Cotidiano

Seis casos de trabalho análogo ao de escravo foram registrados desde 2009

Em 2017, até o momento, um caso foi registrado, em que seis trabalhadores foram resgatados

Desde o início do ano, notícias relacionadas ao trabalho análogo ao de escravo passaram a estampar com mais frequência jornais de alguns estados brasileiros. Só neste mês, oito trabalhadores foram resgatados no Tocantins e 31 no Mato Grosso, todos sendo explorados por seus empregadores. Em Roraima também houve registro: seis trabalhadores estrangeiros, sendo quatro venezuelanos e dois cubanos, foram resgatados de uma empresa em Boa Vista nas mesmas condições. De acordo com a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Roraima, desde 2016 várias denúncias foram recebidas pelo órgão e permanecem em apuração.

A apuração é realizada pela Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (DETRAE) do Ministério do Trabalho e Emprego, localizada em Brasília, e não são divulgadas para não atrapalhar as investigações. O setor é responsável por receber as denúncias de todo o País e programar as ações fiscais com os grupos Especiais de Fiscalização Móvel. Segundo o auditor-fiscal do Trabalho em Roraima, Luiz Roma, além das ações planejadas pela DETRAE, as superintendências Regionais nos estados também recebem denúncias e, “a partir da gravidade e da urgência que a situação demanda, deflagram ações fiscais do trabalho para averiguar as irregularidades denunciadas”.

Em 2017, até o momento, foi registrado um caso de trabalho análogo ao escravo em Boa Vista, constatado em ação fiscal promovida por auditores-fiscais do Trabalho. No ano passado, também foi registrado um caso na área rural do município do Cantá, Centro-Leste de Roraima.

No total, desde 2009, foram registrados seis casos em Roraima de trabalho análogo ao escravo: um em 2009, dois em 2014 e um em cada um dos últimos três anos, com um total de 59 trabalhadores resgatados no Estado. “Um número alarmante, tendo em vista ser um crime extremamente grave”, complementou Roma.

Ainda segundo o auditor-fiscal, o empregador flagrado submetendo empregados a condições semelhantes à escravidão responde nas áreas administrativa, cível, criminal e trabalhista: na área administrativa, o responsável é autuado pelos próprios auditores-fiscais; já na cível, o empregador é obrigado a pagar aos trabalhadores indenizações por danos morais individuais, bem como indenização por danos morais coletivos à sociedade; Na criminal, responde pelo crime de redução à condição análoga à de escravo, visto que a conduta é crime tipificado em artigo do Código Penal; por último, na área trabalhista, paga aos trabalhadores as verbas trabalhistas e rescisórias decorrentes dos serviços prestados.

Roma explicou, em entrevista à Folha, que o valor das multas, verbas trabalhistas e indenizações dependem de alguns fatores, como quantidade de trabalhadores resgatados, tempo de submissão desses trabalhadores e quantidade de infrações trabalhistas cometidas pelo empregador. “Como exemplo, na última ação fiscal realizada em Roraima, em que seishomens foram resgatados, o empregador teve que arcar com multas e indenizações que totalizaram R$ 160 mil, além de responder a processo criminal na Justiça Federal”, exemplificou.

Fluxo de imigrantes pode facilitar trabalho análogo ao de escravo

De acordo com dados da Superintendência da Polícia Federal em Roraima, (PF), de janeiro a março deste ano foram solicitados 1.614 pedidos de refúgio por venezuelanos no estado. “Os trabalhadores estrangeiros que entram no país de forma irregular, sem possuir documentos de permanência no Brasil e Carteira de Trabalho e Previdência Social, (CTPS), se submetem a quaisquer condições de trabalho para sobreviver”, disse o auditor-fiscal do Trabalho, Luiz Roma.

Os empregadores findam por se aproveitar da situação de vulnerabilidade dos estrangeiros em situação irregular, conforme prosseguiu o auditor, e exploram a sua mão de obra, com baixas remunerações, excesso de jornada, situações degradantes de trabalho, ausência dos requisitos mínimos de saúde e segurança, entre outros.

“Em decorrência dessa vulnerabilidade dos imigrantes, tanto pelo estigma social da condição de estrangeiros originados de países em crise, quanto pela situação irregular de trabalho no Brasil, bem como da existência de empregadores que se aproveitam dessa situação para explorar a mão de obra, há a suscetibilidade desses trabalhadores oriundos de um intenso fluxo migratório sem controle à submissão ao trabalho análogo ao de escravo”, opinou Roma.

“Todo empregador deve ter ciência que os direitos dos trabalhadores na legislação brasileira, como salário mínimo, jornada de trabalho, condições de saúde e de segurança, por exemplo, se aplicam a todos os trabalhadores, nacionais e estrangeiros”, concluiu o auditor-fiscal.

Saiba como denunciar o trabalho escravo
 
De acordo com o artigo 149 do Código Penal Brasileiro, são elementos que caracterizam o trabalho análogo ao de escravo: condições degradantes de trabalho (incompatíveis com a dignidade humana, caracterizadas pela violação de direitos fundamentais colocando em risco a saúde e a vida do trabalhador), jornada exaustiva (em que o trabalhador é submetido a esforço excessivo ou sobrecarga de trabalho que acarreta a danos à sua saúde ou risco de vida), trabalho forçado (manter a pessoa no serviço através de fraudes, isolamento geográfico, ameaças e violências físicas e psicológicas) e servidão por dívida (fazer o trabalhador contrair ilegalmente um débito e prendê-lo a ele). Os elementos podem vir juntos ou isoladamente.

As denúncias podem ser feitas diretamente nas unidades do Ministério do Trabalho (superintendências, gerências e agências), do Ministério Público do Trabalho, do Ministério Público Federal, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, da Justiça do Trabalho, dentre outras organizações que lidem com o apoio ao trabalhador em situação de risco, tais como sindicatos dos trabalhadores. “Os trabalhadores podem buscar as unidades do Ministério do Trabalho para serem atendidos e conhecerem todos os seus direitos. Há também os sindicatos dos trabalhadores”, orientou Roma.

País tem 1,5 milhão de pessoas presas ao trabalho por dívida com empregador

Em 2015, o Brasil tinha cerca de 1,5 milhão de pessoas impedidas de deixar os empregos em que trabalhavam por possuírem algum tipo de dívida com seus empregadores. Essa é uma das características que define o trabalho análogo à escravidão, a servidão por dívida, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Os dados foram levantados pela primeira vez na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Aspectos das Relações de Trabalho e Sindicalização 2015, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Entre os 51,7 milhões de empregados no setor privado ou alocados como trabalhadores domésticos, 2,9% tinham algum débito financeiro com o empregador que impediam de deixar o trabalho.

O IBGE levantou os diferentes tipos de débitos financeiros com os empregadores que criavam o laço de servidão: 948 mil tinham débito relacionado com alimentação; 774 mil declaram alguma dívida com transporte; 373 mil reportaram dívida com instrumento de trabalho; 266 mil, com aluguel; e 156 mil com outro tipo de débito.