Jessé Souza

De costas para o Brasil 867

De costas para o Brasil – Jessé Souza* Quem mora em Boa Vista aprendeu desde cedo a viver entre duas fronteiras internacionais, Venezuela, ao Norte, e Guiana, a Leste. Além disso, o Estado de Roraima é ligado umbilicalmente ao Amazonas pela BR-174 sul, rodovia federal que corta todo o Estado até a fronteira norte com a Venezuela. Como crescemos isolados do resto do país, aprendemos a dar as costas para o Brasil, indo fazer compras nos países vizinhos e também em Manaus, a capital amazonense. A propósito, a Guiana de longas datas foi fornecedora de alguns produtos essenciais quando sequer existia a BR-174 para nos interligar ao Amazonas e à Venezuela, como ocorre hoje. O esquecimento pelos governantes brasileiros nos lançou para as fronteiras em busca da gasolina mais barata, de produtos de primeira necessidade ou mesmo eletrônicos e roupas vendidos nos mercados venezuelanos e guianenses. E, como toda fronteira, obviamente surgiram os contrabandistas e toda sorte de crimes comuns em regiões desse tipo. Mas um fato é importante destacar: a integração comercial e cultural entre brasileiros e seus vizinhos fronteiriços. Embora estejamos mais próximos culturalmente da Venezuela pela nossa condição latina, é lá onde sofremos as piores barreiras e agressões, isso muito antes de aquele país passar pela atual crise política e econômica. O comércio venezuelano trata o brasileiro na base do chute, não faz questão de falar o português e não investe na contratação de mão de obra brasileira ou que fale o português para facilitar a comunicação. Embora esteja fazendo parte do Mercosul, as relações das autoridades de lá com o turista brasileiro não é das mais amistosas, com a imposição de uma rigidez de quem não quer facilitar essa aproximação. Quem vai para a Guiana sente uma enorme diferença. Lá o comércio obrigatoriamente fala o português e pouco se vê um vendedor ou comerciante se expressando na língua deles, o inglês. Detalhe: há uma prioridade para se contratar indígenas transnacionais, aqueles que circulam nos dois lados da fronteira e falam o português, o inglês e, de quebra, o Macuxi ou o Wapichana. Os “paranoicos da internacionalização” devem se tremer de indignação ao perceber que a transnacionalidade nunca foi um perigo para a soberania brasileira, como eles apregoavam doentiamente, e sim mais uma alternativa para o desenvolvimento dos dois lados da fronteira, com aproveitamento de mão de obra e integração comercial. Bem que a Venezuela poderia abrir suas portas para esta integração, o que seria bom para os dois lados, pois nós temos possibilidades de oferecer o que eles mais precisam: alimentos; e eles têm o que nós precisamos, turismo e gasolina. A Guiana caminha a passos largos para fazer essa integração avançar, porém, por sua vez, falta visão estratégica dos brasileiros para abraçar esse intercâmbio. E nunca é tarde para perceber isso, já que parece que quanto mais a Venezuela nos chuta, mais o brasileiro quer estar por lá. *Jornalista [email protected]