Gullarizados – Walber Aguiar*Com a minha incerteza vos ilumino GullarCinco de dezembro de 2016. ele se debruçou na janela com o último olhar de um condenado. Observou o pássaro sob suas fatigadas retinas e adormeceu. Sonhou que a vida era infinita e que, todos, de mão dadas, formavam um imenso muro de margaridas. Também que havia uma árvore no meio da avenida que produzia versos, que atraía os olhares mais sensibilizados. Daí tudo passou, mas ele ficou.Também, em seu exercício quimérico, viu que a morte circundava, mas que não conseguia atrair a atenção de quase ninguém. Que era um mal irremediável, mas que não tinha brilho nem encanto. O poeta viu que seus bens mais preciosos estavam sendo levados por ele mesmo, no momento em que foi obrigado a se despedir. Gullar, deitado em sua cama de versos, cantou a vida, a flor, o amor, o violão, os passarinhos, a concretude, e toda a gama de coisas tangíveis, mensuráveis, observáveis. Até porque não se afeiçoava ao etéreo, feérico, abstrato; à musa de algodão, ao açúcar refinado sobre a mesa, surgido como que do nada. Não lhe apetecia apenas o imaginário das coisas, mas as coisas em si. a fruta, o vaso de flores, a rua, o sapato, os pés, o corpo, as articulações, o gosto e o perfume da vida.Gullar foi concretista, neo concretista, e afirmava que só escrevia poemas quando era acometido pelo espanto. Não era de produzir poesia feito massa de pastel, em que se fazendo a primeira, molda-se a todas pela incial. Não. Ele dizia que mais plantava, que cantava; isso porque, não escorria de sua boca o poema do invisível, da fantasia, da virtualidade. Preferia ater-se ao poema sujo, onde cantava os cantos secos e ensebados e encardidos do tempo em que viveu em São Luiz do Maranhão, sua terra.Ora, Gullar experimentou o banimento, o exílio, por tecer críticas ao sistema durante a ditadura militar.Até porque, um poeta que canta apenas o amor e seus derivados, pode esquecer de cantar a necessidade e a dor dos seus iguais; embora entenda que o amor esteja presente em todas as manifestações do existir. Dessa forma, o velho poeta maranhense, que escolheu o Rio de Janeiro para morar, fez da poesia um elemento de resistência, à semelhança de Paulo Colina, o poeta negro. O poeta mexia com o verso, com os quadrinhos, a dramaturgia, a crônica, as artes plásticas e tudo aquilo que se convertia em arte, em estética, como encanto para os olhos, a alma, como elemento redentivo.Era um artista completo. Um ser humano que nos iluminava com suas incertezas, que ia pra feira com uma sacola cheia de grandeza e simplicidade, a ponto de ser aclamado pelo povo que por ele passava. Um homem simples do povo, que, à semelhança de Manoel de Barros, o poeta dos passarinhos, também cantava com todo entusiasmo e encanto o fascínio e a graça da natureza. Ao final da vida, já curvado ante o peso dos anos, o velho bardo pediu para ser levado ao mar. Queria mergulhar, sentir pela última vez o toque sutil do coeano. A filha disse: pai, há um lugar melhor que o mar. O velho poeta disse: então, eu quero ir pra lá. Pouco tempo depois adentrou os poéticos e misteriosos portões da eternidade… Adeus, poeta, um dia nos encontraremos nos eternos saraus do infinito…
*Poeta, advogado, professor de filosofia, historiador, Conselheiro de Cutura e membro da Academia Roraimense de Letras [email protected] ———————————Colhemos o que plantamos – Marlene de Andrade*Ouça, meu filho, a instrução de seu pai e não despreze o ensino de sua mãe. (Provérbios 1:8)Há pessoas que são contra a diminuição da maioridade penal e ainda afirmam que o problema do Brasil é a educação que é precária. Dizem também que faltam escolas e que não há necessidade de aumentar o número de prisões. Que o ensino na rede pública é péssimo é mesmo verdade, mas todos nós devemos entender que nossas crianças não necessitam só de didática e de conteúdos programáticos oriundos dos ensinos escolares e sim dos pais que os ensinem os princípios da moral e dos bons costumes e acima de tudo que os ensinem amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Ocorre que, infelizmente e na maioria das vezes, os pais tentam terceirizar essa tarefa tão importante de educar, aos professores da escola. Que equívoco! Sendo assim, cadê os pais nessa história cotidiana onde vemos adolescentes assassinando, estuprando, roubando e furtando? Cadê esses pais omissos que