Jessé Souza
Igarapes e zumbis 19 03 2015 753
Igarapés e zumbis – Jessé Souza*
Como há uma desinformação sobre nossa realidade, muitas pessoas acham que o Lago dos Americanos, no Parque Anauá, tem como única finalidade embelezar aquele local lazer dos boa-vistenses. Por uma visão privilegiada do então governador Ottomar Pinto (que Deus o tenha), o Parque Anauá foi criado e preservado com toda sua extensão tomada pelo lavrado natural e emoldurado por árvores típicas deste tipo vegetação.
O parque se manteve firme, no que pese todo o abandono governamental. Antes de aquele local ter virado “moda”, eu levava meus filhos para passar o dia por lá, nos finais de semana, para que eles aprendessem a ser criança, assim como eu fazia na minha infância. Naqueles bons tempos, o Lago dos Americanos tinha vida própria e não era confinado pelos calçamentos e as areias lançadas ali para se tornarem uma espécie de praia artificial. O lago era nascente do Igarapé Mirandinha, um dos mananciais importantes que existiam em Boa Vista, potável e bom para banhar (como chamamos por aqui o hábito de tomar banho em rios e igarapés).
Como não houve preservação, a nascente morreu e decretou a agonia do Mirandinha, que foi sepultado em caixotes de concreto chamados pomposamente por nossas autoridades de “canalização”. Enquanto países desenvolvidos gastam fortunas para salvar e recuperar mananciais agredidos pela poluição, aqui, na terra das águas e da floresta, jogam cimento no leito dos igarapés sob a alegação de que está sendo saneado.
Outros lagos menores que existiam aos arredores do Parque Anauá foram soterrados em nome do desenvolvimento. E junto com eles, morreu também a nascente do Igarapé Mecejana, que passava ali onde hoje é o complexo Ayrton Senna, que muitos pensavam que se tratava de uma imensa vala.
Na verdade, o valão que existia ali nada mais era do que leito morto de parte do Igarapé Mecejana, o qual o que restou dele pode ser visto atualmente em forma de esgoto que sai debaixo do Ayrton Senna, ali em frente da Câmara de Vereadores, e segue por entre o Gressb e a Vila Militar, já devidamente “canalizado”. O leito morto do Mecejana se junta ao também falecido Igarapé Tiririca, que vinha do bairro Mecejana, cuja nascente ficava naquela região da Universidade Federal de Roraima (UFRR), mais precisamente do local de festa chamado “Sulivan”.
O Mecejana e o Tiririca formam o Igarapé Caxangá, que obviamente também está morto e se tornou um esgoto a céu aberto que deságua no Rio Branco, na altura do bairro Calungá. Esse é o obituário desses mananciais. E o Lago dos Americanos nada mais é do que o último suspiro do Igarapé Mirandinha.
Saudemos a alma desses mortos e do “zumbi” Mirandinha, que só ainda resiste quase morto porque a poluição ainda não enterrou o Lago dos Americanos. Então, não há festa no Dia Mundial das Águas para estes mananciais.
*Jornalista