Por que durante milênios a memória reinou sobre a informação? – Julio Cesar Souza Santos* Antes do livro impresso, a memória governava a vida quotidiana e o saber oculto e, por isso, ele merecia o nome aplicado à impressão, a “arte conservadora de todas as artes”. A memória dos indivíduos e das comunidades transportou conhecimentos através do tempo e do espaço e, durante milênios, a memória pessoal reinou sobre o entretenimento e a informação, sobre a perpetuação e o aperfeiçoamento dos ofícios, a prática do comércio e sobre a conduta das profissões.
Pela memória eram reunidos, conservados e armazenados os frutos da educação, pois a memória era uma faculdade que todos tinham de cultivar de modos e por razões que nós esquecemos há muito tempo. Nesses últimos 500 anos, vemos apenas tristes relíquias do império e do poder da memória. Diz-se que o inventor da arte mnemônica foi o versátil poeta grego Simônides de Ceos, o qual também tinha a fama de ter sido o primeiro a aceitar pagamento pelos seus poemas. As origens dessa fama foram descritas na obra sobre oratória de Cícero, ele próprio também famoso pelas faculdades mnemônicas.
Na Idade Média formulou-se distinção entre a memória “natural” – com a qual todos nós nascemos e exercitamos sem treino – e a “artificial”, a qual podemos desenvolver. Havia diferentes técnicas para memorizar coisas ou palavras, pois alguns professores aconselhavam o estudante a procurar um lugar sossegado onde suas impressões imaginadas não fossem enfraquecidas pelos ruídos ou passagem de pessoa.
Sêneca, o mais velho professor de Retórica, tinha fama de ser capaz de repetir extensas passagens de discursos que ouvira apenas uma vez, muitos anos antes. E impressionava seus alunos pedindo que cada recitasse um verso e, depois disso, ele próprio recitava os versos na ordem inversa. Santo Agostinho confessou a sua admiração por um amigo que conseguia recitar de cor todo o texto de Virgílio – de trás para frente.
As proezas e as acrobacias da memória “artificial” gozavam de grande fama e Ésquilo dizia que “a memória é a mãe de toda a sabedoria”. Cícero concordava, dizendo que a memória era “o tesouro e o guardião de todas as coisas” e, no apogeu da memória, antes da expansão da imprensa, o animador, o poeta, o cantor, o médico, o sacerdote e o advogado precisavam de uma memória bem desenvolvida.
As primeiras grandes epopeias da Europa foram conservadas e realizadas pelas artes da memória e, Ilíadas e Odisseia, por exemplo, foram perpetuadas de forma verbal, sem o uso da escrita. A palavra usada por Homero para poeta é “cantor” e, antes de Homero, cantor era aquele que cantava um único poema breve o suficiente para poder ser cantado a uma única audiência de uma vez.
Os primeiros livros manuscritos do Mediterrâneo eram escritos em folhas de papiro coladas umas às outras e enroladas em seguidas que, além de ser pouco prático, o frequente desenrolar ia delineando as palavras escritas. Como não havia “páginas” numeradas separadas, era trabalhoso confirmar uma citação que as pessoas tinham tendência para confiar na sua memória.
As leis foram conservadas pela memória antes de o serem em documentos e, pode-se dizer que, a memória coletiva da comunidade foi o 1º arquivo jurídico. O ritual e a liturgia foram igualmente conservados pela memória, da qual os sacerdotes eram os zeladores especiais. Os serviços religiosos eram maneiras de gravar preces e ritos na memória da juventude da congregação.
A “Divina Comédia” de Dante, deu vida tanto a lugares como a imagens por uma ordem facilmente recordada. Mas, também houve exemplos mais modestos, pois os manuscritos dos frades ingleses no século XIV descreviam cenas que não eram destinadas a ser vistas com os olhos, mas sim a fornecer imagens invisíveis à memória.
Petrarca (1304/1374) teve grande fama como autoridade em memória artificial e no modo de cultivá-la. Ele ofereceu suas próprias regras para escolher os “lugares” onde armazenar imagens lembradas para recuperação. Ele disse que a arquitetura imaginada da memória devia fornecer lugares de armazenamento de tamanho médio, nem demasiado grandes nem pequenos demais para imagens específicas.
