Jessé Souza

Duas realidades 03 04 2015 820

Duas realidades – Jessé Souza*
Sempre quando se discute a questão da maioridade penal, as pessoas tendem a ter os Estados Unidos como exemplo, país aonde crianças vão para a prisão perpétua e sofrem todos os rigores quando entram em conflito com a lei. Até mesmo as mais rebeldes são enviadas para instituições habilitadas a dar um “choque de realidade”.
Porém, não se pode comparar a situação do Brasil com a da norte-americana. Além da diferença brutal da cultura, existe um quesito imprescindível para não se fazer qualquer comparação: a realidade sócio-econômica. Os EUA são uma potência econômica, enquanto o Brasil não consegue sequer ficar à frente de índices econômicos e sociais de países africanos à beira da miséria.
Nos Estados Unidos, as famílias têm todas as condições econômicas para garantir aos seus filhos uma educação de qualidade, saúde, lazer e todos os demais requisitos imprescindíveis para que elas se tornem cidadãs norte-americanas integradas à realidade de uma potência mundial. Até o civismo se aprende não só no banco da escola como dentro do lar, com uma bandeira do país hasteada na fachada de sua casa.
Lá, não há desculpa para a família acusar o Estado de omissão, de falta de políticas públicas e garantias para que as crianças sigam o caminho do bem. Aliás, a cultura norte-americana não admite que filhos adultos fiquem sob a proteção dos pais depois que atingem a maioridade. Eles são empurrados para fora de casa para que tenham suas vidas. E quem não segue essa cultura logo é tido como fracassado.
No Brasil, a família começa a ser negligenciada no salário que recebe para manter o seu sustento. E pais que precisam trabalhar sequer conseguem uma creche perto de casa para deixar seus filhos, os quais necessariamente acabam ficando sozinhos em casa, enquanto eles saem para batalhar a comida. 
A educação cai aos pedaços. A escola falha por falta de estrutura mínima. O Estado fica ausente nas condições mais básicas e obriga as famílias a viverem de ajuda governamental. Os pais param de estudar sem terminar o Ensino Fundamental. E os filhos acabam seguindo o mesmo destino.
Na permissividade das falhas da família e do Estado, as crianças ficam vulneráveis desde tenra idade. Não há como escapar dessa realidade. Então, todas as condições favoráveis para a marginalidade social ficam explícitas desde cedo. 
É muito fácil cobrar que adolescentes brasileiros sejam tratados com os rigores das leis norte-americanas. Mas muito difícil para quem defende este argumento perceber que a realidade brasileira empurra as crianças para a permissividade da rua muito cedo, enquanto nos Estados Unidos uma família não tem desculpa para que seus filhos não tenham uma boa educação e uma vida digna. Então, lá o Estado tem autoridade para aplicar os rigores necessários. E que moral o Estado brasileiro tem de mandar alguém para a forca? 
*Jornalista – [email protected]