Jessé Souza
Da janela ao olho magico 24 02 2015 657
Da janela ao olho mágico – Jessé Souza* Na minha infância, no bairro São Vicente, na zona Sul da Capital, na década de 70, que surgiu como se fosse o local mais distante do Centro de Boa Vista, pude ter os meus primeiros contatos sociais. E me lembro que, assim como qualquer periferia, havia uma pessoa que, por prazer ou por falta do que fazer, dava conta da vida de todo mundo. Era a chamada “fofoqueira do bairro”. Mais de quatro décadas se passaram, a internet surgiu, o homem já pensa em colonizar Marte, as tecnologias passaram a fazer parte efetiva da vida das pessoas, seja por meio das redes sociais e, mais recentemente, dos aplicativos de celular que socializam texto, voz, vídeo e fotos, como o WhatsApp. Porém, apesar de a realidade atual nos permitir inúmeras possibilidades antes jamais imaginadas na vida de uma pessoa comum, parece que estamos retroagindo na forma de se socializar e de buscar uma sociedade melhor. Enquanto o desafio do ser humano é tornar toda a tecnologia acessível em favor de um mundo mais habitável, as redes sociais e o WhatsApp trouxeram de volta os “fofoqueiros”, que deixaram de ser aquela pessoa que vivia na periferia da cidade futricando a vida dos outros a partir da janela de sua casa. Agora, os fofoqueiros estão praticamente on-line, com olho mágico a futricar a vida de todos na cidade ou no Estado. A vida particular e íntima das pessoas, das anônimas às autoridades, se tornou objeto de interesse público, de debate acalorado, de teses de botecos e discussões de grupos. E quando a fofoca se mistura à religião, o “debate” se torna mais desprezível possível, com gente falando em nome de Deus, como se fosse o próprio salvador ou o inquisitor a lançar as pessoas para o fogo do inferno. De compartilhamento a curtidas, a viralização nas redes sociais e aplicativos de celular perdem tempo com inutilidades, mentiras e fofocas, em vez da construção de uma sociedade que busque a cidadania por meio da consciência crítica e do respeito ao próximo. Em alguns casos, estas pessoas que utilizam a tecnologia para o mal são as mesmas que cobram responsabilidade da mídia e dos poderes constituídos, como se cada cidadão com a tecnologia em mãos não fosse também responsável por construir uma vida baseada na ética e na construção da cidadania. O fato é que não iremos construir uma sociedade melhor nos tornando fofoqueiros ou nos rendendo a redes de intrigas pessoais. Podemos fazer muito mais com as tecnologias que a modernidade nos proporciona, a exemplo de exercer nosso papel de monitoramento do poder ou buscando informações que nos engrandeça. Não iremos avançar como cidadãos plenos se a tecnologia for usada como se fôssemos os antigos “fofoqueiros de janela”. O mundo já apresenta coisas terríveis, então não deveríamos torná-lo pior do que já é. *Jornalista [email protected]