Uma tirada política – Afonso Rodrigues de Oliveira*“Mantenha seus amigos por perto. E seus inimigos mais perto ainda”. (Dom Corleone)É bem verdade que o Corleone não é bem um exemplo de vida. Mas, também depende de como o vemos. Pelo menos nessa fala citada aí em cima, ele nos dá uma demonstração política. Detalhe que os bons políticos conhecem. Eles sabem que os competentes não competem, fazem o que têm que fazer e vencem. O político preparado não tem inimigo. Assim como o jogador de futebol, ele tem adversário e não inimigo.
As mulheres, no futebol feminino, estão dando essa lição. Tomara que os masculinos notem.
Na política é muito importante a importância que se dá ao adversário. Mesmo porque um dia pode ser que estejamos juntos na mesma arena. Logo, por que disputar? Durante toda a década de cinquenta vivi e observei esse detalhe no comportamento do Jânio Quadros em relação ao Adhemar de Barros. Chegava a ser ridículo. Em vários fins de semanas assisti a discussões desequilibradas, do Jânio, em churrascos na residência do Vereador Tarcílio Bernardo. Foi naquele domingo que o Deputado tocou no meu ombro e falou: “São briguinhas comadrescas, Afonso”. E era o que era.
E é o que é nas discussões comadrescas, as que assistimos todos os dias, vindas de políticos que ainda não amadureceram politicamente. Ainda não aprenderam o que o Corleone sabia e usava no seu meio criminoso, mas político. Ainda não aprendemos a diferenciar e separar a familiaridade da convivência indevida. Você não precisa jogar seu adversário na lixeira do desdém. Basta evitar a familiaridade com ele, mas respeitando-o como adversário. Mesmo porque o valor da nossa vitória está no valor do nosso adversário. Uma coisa é você ganhar, jogando com um time de categoria, outra é ganhar de um time de várzea; embora isso não desclassifique a vitória.
Você já percebeu que estou provocando-o para um jogo? É que acordei tiririca da vida com a vida. E fui castigado logo cedo. E não vou te contar das caminhadas que dei antes do almoço, para não cansar você. Aí, sentei-me aqui para conversar com você e vi essa frase do Corleone. E confesso, não sei por que associei a frase à política. Mas a associação é válida. Estamos nos aproximando de eleições e estou preocupado com o que estou vendo. Mas vou confiar em você. Espero que esteja aprendendo com os desacertos que estamos vivendo. Que não se esqueça de que os responsáveis por todos os absurdos políticos a que estamos assistindo somos nós mesmos. Nós, eleitores. Somos nós que estamos elegendo verdadeiros Corleones como nossos representantes. Vamos assumir a responsabilidade. Pense nisso.*[email protected] ——————————————Aprendizagem independente é essencial – Ronaldo Mota* Nos processos educacionais, educandos e educadores investem esforços e talentos visando à aprendizagem, que seria resultante do sucesso das estratégias e metodologias utilizadas. Como processo complexo, qualquer tentativa de simplificação está sujeita a erros graves. Assim, procurar destacar os elementos e as abordagens mais relevantes deveria ser tarefa de qualquer educador interessado em melhorar o desempenho dos estudantes em relação a cada evento educacional específico.
Elementos culturais gerais da sociedade sempre estarão presentes como ingredientes fundamentais. O ambiente doméstico e os hábitos e costumes praticados no dia a dia interferem nas práticas e nos resultados educacionais, portanto, seria recomendável tê-los considerados quando da seleção das abordagens e das pedagogias adotadas. Uma nação, uma região ou um grupo social específico têm marcas registradas decorrentes de suas histórias anteriores que estabelecem com o processo educacional uma relação de desejáveis e inevitáveis interferências multilaterais.
Nossa carga cultural traz marcas bem descritas em obras consolidadas, entre elas destaco Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freire. Neste e em outros estudos, são enfatizadas, de um lado, uma elite acostumada às benesses e aos privilégios, que justificam e estimulam o paternalismo e a acomodação, e, de outro, os demais submetidos à exclusão e à opressão, que desfavorecem a emancipação e as iniciativas empreendedoras. A tradição histórica que se reflete nas relações, seja nas ruas ou no trabalho, infelizmente também repercute nas salas de aula, via pedagogias que prioritariamente estimulam a aprendizagem marcadamente dependente.
Portanto, no processo educacional, adicionalmente aos conteúdos a serem abordados, em complemento às técnicas e procedimentos que um futuro profissional ou cidadão devem dominar, há outros elementos, tão ou mais relevantes, que demandam estar presentes. Entre eles, a aprendizagem independente é essencial e não exclui o professor; ao contrário, o inclui via adoção de metodologias que estimulem processos emancipatórios na aprendizagem. Especialmente no caso brasileiro, não basta ter aprendido o conteúdo; é imprescindível que no processo a ênfase na autonomia de aprendizagem ao longo da vida tenha sido enaltecida e priorizada, assim como é importante que níveis superiores de emancipação dos educandos tenham sido atingidos.
A notícia positiva é que o mundo das tecnologias digitais favorece a missão de estimular processos emancipatórios e mantém grande coerência com as metodologias ativas que se baseiam em aprendizagem independente, mediadas tanto pelo educador como pelos ambientes virtuais. Por meio de interfaces educacionais inteligentes, dos recursos e ferramentas atualmente disponíveis, é plenamente possível traçar trajetórias educacionais personalizadas que levam em conta cada indivíduo, bem como fortalecer aspectos culturais e demais especificidades locais e regionais.
