Ladrões e antropofagia
Se um político, que sabidamente gosta de misturar o dinheiro público com sua conta particular, chegar ao Aeroporto Internacional de Boa Vista e alguém gritar “pega ladrão!”, provavelmente as pessoas irão dividir sua opinião entre concordar timidamente ou recriminar quem deu o grito. Porém, em hipótese alguma, não será formada uma turba para atacá-lo e linchá-lo em praça pública.
No entanto, acaso alguém gritar “pega ladrão!” direcionada a uma pessoa qualquer, que não seja política nem esteja vestida em trajes de quem acaba de chegar de um voo, as chances são enormes de logo surgir gente ensandecida, com sangue nos olhos, querendo espancar ou até mesmo linchar esta pessoa, ainda que não haja provas concretas de que se trate mesmo de algum ladrão.
Embora pareçam cenas hipotéticas, elas são bem reais em Roraima. Um político foi chamado de ladrão, no hall do aeroporto, ao chegar de Brasília, mas ficou por isso mesmo. No máximo, alguns ficaram de plateia em um silêncio de concordância ou resignação. Nem sequer surgiu um coro uníssono concordando que se tratava realmente de um ladrão dos cofres públicos.
Porém, nos recorrentes casos que vêm ocorrendo em via pública, bastou alguém gritar “ladrão” para que logo surgissem pessoas dispostas a trucidar o desgraçado acusado de meter a mão na coisa alheia, descendo a taca até a chegada da polícia, que nestes casos cumpre o papel de não permitir o linchamento.
Houve inclusive um caso, no bairro 13 de Setembro, neste ano, de um acusado de roubo ter sido espancado, incluindo um taco de beisebol, e ficou desfalecido até ser socorrido pela polícia ao Pronto Socorro. No hospital, por se tratar de um acusado de roubo, recebeu apenas alguns curativos e foi levado para a cela da delegacia, onde acabou morrendo por causa das possíveis fraturas ou hemorragia interna.
Essa é a realidade ue estamos vivendo, uma verdadeira autofagia, ou seja, o ser humano se nutrindo da sua própria desgraça, pobre devorando pobre, enquanto os ladrões maiores, que atacam os cofres públicos e deixam a sociedade à mercê de uma saúde pública falida, da insegurança e de uma educação deficitária.
Os senhores da corrupção ainda são reverenciados, chamados de “doutores”, e transitam como fidalgos de uma sociedade atrasada, que continua os elegendo como se fossem seres extraordinários entre nós, bastando que continuem mentindo que são necessários para o desenvolvimento do Estado e do país. Ou seja, estamos nos devorando aqui em baixo enquanto os verdadeiros ladrões da nação ficam cada vez mais ricos à custa da pobreza do povo.
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