defesa. Se não isso não for garantido, novos massacres vão ocorrer”, afirmou Morais.

 

No fim do mês, o GEMF visitará o Acre, último estado a ser inspecionado antes da finalização do relatório que será entregue à presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia.