Cotidiano

Venezuelanos receberão certificados

Catequistas que movimentam a campanha da fraternidade se mobilizaram para promover o curso

O português brasileiro é considerado uma das línguas mais difíceis. Se complicado para brasileiros, imagine para quem chega de supetão. Muitos venezuelanos imigrantes encontram na língua, uma das barreiras que dificultam ainda mais o ingresso no mercado de trabalho.

Pensando nisso, membros da Campanha da Fraternidade criaram uma espécie de escola para imigrantes e, dessa forma, em prática o que a instituição prega. O começo foi difícil, não tinha estrutura para receber os alunos, mas com ajuda e doações da comunidade, a escola começou a se formar.

Inicialmente, 80 alunos tiveram a oportunidade de entender conceitos básicos do português e também sobre a legislação trabalhista. A ideia era que eles não ficassem limitados e aprendessem práticas que vivenciam todos os dias. Em parceria com a Universidade Federal de Roraima (UFRR), foram oferecidas apostilas que são utilizadas pela Pastoral dos Imigrantes em São Paulo. 

“É feita uma dinâmica com os venezuelanos porque na medida da necessidade, eles saem. Se conseguem emprego, outros por passarem o dia na rua pedindo e limpando carro, eles não aguentavam fazer as aulas. Estamos concluindo com 50 alunos na primeira turma”, contou a catequista, Irmã Graça.

A catequista diz ser necessário o olhar diferenciado ao imigrante por ele chegar ao país sem as mínimas condições de sobrevivência. Os alunos não tinham nem cadernos e canetas. Aos poucos foram sendo adquiridos para a turma ficar completa e sem maiores dificuldades.

“As pessoas se movimentaram para ajudar, isso foi fundamental. Nenhum dia de encontro terminou sem lanche oferecido pela comunidade. Todo imigrante que não conheça a língua não terá possibilidade de crescer. O curso é sobre as necessidades deles em relação ao direito, para que eles saibam em que chão estão pisando”, continuou a Irmã. 

Foram dois meses de aulas ministradas duas vezes por semana com duração de 2 horas. Os 50 formandos desta terça-feira, 26, participarão de cerimônia organizada pela Campanha da Fraternidade na Igreja São Paulo Apóstolo no bairro dos Estados. O resultado foi tão positivo que as catequistas planejam a ampliação do curso, a partir de agora, com conhecimentos profissionalizantes.

Conforme informou a catequista Jacilda Barreto, para que haja a possibilidade da realização desse novo formato do curso, esperam-se por doações da sociedade. “Enquanto eles estiverem por aqui a nossa tendência é permanecer. Nós temos quatro metas para trabalhar com os imigrantes e as colocamos como urgência: acolher, proteger, promover e integrar. E já estamos fazendo tudo isso”, contou. 

Sobre a importância de uma ação comunitária, Jacilda confessou que a escola trouxe outro significado para ela. “Eu digo que esse trabalho dá sentido à vida. Você só percebe a vida quando você vive como as outras pessoas vivem, quando você faz essa comparação, você diz assim ‘a minha vida realmente é melhor do que a dele e se eu sou melhor, por que eu não ajudo o próximo?”, argumentou.

Mesmo sendo uma ação espontânea, o curso recebeu comentários xenofóbicos por parte de pessoas que afirmavam que os brasileiros não recebiam o mesmo tratamento. As “professoras” se defenderam explicando que os brasileiros nunca precisaram passar por situação de vulnerabilidade.

A disponibilidade dos brasileiros para ajudarem os imigrantes chamou a atenção de todos, pois muitos chegam sem dinheiro ou noção do que fazer quando atravessam a fronteira. Graças a atitudes como as das catequistas, eles aprenderam a ler e escrever em outra língua que não pensavam em entender anteriormente.

“Quando chegamos aqui foi muito difícil, não só pela língua, mas no mercado de trabalho também. Muitas pessoas eram preconceituosas, mas todos nós somos iguais, somos todos irmãos”, relembrou o imigrante Jean Carlos Cabello. 

Os planos para o futuro são permanecer no Brasil, ampliar os conhecimentos sobre o país e voltarem a pensar em oportunidades fora da Venezuela. Ao serem questionados se pensam em retornar ao país de origem, dizem que no momento não pensam nisso. Muitos pensam em trazer as famílias que ficaram no país vizinho.

A experiência foi tão marcante que todos pensam em retribuir de alguma forma as atenções que receberam e irão lembrar o momento pelo resto das vidas. Sobre as catequistas que se tornaram professoras, eles afirmam que agradecem todos os dias pelas atitudes delas e que, se saírem de Roraima, iriam retornar para agradecerem novamente. Por parte delas, o sentimento é recíproco, “já estamos ficando com saudades deles!”, observou Jacilda.