Cotidiano

Roraima zera regime segregado nas escolas e vira referência no País

Estado foi o primeiro do País a extinguir por completo as classes especiais, conforme Anuário Brasileiro de Educação Básica 2017

Foram vários “nãos” até que a dona de casa Marlene Cordeiro conseguisse uma vaga para que a neta com paralisia cerebral pudesse iniciar os estudos em uma unidade de ensino da rede pública em Roraima. Até 2008, o Estado apresentava baixas taxas de inclusão dos alunos nas escolas, subsistindo ainda nas unidades um número significativo de jovens, com necessidades específicas, em espaços físicos ou curriculares segregados.

A dona de casa queria que a neta estudasse em uma sala regular. O atraso provocado com as recusas de diversas instituições de ensino fez com que a adolescente, atualmente com 12 anos, sequer seja alfabetizada.

“Se tivessem aceitado ela à época, hoje ela saberia ler e escrever. Foi uma luta muito grande para conseguir inseri-la com os alunos sem deficiências”, contou.

A realidade, porém, começou a mudar a partir da Política Nacional de Educação Inclusiva proposta pelo Ministério da Educação (MEC) há nove anos. A proposta era transformar as escolas em modelos de inclusão, centrada no acesso ao currículo, na igualdade de oportunidades, na abordagem multinível e na cooperação e trabalho de equipe para identificar alunos com necessidades educativas especiais.

Atualmente, o Brasil é signatário de vários tratados internacionais que defendem a extinção de classes especiais ou escolas especializadas para alunos com deficiência. Nos últimos anos, de acordo com o Anuário Brasileiro da Educação Básica 2017, o número de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, matriculados em classes regulares mais do que dobrou em todo o país, passando de 306,1 mil para 751 mil. Ao mesmo tempo, o número de alunos em classes especiais caiu de 348,5 mil para 179,9 mil.

Nesse período, Roraima passou de estado que tinha classes segregadas para referência em educação inclusiva. Desde 2009, todos os alunos de inclusão estão matriculados em classes comuns. Conforme o Anuário da Educação Básica, o Estado foi o primeiro do país a extinguir por completo as classes especiais. Em 2015, apenas Roraima, Acre e Rio Grande do Norte tinham zerado as classes especiais e matriculado os alunos com deficiência em salas regulares.

INCLUSÃO – A neta da dona de casa Marlene Cordeiro é aluna do 6º ano de uma escola estadual em Boa Vista. Em um horário, ela estuda em uma sala regular com outros alunos que possuem vários tipos de deficiências, como síndrome de Down, cegueira, surdez, além de outros estudantes sem necessidades especiais. Em outro horário, utiliza das Salas Multifuncionais, que oferecem atendimento educacional especializado.

Para a pedagoga Ana Cristina, a educação inclusiva transformou o modo de ensinar os alunos especiais. “O que acontecia na educação especial antes era uma forma onde não se tinha muito a questão de contribuição com o desenvolvimento deles. O preconceito é cultural. Quando não se convive com as diferenças não há como conhecê-las. A inclusão fez parte de um processo onde todos contribuíram e houve boa aceitação”, disse. (L.G.C)

A resistência dos pais e o caminho até a integração

Ao contrário do exemplo da dona de casa que lutou para colocar a neta especial em uma unidade de ensino regular, alguns pais resistiam em fazer o mesmo. Com a Política Nacional de Inclusão, a Secretaria Estadual de Educação (Seed) iniciou um trabalho de orientação aos responsáveis pelos estudantes até que se pudesse chegar ao processo de integração nas unidades.

“Chamávamos a inclusão de integração. Quando veio a norma do MEC, nós começamos a abrir as escolas e a orientar os pais para tirar a resistência. Nós preparamos os professores através da educação continuada em um processo que sempre está em andamento, porque nunca estamos totalmente preparados para trabalhar com pessoas, com ou sem deficiência”, explicou a chefe da Divisão de Educação Especial da Seed, Rosalete Saldanha.

Inicialmente, o Governo do Estado implantou unidades de ensino polo como modelo para que todas as escolas pudessem trabalhar com a inclusão. “Hoje todas as escolas do Estado têm alunos da educação especial matriculados no ensino regular”, garantiu.

A implantação do Programa Sala de Recursos Multifuncionais foi fundamental no processo, segundo Rosalete. “Essas salas ofertam atendimento educacional especializado, onde são ensinadas as matérias próprias que pessoas com deficiência precisam como libra, braile, e trabalho de educação de desenvolvimento oral ou pelo computador”, destacou.

Conforme a chefe da Divisão de Educação Especial da Seed, as salas funcionam como um complemento ao currículo dos alunos. “São ensinadas coisas próprias das especificidades de cada. O currículo é o mesmo, só se faz adaptações”, contou.

Atualmente, segundo dados do Censo Escolar 2016, 1.166 alunos com deficiência estão matriculados nas salas regulares das escolas da rede Estadual de ensino. “Toda escola tem que estar preparada e estamos fazendo isso. Não se pode negar vaga para o aluno”, ressaltou. (L.G.C)

Política de inclusão e a quebra de paradigma

Na Rede Municipal de Ensino de Boa Vista, os estudantes com problemas auditivos, por exemplo, possuem professor específico, os chamados “bilíngues”, que os acompanham diariamente nas salas comuns.

Para a técnica pedagógica da Coordenação de Educação Especial da Secretaria Municipal de Educação (Smec), Selma Cavalcante, a política de inclusão nas escolas quebrou o paradigma de segregação. “É preciso que o aluno consiga adentrar na escola independentemente da sua condição, porque a Constituição diz claramente que a educação é um direito de todos. Antes de 2008, o aluno precisava se preparar para ir à escola, mas hoje são as escolas que devem estar preparadas para receber os alunos”, destacou.

Conforme o último Censo Escolar, de 2016, cerca de 500 alunos com algum tipo de deficiência estão inseridos em salas regulares do município. “A Prefeitura de Boa Vista começou a criar em todas as escolas as salas de recursos multifuncionais, onde profissionais qualificados ministram cursos. Não adianta apenas abrir as salas sem fortalecer o processo de formação”, ressaltou Selma. (L.G.C)