Jessé Souza

Do Mussum a Historia do Brasil 13 02 2015 622

Do Mussum à História do Brasil – Jessé Souza* Certo dia, assisti a uma entrevista do comediante Renato Aragão, o Didi, falando de sua trajetória na TV. Em certo momento, mostrou-se resignado porque, no início de sua carreira, em Os Trapalhões, se podia fazer piada com negros. Esse é um sentimento que borbulha naqueles que não querem aceitar as transformações pelos quais o mundo passa, principalmente no que diz respeito a garantir direitos de pessoas em todos os níveis. Didi fazia os demais Trapalhões de escada. E assim escalou nas costas de Mussum, a quem era lançado o estereótipo de um negro cachaceiro e malandro. E assim ele morreu, pobre como os demais negros que não conseguiram galgar a frágil e alta escada da pirâmide social. Podia-se parecer uma piada inocente sobre “o negão”, “o crioulo” Mussum. Mas não era. Havia algo mais profundo nisso tudo. No Brasil, escondeu-se por cinco séculos a falsa democracia racial, em que piadas consideradas inocentes tão somente corroboravam o comportamento racista da sociedade brasileira: “Branco correndo é atleta, preto correndo é ladrão”. E foi difícil para os negros conseguirem o direito de ser respeitados, ainda que de forma velada, uma vez que os Trapalhões também serviram para escamotear a falsa democracia racial por meio do humor. O humorista Jô Soares também seguiu a linha de fazer do índio uma piada, por meio do personagem “índio Papauaçu”, que na verdade era uma forma de tripudiar com Juruna, o primeiro indígena a conseguir ser eleito no Brasil.  Para os que defendem a falsa democracia racial, não haveria nada demais em fazer piadas com negros e índios por meio de personagens estereotipados, como se fosse “apenas” uma forma de brincar com as etnias. Até os livros de História do Brasil, não faz muito tempo, só colocavam negros índios como “colaboradores” da cultura por meio de comidas típicas e danças. Nada mais que isso, como se estas pessoas não tivessem dado seu sangue, suor e lágrimas para construir esse Brasil. Na semana passada, comentei sobre as mudanças pelas quais o mundo passa, em que tudo está sendo contestado e confrontado. Hoje, não só os humanos têm seus direitos garantidos e ampliados, como também os animais, a ponto de cachorros (e qualquer outro animal) terem legislação que impede os maus-tratos. O mico-leão-dourado, por exemplo, tem árduos defensores. Porém, muitos fazem cara feia contra quem sai em defesas de negros e índios, como se isso fosse uma afronta. O brasileiro é uma pessoa bem humorada, que faz piada de si mesmo, de suas condições econômicas e de sua etnia. Porém, essa brincadeira fica restrita entre grupos (índio pode brincar com índio, negro com negro; ou maranhense pode brincar com maranhense, gaúcho com gaúcho; gordo pode brincar com gordo; pobre com pobre). Mas fazer de piadas racistas e preconceituosas como espetáculo nacional, dando chancela ao racismo e preconceito, aí não há cabimento e deve ser combatido mesmo. *Jornalista [email protected]