não estão educando seus filhos?A criança é uma pedra bruta que precisa ser talhada aos poucos e com muita paciência pelos pais, mas se lhes faltam a habilidade de escultores, lógico que a criança vai se perder, literalmente, pelas ruas e vielas da vida.Não adianta ministrar só academicismo, didática, teorias e assuntos abstratos às crianças e aos adolescentes, pois esses valores não trabalham a questão da moral e dos bons costumes. O que os filhos precisam é estar inseridos dentro de uma família funcional e temente a Deus. Há pessoas que nem nunca foram à escola e no entanto se tornaram pessoas de bem devido a educação que receberam em casa. Além do mais, se a família está desorganizada e destruída, claro e evidente que o governo tem que construir cadeias sim, pois pessoas inocentes não podem sofrer dano algum devido aos erros de pais negligentes que em vez de estarem criando pessoas, estão criando monstros.Será que é justo uma pessoa ser barbaramente esfaqueada para ser roubada e vir ao óbito e tal fato ficar impune? Mas vejam bem, não falo de depósitos humanos, defendo a ideia de um sistema prisional humanizado e restaurador de vidas humanas.Seja menor ou maior deve pagar pelos seus crimes sim. Que negócio é esse de querer responsabilizar o Estado pelas iniquidades dos filhos? O Estado não tem obrigação de educar filhos de ninguém. Sendo assim, a educação de nossos filhos e/ou netos nada tem a ver com escola e isso deve ficar muito claro para todos nós. Cabe aos pais instruir os filhos e ser os discipuladores dos mesmos, pois em primeiríssimo lugar, essa deve ser tarefa deles e não dos professores da escola.*Especialista em Medicina do Trabalho/ANAMThttps://www.facebook.com/marlene.de.andrade47——————————–
Demorou, mas consegui – Afonso Rodrigues de Oliveira*“Vocês riem de mim por eu ser diferente, e eu rio de vocês por serem todos iguais”. (Bob Marley)Há os que me chamam de mentiroso por eu contar causos que só acontecem comigo. Mas o que é que eu posso fazer, se eles acontecem? Todo homem quando casa começa a engordar. Logo depois do meu casamento eu perdi quinhentos gramas. Levei uma década inteira tentando recuperar os gramas perdidos. Não consegui. Até que um dia ali na Praça Clóvis Beviláqua, em São Paulo, descobri um complô formado contra meu peso. Eram as balanças. Descobri isso depois de décadas de batalha para a recuperação. Aí começou meu tormento, até que decidi um entendimento com as balanças: elas rirem de mim e eu ficar na minha. Doce ilusão. Porque sempre que eu passava por uma balança de farmácia, ela sorria ou fazia careta pra mim. Já aqui em Boa Vista, tentei me afastar das balanças. Percebi que elas não são diferentes das de Sampa. Ficam sempre debochando de mim, quando passo por elas. Quando vou ao um centro de Saúde e me obrigam a subir numa balança, fecho os olhos pra não ver a cara dela. Em todas essas décadas, a luta tem sido uma tortura, por conta do desprezo das balanças. Dia desses, eu estava conversando com o Dr. Getúlio Cruz e de repente ele falou: – Não, cara… Você engordou. Arregalei os olhos e ele confirmou: – Engordou, sim. Você tá bem mais forte.Apressei a saída e corri para a farmácia, ali na vizinhança da Folha. Quando entrei corri para a balança e acreditem, ela me olhava, com um sorriso maroto. Tirei tudo que tinha nos bolsos: uma moeda, uma nota de supermercado e o celular que não pesa mais de dez gramas. Subi na balança e me assustei. Pensei que ela estivesse brincando comigo. E quase me assustei quando ouvi um barulhinho quase imperceptível: tec-tec-tec. Mesmo assustado, percebi que era o riso da balança. Ela tirava sarro com minha cara. Olhei firme para o indicador da balança e me assustei. O Dr. Getúlio tinha razão. Eu ganhara um quilo e quinhentos gramas. Saí da farmácia aos pulos. Não sei se alguém ouviu, mas acho que gritei para o pessoal na rua: Estou pesando cinquenta e um quilos! Cheguei a casa, entrei, parei no meio da sala, enchi e empinei o peito. Fiquei parado e a dona Salete olhou pra mim, franziu a testa e falou debochada: – Eu, hen? Tá assustado? Viu fantasma pela rua? Abri os braços e não obtive resultado no meu espanto. Nem tive coragem de falar pra ela o que eu acabara de descobrir. Corri para o banheiro e fiquei me mirando diante do espelho. Só que não vi nada. Até as camisas continuam folgadas e compridas. Pense nisso.*[email protected]