A realidade humana manifestada na arte – Sebastião Pereira do Nascimento*De acordo com o psicanalista Viktor Frankl, o homem, por força da dimensão existencial, pode encontrar sentido em cada situação da vida e dar uma resposta adequada a sua questão, quando ele se declina para algo que supostamente pode lhe trazer contentamento, mesmo que seja algo irreal.Um exemplo disso, podemos observar no filme “A rosa púrpura do Cairo”, uma comédia hollywoodiana, que retrata através da metalinguagem (que genericamente significa uma história que se passa dentro da outra) a influência do cinema sobre a sociedade do século XIX. O filme aponta como principal abordagem o cotidiano atribulado de um casal, Cecília (Mia Farrow) e Monk (Danny Aiello), onde a partir da realidade o filme tenta mostrar as atitudes violentas contra as mulheres, preconizadas pelo machismo, traição epelas humilhações sofridas pelo gênero feminino. Cecília, uma mulher trabalhadora, depois de sofrer opressão do patrão e ser despedida do emprego, tenta fugir de sua triste realidade frequentando diariamente ao cinema, o que seria sua única diversão e uma forma de amenizar as constantes agressões físicas e psicológicas sofridas pelo marido violento e perdulário. O roteiro do filme faz menções ainda a uma realidade que permite observarmos o quanto os meios de comunicações de massa (aqui no caso do cinema) pode nos levar a mudanças de atitudes ou mesmo projetar em nós inquietudes que nos levam à satisfação de saciar um gosto, possuir alguma coisa ou ser algo irreal. De maneira geral, essas motivações podem instigar as pessoas a viverem numa espécie de mundo de fantasias, onde toda sua vida resume-se num vazio intenso. No contexto do filme, numa das sucessivas vezes em que Cecília assiste ao filme que seria na sua realidade o mesmo “A rosa púrpura do Cairo”, em certo momento ela presencia algo mágico quando inesperadamente o protagonista do filme, Tom Baxter (Jeff Daniels), literalmente sai da tela do cinema para buscar viver uma história “real” ao lado de Cecília, a espectadora. Logo, então ela se entrega ao mundo de fantasia criado pelo personagem Tom Baxter. Para Cecília, tudo aquilo era uma maneira de fugir da realidade, levada pela ilusão de se sentir feliz, de ser amada e ser beijada por um homem (embora fosse uma paixão intempestiva), já que seu marido não partilhava desses verdadeiros sentimentos de amor.Diante da situação em que Tom Baxter se manifesta em aprofundar a relação amorosa com Cecília, os diretores do filme, em Hollywood, se mostram preocupados com o personagem, e tentam impedir que ele se manifeste igualmente em outras salas de cinema. Então, Gil Shepherd, o verdadeiro ator que interpreta esse personagem (vivido também por Jeff Daniels), surge na história para fazer Cecília desistir dessa paixão. Logo, com argumentos sensatos ele consegue fazer com que ela desista da paixão inesperada e fantasiosa. Com essas argumentações, o referido filme dar exemplo de como o indivíduo pode fugir da sua realidade e viver um sonho “feliz”, muitas vezes influenciado pelo meio em que vive, acreditando intensamente nas “realidades” utópicas exteriorizadas pelas aparências, exatamente como apregoa o filósofo Roger Scruton quando diz que a arte serve de remédio para os problemas existenciais da sociedade, onde de maneira abstrata leva o indivíduo a escapar da infelicidade cotidiana, aproveitando o acalento da arte como um bálsamo para sua existencialidade.Ao mesmo tempo em que o filme encanta com suas virtudes, também mostra na singularidade dos personagens as intermitentes fraquezas humanas, principalmente no cotidiano de Cecília e de seu marido Monk. Isso se evidencia na relação de ambos, quando Cecília, interioriza, em vez de repelir as suas frustrações, suas desilusões amorosas, além de outras inquietações vividas no seu dia-a-dia. No caso de Monk (personagem temperamental), as fraquezas incidem na medida em que ele se declina para o lado humano mais ignóbil e repugnante, onde, pelas orientações filosóficas, essas más índoles só se manifestam na medida em que o sujeito se deixa fragilizar como ser humano.Outra evidência de fraqueza humana observada no filme está no personagem Tom Baxter, a partir do momento que em ele inesperadamente sai da tela de projeção para se oferecer apaixonadamente à Cecília. Ali, ele atordoado com a possibilidade de viver outra “vida” fora da tela é obrigado a externar por diversas vezes as fraquezas de seu personagem.
Após o apagar das luzes, para Cecília, voltar ao cinema é o mesmo que retornar ao seu ponto de escape da realidade, é reviver seus efêmeros momentos felizes de fantasia. Assim, é lá, no cinema, o único local em que ela pode encontrar a felicidade em contraponto à dureza do seu cotidiano. É, portanto, na ficção, que ela busca o conforto existencial que não encontra no seu monótono mundo real.
*Filósofo – [email protected]—————————————–A arte da política – Afonso Rodrigues de Oliveira*“Governar é, primeiro que tudo, saber o que se quer, a razão por que se quer, as consequências do que se quer”. (Rui Barbosa)Ainda não sabemos o que queremos. Ainda não nos conhecemos a nós mesmo. Vivemos num mundo de fantasias. O que não é nada mau, porque adoramos fantasiar. Ainda não conhecemos nossa verdadeira origem. Não sei por que apelidaram o desenvolvimento de educação. Mas tudo bem, o importante é que nos eduquemos e eduquemos. E nunca teremos uma educação à altura de um ser de origem racional, enquanto não tivermos uma educação racional. E vamos começar por não confundir a racionalidade com religião. Porque temos uma tendência enorme em confundir isso, e partir para o lado oposto da racionalidade. Tá confuso? Então vamos peneirar.
Somos todos de origem racional. Viemos todos do mesmo universo. Chegamos e ficamos aqui porque quisemos vir, chegar e ficar. Racionalmente dentro da política do livre arbítrio. Mas fomos atingidos pela desordem da deformação, consequência do aperfeiçoamento material do planeta; numa caminhada eterna para o progresso a regresso. Que é o que ainda estamos vivendo, há vinte e uma eternidades. O que torna a vida cíclica, num eterno ir e vir. E ainda não aprendemos que nosso progresso amanhã vai depender do nosso progresso racional, hoje. Simples pra dedéu.
Mas vamos sair desse mastigar cansativo. E tudo isso para lhe dizer o quanto ando decepcionado com o andamento do nosso desenvolvimento, dentro da política; que na verdade, não desenvolve. Pode haver coisa mais ridícula do que o que aconteceu recentemente nas mortes e fugas dos presídios? Há, sim. As justificativas das autoridades. Será que necessitaríamos, se fossemos educados e civilizados, que os países estrangeiros dissessem que nossos presídios são um lixo? Todos nós sabemos disso. Só fingimos não saber. O que ratifica nossa ignorância política.
Não há nada a justificar quando sabemos que tudo que acontece em desordem dentro do poder público é o retrato da incompetência do administrador público. Mas fica mais complicado quando nos conscientizamos de que nós, cidadãos, somos os responsáveis pelos maus administradores. O que nos leva à verdade que o que nos falta é educação. E por falta dela é que ainda não sabemos que a política faz parte da educação. E quem está interessado em nos educar politicamente? Acho que nem nós mesmos. Mas não se apoquente. O mundo todo está vivendo esse drama homérico. O que indica que somos todos iguais nas diferenças. O que nos indica que devemos fazer nossa parte na nossa educação, educando-nos politicamente. Pense nisso.