O parafuso – Valdir Fachini*
De madrugada (não sei que horas eram, também não me preocupei em olhar, porque eu tava só o pó da rabiola) acordei com um negocinho me cutucando a cabeça, apalpei o travesseiro e peguei o pequeno incômodo, acendi a luz e vi que era um parafuso.
Acordei minha mulher e perguntei: “O que esse troço está fazendo aqui?”
E ela na maior tranquilidade falou:“Agora danou-se, você já tinha um parafuso a menos, perdeu outro, agora lascou tudo”. Achei graça rimos que nem dois tontos e voltamos a dormir.
Na outra noite me lembrei do acontecido e me veio na mente a minha infância quando minha mãe falava também desse jeito: “Oh moleque doido, parece que falta um parafuso”.
E acho que faltava mesmo porque eu era encapetado, não fazia nada que prestasse.
Traquinagem, peraltice, lambança, arrelia, eram esses os nomes que ela colocava nas minhas brincadeiras inocentes (pelo menos eu achava que fosse). Dizem que, de bêbado e de criança Deus toma conta, eu acho que é verdade, não que eu já tenha sido um bêbado, mas já fui moleque, perdi a conta das vezes que cai de um telhado, muro, balanço, árvore, bicicleta, cavalo até de cachorro já tropecei no próprio pé e não me lembro de ter machucado feio.
Dona Genoveva queria morrer quando punha roupa no varal e quando ia pegar tinha marca de bola, de mão e a culpa caia sempre no Vardizinho.É claro!Em quem mais poderia ser?
E as incontáveis vidraças quebradas, pneus murchos com palito, cocô na maçaneta e muitas outras arterações.
Mas apesar de me faltar algumas peças na cachola, todos gostavam de mim, pois no fundo eu era um bom menino, era até prestativo, gostava de fazer alguns pequenos favores, somente a troco de um obrigado o que me deixava muito orgulhoso da minha boa ação.
O tempo passou, eu cresci, hoje sou pai, meus filhos já são adultos e nas suas infâncias não fizeram nem um décimo das artes que eu fiz.
Às vezes fico me perguntando onde estão meus amigos de bagunça, será que eles ainda se lembram daquele tempo? E o pé de manga rosa do seu Nerso, será que foi cortado pramoleque nenhum roubar mais manga? E a dona Veva? Se ainda estiver viva deve de estar bem velhinha com um montão de bisnetos.
São muitas perguntas, como está aquilo? E aquilo outro que fim levou? Mas a pergunta mais importante e sem resposta é:Quem colocou esse parafuso aqui?
*Escritor – [email protected]—————————————
O cinismo acachapante num país destroçado – Tom Zé Albuquerque* O que tem acontecido com o Brasil? Quais os motivos que nos levaram ao estágio de perversão no qual mergulhamos? A indecência no poder tomou contornos inimagináveis, e quanto mais de busca explicações sobre as marotagens políticas, mais a mordacidade aumenta; ou melhor, se agiganta.
Eu cresci fincado em ensinamentos rígidos por parte de meus pais, com predominância de respeito às pessoas, obediência às normas, preservação daquilo que é alheio. Sempre procurei agir com reverência aos mais velhos, deferência à autoridade, cortesia com pessoas menos instruídas. O tempo passou e a minha percepção de que estava certo em manter essa postura tem sofrido abalos. Estudei todo meu ensino fundamental em escola de sistema metódico, de métodos e exigências severas; aprendi a amar meu País, exaltar o pavilhão nacional; estudei e aprendi muito sobre Organização Social e Política Brasileira, além de módulos sobre Moral e Cívica, conteúdos mais tarde banidos das matrizes curriculares por, absurdamente, os pseudo-intelectuais atrelarem seu arcabouço teórico à ditadura.
Hoje, boa parte da sociedade brasileira está afundada numa inversão de valores sem precedentes. O cinismo e o desplante de políticos brasileiros ganharam contornos macabros. Manobras ordinárias são comuns; adulterações de dados e informações são regras; se apropriar da coisa pública está normal. A arrogância, o desvario, a tirania predominam no partido que governa o País. Quando uma chefe de Estado questiona a legalidade ou não dos meios para se descobrir falcatruas que desmoralizam uma nação, nada mais há de se fazer. Eu não estou conseguindo lidar com tamanha insensatez, com excessivas contradições. Como posso explicar para o meu filho de nove anos de idade o que está acontecendo no Brasil?
O despotismo é a principal arma do governo federal, alimentada pela permissividade avalizada pela alienação ou pelo jogo de interesses, acarretando num modelo deturpado de gerir, pela burla, pelo falseamento, camuflando sempre os interesses mais nefastos possíveis. De que teria eu em me orgulhar de meu País? É um questionamento bem pertinente, que lateja diuturnamente em mim. Viver num ambiente de crescente trapaça, patifaria e canalhice em nada me faz bem. Preciso viver num País onde a impunidade não se configure como direito adquirido; um lugar onde as leis sequer precisem ser rígidas, mas se forem, que sejam cumpridas.
Invalidar provas contundentes sob o ababacado argumento que os direitos fundamentais não foram respeitados soa como insânia, uma vez que direitos fundamentais são destoantes para o modelo petista de gerir. Nesse diapasão, o Ministro João Noronha, do STJ, em seu recente discurso abordou: “É estarrecedora ironia, o cinismo dos que cometem o delito e querem se esconder atrás de falsa alegada violação de direitos. Não se nega os fatos e porque não têm como negar o que está gravado (…) Moro não é famoso porque está na imprensa, mas porque julgou uma causa que tinha como partes autoridades brasileiras (…) Nenhum sigilo que se estabelece no processo é em benefício do réu, e sim da ordem pública, da investigação”.
