O fascismo nosso de cada dia – Alexandre Roberto Andrade Cavalcante*Fascismo tem sido uma palavra bastante usada em nossos dias, porém muitas das vezes de forma equivocada e vazia de sentido. Na maioria das vezes, resume-se fascismo a um regime político autoritário como o de Adolf Hitler. Outros políticos, como Jair Bolsonaro e Donald Trump, foram rotulados como fascistas por possuírem e manifestarem pensamentos de exclusão social, forte apego aos sentimentos militares e por acreditarem no aparelho estatal como mecanismo de força de dominação contra nações e pessoas. Mas fascismo está além de se resumir meramente a um regime político. Fascismo é um comportamento. O levante dos regimes político fascista alemão e italiano só foi o estopim de um comportamento que a humanidade vem reproduzindo há milênios de anos.
O psicanalista alemão Willhem Reich, em seu famoso livro Psicologia de massas e Fascismo, nos mostrou de que forma esse comportamento se reproduz pegando como exemplo o regime fascista alemão e italiano. O comportamento fascista tem como características o forte apego a autoridades, seja a figura do pai ou do Estado; forte repressão sexual; apego a sentimentos místicos; propaganda ao terror e ao medo; mecanicidade da vida; sentimento nacionalista muito forte; e como moral de vida a forte disciplina e a hierarquização social.
Todas essas características do fascismo ainda são vivas na atualidade, porém de outras formas. Idolatrar times de futebol, bandas, cantores e cantoras é uma forma de fascismo, pois é uma atitude alimentada de sentimento místico. A militarização das escolas também é outra atitude fascista. A forte repressão sexual a comunidades LGBTTS e o racismo são outras características do fascismo dos dias atuais.
O que surpreende nos dias atuais é que tais atitudes fascistas são taxadas como normais. Hoje os filmes de terror estão cada vez mais assustadores, e assistir a esses filmes está cada vez mais normal. Porém, incitar o medo é uma atitude fascista, e é isso que os filmes de terror estão proporcionando hoje.
Certa vez, eu vi um vídeo no celular onde um jovem que colocava uma bomba de catolé debaixo de uma rede como um homem descansando. O resultado não foi outro! O homem que estava deitado acordou desesperado e com medo ao escutar o estouro da bomba. Atitude como essa é vista como “normal” por se tratar de uma brincadeira. Então brincadeiras como essa não deveriam existir!
O fato de as pessoas não saberem que o fascismo é um comportamento dificulta o combate a esse mesmo comportamento. O comportamento fascista alimenta dentro das pessoas ódio contra o estrangeiro, um sentimento de pureza racial e superioridade, a violência como meio de se conseguir algo etc. O comportamento fascista precisa ser combatido, pois o mesmo se reproduz a cada dia que se passa. A humanidade precisa combater o fascismo nosso de cada dia. E é com um forte conhecimento sobre os processos sociais, psíquicos, religiosos, políticos, históricos etc. e uma boa educação que a humanidade conseguirá combater esse “mal” que tanto alimenta ódio, preconceito e violência dentro do coração de cada pessoa.
*Estudante do 8º semestre de Ciências Sociais da UFRR
Pular o Carnaval – Vera Sábio*Este ano o Brasil está se revelando mais e mais como um país onde a corrupção trouxe grandes distorções de valores e misérias abundantes. Fomos considerados o país do Carnaval, da festa, da alegria e, agora, somos da folia, da impunidade e muitas pessoas que tinham, com o seu salário, condições de manter a família com dignidade, mas nem o salário recebem e foram descaradamente roubadas na terra do Carnaval.
Por isto não entendo o que temos realmente para comemorar. Comemorar que o Brasil, com tantas riquezas que poderia deixar seu povo todo feliz, saudável, educado, seguro e com possibilidades de progressos, sonhos e projetos para o futuro, presencia pessoas de classe média entrando na linha da miséria, prisões lotadas e igrejas vazias, filas intermináveis nos hospitais e senadores com plano de saúde sem limites, como se só os eleitores pudessem ficar doentes e deixados à própria sorte. Falta tudo e assim mesmo querem cair na folia carnavalesca.
