Cotidiano

Roraima é o estado mais letal para mulheres no Brasil, aponta relatório

A justiça de Roraima não possui dados sobre a porcentagem de homicídios de mulheres que resultaram em condenação

Roraima é o estado mais letal para mulheres e meninas no Brasil. Um relatório divulgado pela ONG internacional Human Rights Watch traçou os detalhes deste quadro de violência e apontou as falhas por parte do Estado no combate a este tipo de crime.

A taxa de homicídios de mulheres cresceu 139% entre 2010 e 2015, atingindo 11,4 mortes para cada 100 mil mulheres neste ano – dado mais recente disponível. A média nacional é de 4,4 homicídios para cada 100 mil mulheres, número já considerado um dos mais altos do mundo.

O relatório revela que, em Roraima, a taxa de homicídio de mulheres cresceu 139% entre os anos de 2010 e 2015. Baseado em 31 casos de violência doméstica, o documento traça falhas no sistema punitivo do Brasil no que diz respeito a colocar em prática legislações que visam coibir esse tipo de violência.

Na maioria dos casos documentados, as vítimas haviam suportado muitos casos de violência antes de procurarem as autoridades locais. Além disso, quando a decisão de fazer a denúncia era tomada, as mulheres encontraram diversos obstáculos na polícia para conseguir registrar a ocorrência.

Segundo o relatório, a falta de efetivo policial e de preparo da corporação para responder todas as ocorrências policiais faz com que as autoridades locais “selecionem casos mais graves” para atenderem, o que resulta em diversas ligações recebidas e ignoradas.

Enquanto a lei brasileira prevê que mulheres têm o direito de denunciar violência doméstica em qualquer delegacia de polícia do País, em Roraima isso não é garantido. O relatório denuncia a conduta comum de policiais que orientam a vítima a se dirigirem a única Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM) de Roraima, que fica a centenas de quilômetros de cidades rurais e abre apenas de segunda à sexta-feira em horário comercial.

Fechada à noite e aos finais de semana, a polícia militar do estado conta que isso dificulta o atendimento, visto que são os momentos em que a violência contra a mulher tem mais chances de acontecer.

A norma técnica nacional do funcionamento das DEAMs indica a necessidade do funcionamento ininterrupto de 24 horas diárias, incluindo sábados e domingos, principalmente em locais onde há somente uma unidade, como em Roraima. Com uma população de cerca de meio milhão de pessoas, 255 mil são mulheres, e a delegacia da mulher é a única responsável por atender todas as vítimas do município, que em 2016, registraram 2026 boletins de ocorrência de violência doméstica.

Dos casos registrados, menos da metade foram investigados. Mesmo quando o inquérito é instaurado, nem sempre a polícia investiga. O relatório conta que a delegacia da mulher estima que mais da metade dos inquéritos encaminhados para a promotoria são finalizados não porque a investigação não teve resultados, mas porque o processo prescreveu.

O Juizado Especializado em Violência Doméstica do distrito de Boa Vista é quem cuida de todos os casos de violência doméstica da capital, exceto em casos de feminicídio ou em tentativas de feminicídio, e lida com os 5 mil inquéritos que estão andamento. Segundo os dados do tribunal, 2885 são de ocorrências de 2013 ou de anos anteriores.

A demora para os casos serem investigados faz com que mulheres vítimas de violência desistam da denúncia devido a conciliação com o abusador, pela pressão familiar e porque dependem financeiramente dos agressores. A dificuldade para dar o depoimento também é um fator que impede muitas vítimas de denunciarem.

Os policiais responsáveis por fazer a oitiva, escuta da vítima, não recebem nenhum tipo de treinamento especializado, e apenas aqueles que trabalham na DEAM de Boa Vista passam por um treinamento que dura um dia. “Alguns policiais apenas registram a violência doméstica em casos de agressões físicas, elas [as vítimas ouvidas] disseram, e não identificam outros tipos de violência, como a psicológica”, afirma o relatório.

Paulo André Trindade, promotor de justiça do tribunal do júri de Boa Vista, foi uma das autoridades ouvidas pela Human Rights Watch. Trindade afirma que 100% dos casos de feminicídio no estado tem relatos de violências anterior, pois resulta da “evolução na agressão, violência psicológica, física, até que se chega a evoluir no homicídio”.

A justiça de Roraima não possui dados sobre a porcentagem de homicídios de mulheres que resultaram em condenação. Segundo o promotor, quando vão a julgamento, a maioria é dos agressores são condenados. No entanto, o descuido da polícia na cena do crime prejudica o processo.

Aos 16 anos, Cleiciane Sabino da Silva foi vítima de um feminicídio. Casada com um homem 15 anos mais velho, a menina foi espancada até a morte com um martelo em 5 de novembro de 2012, em uma área rural de Roraima. Segundo a polícia, seu marido e três amigos bebiam em casa, quando dois deles saíram para comprar mais álcool e seu esposo já estava desacordado devido à bebida. O terceiro amigo, Wydeglan Falcão, de 22 anos, a estuprou e espancou até a morte.

Falcão fugiu e foi detido dois anos depois. Em 2016 foi absolvido em razão do que o promotor responsável chamou de “falhas grotescas na análise forense”. O documento conta que os peritos não tiraram fotos da cena do crime, não coletaram as digitais e não coletaram o sêmen de forma adequada, tornando impossível a análise do DNA.

Com informações da Carta Capital