Nesse mesmo prumo, cabe-nos questionar… E se fosse extinto o foro privilegiado? E se a corrupção passasse a ser crime hediondo? E se a reforma política fosse aprovada? E se fosse adotada como remuneração o salário mínimo para exercício de cargo político? E se houvesse redução brutal no número de vereadores, deputados (estaduais e federais) e senadores? Sei, isso é uma utopia, sobretudo porque a injustiça está enraizada na cultura de salafrários, na qual enganar é regra. Os homens públicos saem de nosso meio, e é aí que o problema começa. Precisamos de mais Moros, urgentemente.
Valho-me a compartilhar da lúcida exegese do jurista do século, Rui Barbosa: “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra; de tanto ver crescer a injustiça; de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.” Detalhe, nosso brilhante Orador morreu há quase um século. *Administrador————————————-
Os filhos – Afonso Rodrigues de Oliveira*
“Vossos filhos não são vossos filhos. São filhos e filhas da ânsia da vida por si mesma. Eles vêm através de vós, mas não de vós. Embora vivam convosco, não vos pertencem”. (Gibran Khalil Gibran)
Um pensamento profundo do Gibran, citado no início do século passado, no seu livro “O Profeta”. Já vi muita gente fazer bico diante desse pensamento. Mas não faça. Ao contrário, reflita e veja o quanto amadureceríamos se lhe déssemos atenção. Por incrível que nos pareça, ainda criamos nossos filhos como nossos pais nos criaram. E o mundo gira. E não estamos mais girando no carrossel do passado. Já aprendemos que o tempo não passa, ele está nos levando no carrossel do tempo. A ingenuidade é que nos faz crianças permanentes no tempo. Ainda vemos como filosofia vã, o pensamento que nos leva à racionalidade. Ainda não aprendemos a pensar.
Ainda pensamos como nos ensinaram a pensar. Ainda não nos libertamos do círculo do elefante de circo. E isso não é malcriação nem desaforo.
Você que viveu os anos de antes do celular, por exemplo, pode imaginar como se sente e pensa, uma criança que brinca com um celular? É uma análise simples, mas profunda. Mas é apenas o início da caminhada. Todos nós, em todas as épocas, necessitamos e não tivemos liberdade. Sobretudo a liberdade de pensamentos. E não há como evitar essa liberdade hoje. E como agimos de acordo com nossos pensamentos, devemos ser educados para que pensemos no melhor. Mas não nos esquecendo de que só cada um de nós é capaz de pensar no que é melhor para si mesmo. E é precisamente por isso que devemos aprender a ensinar.
É notável a quantidade dos que ainda não perceberam que há uma diferença incomensurável entre educar e ensinar. Até nosso Ministério da Educação ainda não percebeu isso. Continua ensinando pensando que está educando. Não é à toa que temos tantos cultos mal-educados. E se são mal-educados é porque foram mal educados. E não pense que esse papo é ranzinzice. Ele só demonstra minha preocupação com as dificuldades que ainda estamos encontrando em educar nossos filhos. Ainda confundimos educação com ensino, e liberdade com libertinagem. É difícil pra dedéu. Não fomos preparados nem mesmo os que nasceram juntos com o celular.
Qual o futuro que você deseja e tenta construir para seu filho, ou mesmo para sua filha? Já se deu o trabalho de analisar e considerar a personalidade de cada um? Ou vai continuar tentando dirigi-los em vez de orientá-los naquilo que cada um realmente quer para si? Converse com seus filhos, mas sem a cara de dirigente. Apenas como um orientador e amigo. Pense nisso.
*Articulista – [email protected] – 99121-1460—————————————–
ESPAÇO DO LEITOR
ACUMULADO 1Um leitor, que pediu anonimato, denunciou a situação de um conselheiro tutelar que atua no Conselho Tutelar 1 (Centro de Boa Vista). “Deixo ciente que esse caso foi passado ao CMDCA [Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Boa Vista] e nada foi feito. Um dos conselheiros tutelares acumula a função de professor na rede estadual de ensino, onde tem dois contratos de matrícula”, disse.
ACUMULADO 2“Como é de conhecimento, um conselheiro tutelar tem que ter dedicação exclusiva para o Conselho, como determina o art. 38 do Eca. A função de membro do Conselho Tutelar exige dedicação exclusiva, sendo vedado o exercício concomitante de qualquer outra atividade pública ou privada”, explicou.
ACUMULADO 3O denunciante continuou: “Diante dos fatos narrados e com a total prevaricação do CMDCA, venho, como cidadão, solicitar a apuração dos fatos. Até dano ao Erário público estadual e municipal deve ocorrer, pois no horário de aula ele está no Conselho e no horário do Conselho, está no colégio. Peço providências”.
CONTATOGerou comoção a história do gaúcho Gilberto Scarello, publicada na edição de 18 de março. A redação da Folha recebeu inúmeros telefonemas pedindo o contato do morador de rua. A leitora Najla Maurmann ([email protected]) disse ter encontrado a família do gaúcho. “Preciso, com urgência, de algum telefone de contato para saber a localização do senhor Gilberto Scarello. Consegui contato com um familiar dele, que quer sua localização”, disse. A equipe de reportagem conheceu por acaso a história de Scarello e infelizmente não tem a localização dele.