Política

Waimiri-Atroari fazem carta de repúdio à obra sem consulta

Linhão de Tucuruí pode ser classificado como de interesse nacional, o que seria uma estratégia para facilitar o licenciamento sem a consulta aos indígenas

O ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, defendeu transformar o Linhão de Tucuruí, que vai interligar Manaus e Boa Vista, como obra de interesse nacional. O empreendimento foi licitado em 2011, mas, por falta de licenciamento relacionado à construção de rede de transmissão de energia em território dos índios Waimiri-Atroari, o projeto não saiu do papel. 

Em ofício enviado ao Ministério da Defesa, Moreira trata da possibilidade de classificar o projeto como de interesse nacional, o que seria uma estratégia para facilitar a licenciamento. “Os direitos dos povos indígenas devem e sempre serão respeitados pelo MME. Porém, também é dever do MME garantir o fornecimento de energia a todos os brasileiros – o que não vem ocorrendo com os moradores de Roraima”, destacou o Ministério de Minas e Energia, em nota no qual admite ter tratado com o Ministério da Defesa a possibilidade de a obra “ser vista” como relevante para política de Defesa Nacional.

O oficio teve resposta imediata das comunidades indígenas. Em carta enviada à Folha e assinada por Parwe Mario, tuxaua da Associação Comunidade Waimiri-Atroari, os indígenas repudiam veementemente a decisão do Ministério das Minas e Energia, que segundo os indígenas quer, de qualquer forma, passar a linha de transmissão que liga Manaus a Boa Vista, pela Terra Indígena, à revelia, sem deixar os índios serem ouvidos, segundo o Protocolo de Consultas.

Eles citam o período de 1967 a 1977, quando houve o enfrentamento do povo indígena com os construtores da BR-174, e, conforme o Relatório da Comissão da Verdade, dos cerca de 3 mil Waimiri-Atroari existentes no início da construção da estrada, restaram menos de 400 pessoas em 1986.

“Isso ainda está muito vivo em nossa memória, pois não hesitaram em usar a força para abrir caminho no processo da construção da rodovia. Este confronto quase nos levou ao extermínio. Mais de 85% de toda a nossa população morreu. Proporcionalmente esta mortandade foi pior que o efeito da bomba atômica em Hiroshima”, alegaram.

Para os Waimiri-Atroari, o ministro das Minas e Energia, Moreira Franco, quer atropelar seus direitos. “Somos o povo Waimiri-Atroari. Resistimos todos estes anos. Mantemos nossa cultura e dignidade. Sabemos que temos direitos constitucionais. Sabemos que é obrigação do Estado Brasileiro perguntar, adequada e respeitosamente, ao nosso povo nossa posição sobre decisões administrativas e legislativas capazes de afetar nossas vidas e nossos direitos. Esse diálogo deve ser amplamente participativo, ter transparência, ser livre de pressões, flexível, e ter efeito vinculante, no sentido de levar o Estado a incorporar o que se dialoga na decisão a ser tomada. Sabemos também que a Consulta Prévia está garantida na Convenção 169/OIT e que é lei no Brasil desde 2004 (Decreto Presidencial n° 5051). Assim repudiamos toda e qualquer iniciativa do Governo Federal em tirar nossos direitos e nos trazer à memória a triste história de extermínio de nosso povo”.

LINHÃO DE TUCURUÍ – O nó de toda a polêmica está no traçado escolhido para a linha. Dos 721 quilômetros da malha, 121 quilômetros passam dentro da Terra Indígena Waimiri-Atroari, uma área de 26 mil quilômetros quadrados, maior que o Estado de Sergipe. Na terra indígena, espalhados em 31 aldeias, vivem 1.600 índios.

O traçado atualmente previsto corre paralelamente à BR-174, que liga Manaus a Boa Vista e que, portanto, já passa pela terra indígena há mais de 30 anos. Um acordo com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) permitiria aproximar mais as torres da estrada. Em vez da distância de 500 metros, como se prevê, a rede seria instalada dentro da “faixa de domínio” do Dnit, a 40 metros do asfalto.