Temos a oportunidade inédita de conjugar escala e qualidade, contrariando as práticas anteriores, caracterizadas por qualidade para poucos ou má qualidade sempre que estendida aos demais. Contemporaneamente, ao contrário, podemos afirmar que só haverá qualidade se tivermos variadas referências para acesso, fruto da prática de adotarmos tecnologias e metodologias que sejam aplicáveis para muitos. Hoje, seja na educação, na saúde ou em demais setores, inovar no Brasil é ousar propiciar qualidade para todos.*Reitor da Universidade Estácio de Sá e coautor, em conjunto com David Scott, do livro “Educando para Inovação e Aprendizagem Independente”, Editora Elsevier.———————————————-Virtudes morais: transgressões e rupturas (III) – Sebastião Pereira do Nascimento*De modo quase imperceptível, contemporaneamente as virtudes morais têm sido cada vez mais esquecidas, sendo este fator a origem de diversas transgressões ocorrentes na nossa sociedade. Contudo, para o ressurgimento das virtudes morais é preciso refletir sobre elas e solidificar o seu sentido original, que é o da razão e o da valorização do ser humano. Na cadência dessa dicotomia o que nos faz atentar para essa solidificação é a prática constante de boas atitudes que nos leva a uma justa-medida de acordo com o nosso juízo moral.
Em Ética à Nicômaco, Aristóteles diz que está na natureza das coisas a possibilidade de as virtudes morais serem destruídas pela carência ou pelo excesso e cabe à mediania preservar essas virtudes e também diferenciá-las das virtudes naturais. Assim, pode-se notar que a ideia de justa-medida preconiza que qualquer virtude é destruída pelos extremos. Sabendo que a virtude moral é o equilíbrio entre o excesso e a apatia; fica, portanto,evidente que ela busca pela harmonia, a qual é dada pela razão entre as emoções extremas.
Para Aristóteles, a mediania é propagada como a regra do agir moral ficando ligada tanto às emoções como às paixões, e sempre tencionando ficar na posição de meio – aquele que nem excede e nem falta. Em termos de quididade a mediania tem a mesma distância de cada um dos extremos, e é determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de sabedoria prática. Assim, essa busca pela essência da virtude, por sua definição, é apresentada como mediania ou justa-medida, a qual sintetiza na única maneira correta de o ser humano consolidar o bem.
Assim, o bom hábito moral assegura a mediania, o que para Aristóteles, solidifica o caráter que tem relação com a escolha das atitudes. Ela escolhe os justos meios de decidir algo sem a interfase da dúvida, assegurando o domínio da vontade sobre os instintos e mantendo os desejos nos limites da honestidade. Além disso, a mediania tornar firme a decisão de resistir às tentações e de superar os obstáculos em prol da sua dignidade levando a respeitar os direitos de cada qual e estabelecer a harmonia que promove a equidade em relação às pessoas e ao bem comum.
Fazendo um paralelo com essas definições, a mediania é o que se pode esperar de um indivíduo quando ele age com virtudes – qualquer que seja das virtudes morais – no sentido de fazer o bem. Pois, de maneira desejável, o homem virtuoso se manifesta, sem carência e sem excesso, e torna real a decisão de resistir às tentações que podem ferir o próximo ou a si mesmo.
Pragmaticamente, quando uma pessoa resiste ao apelo exagerado do modismo, do consumismo, da vaidade ou quando ela se isenta de querer levar vantagens sobre outrem, ou quando ela não pratica nenhum modo de corrupção, esta pessoa está tendendo à mediania, a qual é expressa pelas virtudes morais e manifestada pela excelência da alma.
No caso das transgressões, na medida em que nossos desejos e limites não sejam determinados pelas virtudes morais, todas as distorções sociais podem impor sua vontade, sobretudo devido ao doutrinamento das massas que de forma entorpecidas exploram a fundo essas tendências nocivas que são capazes de lhes dar grandes prazeres e ao mesmo tempo intensificar, como diz Renato Bittencourt, a despersonalização do sujeito diluída em um ritmo de vida alienante e degradante, onde o “bem” dos deslizes se encaixa num fortalecimento artificial da existência, fazendo com que os hábitos constantes das transgressões se excedem em vícios.
Diante desse quadro de degradação social é imprescindível que a sociedade contemporânea invista na reconstrução de seus valores morais e sociais, como formas de prever as rupturas das transgressões, fazendo com que rebrotem continuadamente seus valores essenciais, e ao mesmo tempo possa deteriorar esses vícios que maculam a conduta moral (e as convenções) da sociedade de bem.
Por outro lado, embora esses vícios sejam de difícil remoção, principalmente pelo fato de muitos já estejam incorporados às forças que afligem o meio social, é possível deteriorar essas violações morais a partir das práticas constantes de boas virtudes.
Como impulso para provocar essas rupturas, entendo que as virtudes aristotélicas, compreendidas pela prudência, temperança, fortaleza e justiça, são as disposições primordiais para tal fim, uma vez que na visão do filósofo grego as práticas de más condutas estão essencialmente dependentes dessas virtudes morais e, mais ainda, é uma espécie de síntese das virtudes morais que tratarão de programar as rupturas diante do caos das transgressões, na medida em que a mediania (justo meio) prevaleça e desfaça os excessos e as faltas. Pois, Aristóteles dizia que somente o verdadeiro saber permitirá aos homens construírem uma sociedade mais justa e mais perfeita. *Filó[email protected]