Jessé Souza

Teia maldita 08 05 2015 962

Teia maldita – Jessé Souza* Quando me entendi por gente, como dizia meu pai, o governador de Roraima era o brigadeiro Ottomar Pinto. Não só presenciei como também ia com minha mãe para a fila do assistencialismo, traduzida em distribuição de presentes em datas comemorativas (Dia dos Pais, Dia das Mães, Dia das Crianças), peixe na Páscoa, buchada e frango (a gente chamava de “galeto”) da Codesaima a cada fim de mês e brinquedos no Natal. Era o início da década de 80. O assistencialismo tornou-se tão forte que até a imprensa, sempre mal remunerada, não resistia: no final da coletiva sobre os produtos da Companhia de Desenvolvimento de Roraima (Codesaima), por exemplo, o governador mandava os repórteres entrar na fila para pegar os produtos expostos (frango, linguiça, buchada, iogurte e queijo). Eu, filho de uma família pobre e numerosa que teve de batalhar a sobrevivência, aprendi a olhar o assistencialismo governamental com outros olhos, passando a enxergar a dependência das pessoas pobres e humildes aos agrados do paizão governo. Mas não foi assim com todos. Muitos sucumbiram nas filas, para as quais íamos como se fosse um evento normal e necessário, se entregando ao veneno em conta-gotas. Por isso é muito difícil mudar toda a cultura de mendicância oficial que se enraizou em Roraima. Nossa geração foi envenenada e poucos conseguiram fugir da teia maldita. Os que conseguiram sabem do que estou falando e hoje lutam, em suas respectivas profissões, contra as mazelas que nos restaram, as quais foram turbinadas pela corrida do ouro que se estabeleceu no final da década de 80 e início da década de 90. Não é fácil tomar consciência da realidade que foi criada pelo assistencialismo e mutilada pelas garras da política construída. Porém, hoje é possível perceber o caminho torto que nos trouxe até aqui, que culminou com o pior governo de todos os tempos. É uma herança maldita deixada por tudo o que foi construído desde a década de 80 e que se revelou com a morte de Ottomar, que nos deixou um vice que empurrou o Estado definitivamente para o buraco. Mas nunca é tarde para tomar consciência política, principalmente os jovens e adolescentes que estão começando a se “perceber gente”. A política do assistencialismo nos tornou um povo vulnerável aos agrados governamentais e tolerantes à corrupção. Tudo de ruim que se instalou no Estado é produto do que nos tornamos. Quem é sobrevivente dessa forma corrupta de se fazer política não pode esmorecer. E quem não conseguiu perceber as armadilhas, saiba que nunca é tarde, basta sentir que não é mais possível continuar da maneira que está. Aos novos de corpo e mente, esse é o momento de exercitar a indignação natural a fim de aguçar o senso crítico. É preciso se preparar para ser um sobrevivente. *Jornalista [email protected]