Alegria de três dias que destroem relacionamentos familiares, aumentam a criminalidade, os acidentes de transito, as bebedeiras, as drogas, as doenças sexualmente transmissíveis e a gravidez indesejada, como também o aborto.
Precisamos pular o Carnaval. Não querer três dias desgovernados para uma tristeza de anos a fio ou de toda uma vida. Aí vêm pessoas dizerem que só vão lá para se divertir, não têm intenção de ofender ou participar de nenhuma confusão. Como se fosse possível estar no meio da lama e não se sujar.
O grande mal do ser humano é esta falta de empatia em achar que a crise que está acontecendo nunca irá atingi-lo, de achar que vive sua vida sozinho, não sendo responsável pelos outros que estão no mesmo espaço que ele; se considerando autossuficiente e inabalável, perdendo a noção de falho, frágil e mortal. Doce ilusão, total falta de realidade. Pois enquanto estivermos neste mundo, não vivemos sozinho, dependemos dos outros e os outros de nós.
Pense nisto e aproveite estes dias para descansar, para orar, rezar, participar de retiros espirituais, para conviver com a família e ter momentos saldáveis e em paz. Pule o Carnaval da sua vida e contribua com a realidade em que estamos vivendo.
*Psicóloga, palestrante, servidora pública, esposa, mãe e cega CRP: 20/04509
O elo perdido – Afonso Rodrigues de Oliveira*“No Brasil, a cada 15 anos todos esquecem o que aconteceu nos últimos 15 anos”. (Ivan Lessa)Pelo que vemos nos acontecimentos que estão revolucionando o Brasil, realmente temos uma memória muito curta. Mas é gostoso pra dedéu, você se lembrar de coisas simples que lhe trouxeram momentos diferentes. Mesmo que os acontecimentos tenham sido singelos. Peguei o jornal, pela manhã, brinquei com o pessoal no balcão, rimos e saí pela rua, rumo à minha casa. E é aí que muitas vezes me lembro de coisas.
Não faz muito tempo, eu estava em Embu das Artes e saí pela rua vendo artesãos trabalhando. Sou apaixonado por artesanato. Lamento não ter competência pra ele. Mas parei vendo um artesão esculpindo uma corrente de madeira. Os eles são esculpidos, não são colocados. Fiquei alguns minutos observando. Um trabalho divino. Já em Boa Vista, resolvi esculpir uma corrente em madeira. Deu trabalho, mas ficou linda. Até a expus numa feira de artesanato em Boa Vista.
Um dia, um dos construtores que trabalhavam na reforma de nossa casa chegou com sua filhinha e me perguntou:
– Seu Afonso, dá pro senhor mostrar sua corrente pra minha filha? Ela está curiosa.
Peguei a corrente e a dei para a garota. Ela sorriu, elogiou, acariciou. Pegou a corrente pelas pontas, juntou as mãos e separou-as num impulso. O elo central da corrente foi parar a metros de distância. A garota ficou pálida. O pai dela ficou estático. Eu dei um sorriso maior do que um bonde grande. Os dois, filha e pai, ficaram me olhando sem entender minha reação. E às vezes me torno um dos mentirosos mais cínicos da paróquia. Peguei os dois pedaços da corrente e falei para pai e filha que aquilo era o trabalho mais simples e fácil que se pode fazer; e que logo eu faria outra e lhes mostraria. Sinceramente, não sei se os dois acreditaram nem como se sentiram com minha mentira. Mas a verdade é que nunca mais consegui, por pura preguiça, terminar a outra corrente que iniciei depois do incidente.
Depois que cheguei a casa procurei a corrente iniciada e nunca concluída. Encontrei-a. Está com só quatro elos esculpidos. E prometo que vou reiniciar o trabalho assim que encontrar minhas ferramentas que sumiram na reforma da casa. Você conhece um artesão mais relapso? Mas se eu prometi pra mim mesmo que iria continuar, vou. E estou prometendo pra mim mesmo. O compromisso é sério. E assim que terminar a nova corrente vou mostrá-la pra você. Vai valer a pena.
Nunca fira o sentimento de uma criança quando ela, involuntariamente, ferir seus sentimentos. Seu prejuízo sempre será menor do que o dela, com o seu arrufo. Pense nisso.