Cotidiano

Polícia Civil apura crimes de discurso de ódio, xenofobia e incitação à violência

Manifestantes também se reuniram no final da tarde de sábado, 24, no bairro Caimbé

Além da realização do protesto na Praça Simón Bolívar, outra manifestação ocorreu no fim da tarde de sábado, 24, desta vez com cerca de 20 pessoas no bairro Caimbé. Com o aumento de incidentes semelhantes, as instituições de segurança têm começado a adotar medidas para combater possíveis conflitos, além de apurar a configuração de crime de xenofobia.

A Delegacia Geral da Polícia Civil de Roraima informou que já instaurou inquérito policial através do Grupo de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Graco) da Delegacia Geral, com a finalidade de apurar os crimes de discurso de ódio, xenofobia e incitação à discriminação e violência contra pessoas de nacionalidade venezuelana.

Os crimes estão tipificados no Art. 20 da Lei n. 7.716/89, artigos 286 e 288 do Código Penal, que tratam da incitação ao crime e associação criminosa, e Art. 2º, parágrafo 1º, inciso V, da Lei n. 13.260/16, ou terrorismo praticados através das redes sociais, em aplicativos como WhatsApp e rádios e televisões locais.

“As pessoas que estão promovendo e incitando a violência estão sendo identificados através de trabalho de inteligência policial e investigações, e serão devidamente indiciadas pela prática dos crimes já mencionados”, disse a Polícia Civil.

Além disso, o Ministério Público Estadual também requisitou a instauração de inquérito policial na quinta-feira, dia 22, para a apuração de discurso de ódio, xenofobia e incitação à violência contra venezuelanos, e estará atuando em conjunto com a Polícia Civil para coibir tais práticas.

“Esclarecemos que vivemos sob um estado democrático de direito, onde as pessoas possuem o direito à liberdade de expressão e de realizar manifestações pacíficas, mas os excessos que constituem crime serão punidos, conforme determina a legislação, e as penas são graves e variam de 2 até 30 anos de reclusão, conforme o crime praticado”, afirmou o Governo do Estado.

Por fim, os órgãos de segurança reforçaram que vão continuar seu combate à criminalidade e que as denúncias de crimes praticados por venezuelanos, brasileiros ou pessoas de qualquer nacionalidade podem ser feitas pelo número 190. (P.C)

Psicóloga acredita que protestos refletem medo de falta de assistência aos brasileiros

Tendo os recentes protestos em observação, a psicóloga Elis Marques promoveu uma análise do comportamento humano frente às manifestações e alguns atos de violência gerados, como a queima dos pertences de migrantes em um abrigo no Município de Mucajaí. Para a profissional, os protestos refletem um medo de que o atendimento aos estrangeiros pode, de alguma forma, penalizar os brasileiros.

Primeira coisa a ser pontuada pela profissional é que Roraima é um estado constituído por migrantes, com um grande número de pessoas chegando ao território nos anos 80, 90, época de louros do garimpo, tanto é que a população é constituída de muitas famílias das regiões Sul e Nordeste.

No entanto, apesar de algumas características similares, a situação se diferencia da atual por se tratar de muitos migrantes forçados por conta de uma crise humanitária e por se tratarem de pessoas com uma nacionalidade diferente.

Para a psicológica, o fluxo migratório gerou um medo de que a assistência poderia ser precarizada aos próprios brasileiros. Essa sensação de perda de direitos, para Elis, faz com que a população se volte contra os venezuelanos como se eles fossem a fonte da falta de assistência, ao invés de cobrar mais do poder público para que dê assistência às pessoas vulneráveis brasileiras e também das venezuelanas.

A profissional acrescenta que o termo xenofobia, precisa ser repensado. “O fobia vem de medo e é algo que não é simplesmente um medo, é uma aversão. A gente observa muito isso. Como, se, dando assistência aos venezuelanos, vão retirar dos brasileiros e não é bem assim. São recursos, propostas e situações diferentes”, afirma Elis.

A profissional reforça que o país tem a obrigação de acolher a população devido aos acordos internacionais que garantem esse tipo de ação social e da própria constituição brasileira que dá assistência integral e universal aos imigrantes.

“De fato a gente vai precisar ampliar essa assistência dos profissionais de saúde, porque a gente escuta que o sistema está sobrecarregado. É preciso cobrar que o governo dê a devida assistência, mas não negar para quem está precisando”, pontuou.

AGRAVO – Elis pontua, ainda, que a situação aparenta estar se agravando considerando que as primeiras manifestações contra venezuelanos foram feitas através de redes sociais. Agora, o processo já passou para uma situação mais grave, com as manifestações concretas.

Apesar disso, a profissional acredita que o poder público teve uma boa resposta aos atos com a polícia resguardando a população e o anúncio de que o Ministério Público vai realizar a fiscalização de comentários xenofóbicos nas redes sociais.

“Já é uma resposta positiva considerando que os primeiros dois atos, em Mucajaí e Pacaraima, pouco se falou de segurança. Já se tem uma percepção do agravo e percebe-se que o poder público está se mobilizando e em contratempo ao aumento de incidentes, a mobilização dos governos também tem que ser maior”, frisou.

SOLUÇÕES – A psicóloga acredita que a melhor forma de lidar com o preconceito, é trazendo o objeto do preconceito ao contato com o preconceituoso, ou seja, quanto mais a população tiver contato com as pessoas e compreender a sua existência, será mais fácil a aceitação.

Elis sugeriu, por exemplo, que o poder público introduza propostas de integração de fato dessa população, especialmente, de uma forma mais positiva, de celebração cultural, algo que até o momento foi mais realizado por iniciativas privadas ou de organizações não governamentais.

“Esses movimentos são bem pequenos, mas, quanto mais a gente generalizar isso, trazer a música, a culinária venezuelana, aprender com os profissionais e promover essa integração, melhor será compreendido que essas pessoas já fazem parte de nós”.

“Temos muitos filhos brasileiros nascidos de pais e mães venezuelanas, ou seja, é uma população já miscigenada. É necessário pensar em políticas de integração. Quanto mais a gente entender essas vivências, menor vem essa carga de preconceito que vem dessa ideia do desconhecido. A ideia é a gente se misturar mesmo e aprender como todo mundo”, definiu. (P.C)