Quando a imprensa tipográfica apareceu, as artes da memória tinham sido organizadas em vários sistemas e, em princípios do século XVI, a obra mais conhecida era um texto prático que teve muitas edições e foi muito traduzido. Nesse manual popular, Pedro de Ravena dizia que os melhores locais da memória se encontravam numa igreja deserta.
Depois de Gutenberg os reinos da vida quotidiana passariam a ser governados pela página impressa e, no fim da Idade Média, os livros manuscritos tinham constituído um auxiliar da memória para a pequena classe letrada. Mas o livro impresso era muito mais portátil, mas exato, mais prático de referenciar e evidentemente mais público e comum. Fosse o que fosse que se imprimisse, depois de escrito por um autor, tornava-se também conhecido dos impressores e de todos aqueles que a página impressa alcançasse. Agora, um homem podia referir-se ás regras de gramática, aos discursos de Cícero e aos textos teológicos, direito canônico e moralidade, sem ter de armazená-los dentro de si.
*Consultor, professor e palestrante————————————-Imagine só… – Afonso Rodrigues de Oliveira*“A imaginação é mais importante do que o conhecimento”. (Albert Einstein)Imagino como você ficaria pisando em brasas se alguém mexesse nos seus pensamentos. Eu pisei, ontem pela manhã. Só que as brasas estavam apagadas. Aí comecei a rir da bobagem que eu estava fazendo dançando sobre um monte de carvão, pensando que era brasa. E isso aconteceu quando a dona Salete abriu o jornal e gritou:
– Sinho!!! Olha só o que fizeram com você. O pessoal repetiu sua matéria de ontem. Taqui, oh… “Será que eu sei educar?”
Mas como já conheço o pessoal, há mais de trinta anos, não me apoquentei e falei: leia o texto pra ver? E ela leu. Era o texto da matéria do dia. Meus amigos apenas trocaram o título que era: “A arte da política”. E ainda bem que eles trocaram, porque esse título é título do livro do Mansour Challita. Mas tudo bem. Não houve má intenção, nem minha, nem dos amigos da gráfica.
E como comecei o dia numa correria incrível, resolvi fazer esta matéria enquanto corria. E, claro, não poderia sair uma matéria à altura do leitor. Mas imagine, dando valor à imaginação, se você estivesse no meu lugar. Aí imaginei que poderia confiar em você. Foi uma grande imaginação. Foi ou não foi? Imagino como você deve ficar tiririca da vida quando alguém faz alguma coisa que envolva você, quando você não gostaria de estar envolvido. E é aí que você vai valorizar sua imaginação. Comece imaginando que quando você se aborrece com um tonto é porque você não é mais do que um tonto. O que você deve fazer é deixar que ele se cure da tonteira, mas imaginando que ele vai conseguir.
Imagino como o pessoal da gráfica deve estar ficando beiçudo com minha brincadeira aparentemente tonta. Mas não imaginem qualquer coisa que possa melindrar nossa amizade. Faz favor. A troca de um título está bem distante de uma ofensa. Estou apenas brincando com o acontecimento. Imagino que tudo não vai passar de uma brincadeira entre mim e vocês. E o “imagine só”, de hoje, não diz que você deva imaginar sozinho, mas que imagine só isso. E agora me lembrei da imaginação do Ibrahim Sued: “O segredo é não forçar a porta alheia. Bata devagarzinho e vá entrando de mansinho”.
Imagine só se a vida fosse um paraíso, onde vivêssemos debaixo das parreiras, de bocas abertas esperando que as uvas caíssem. Imagino como você iria se sentir. Eu iria me sentir um João-ninguém. Então vamos imaginar um mundo efervescente, onde possamos usar nossa imaginação. Porque é dela que nascem as nossas atitudes. E as atitudes dependem de cada um. E como somos um, no meio desse cadinho, façamos nossa parte. Pense nisso.