Debaixo da mesma lona
Walber Aguiar*
O palhaço, crítico da sociedade, apoia-se no riso para não ser denunciado Drummond
Era uma sexta feira. Um dia para esquecer o cotidiano. Para fugir do trabalho e caminhar por uma trilha imaginária. Para embalar no colo a ilusão, posto que mãe da vida. Um dia de sonhar, curar a asa quebrada e voar por aí. Podia ser sábado, dia de colocar a velha máscara e sair sem destino, na tentativa de enganar a si mesmo.
Mas era uma sexta feira. Espaço para o lúdico, geografia da descontração e do descompromisso. Estávamos ali, debaixo daquela lona de sonhos, daquele cobertor de estrelas. Cansados da “palhaçada” oficial, que oprime e aliena, decidimos entender o circo através da vida e a vida através do circo.
Léo Malabarista estava lá, dotado de alegria, leveza e desejo de agradar a todos. Meninos e meninas estampavam felicidade e brilho no olhar. Pelo menos enquanto durasse o espetáculo, aqueles minutos de magia, em que as horas eram derretidas diante da realidade.
Naquele dia 27 de março todos decidiram sair de casa. Era o dia mundial do circo e do teatro. Afinal, o espetáculo precisava continuar. Precisava devolver o riso, afastar do rosto a carranca do trágico e da infelicidade. Tudo estava montado, meticulosamente elaborado para a alegria. Mesmo triste, o palhaço tinha que mostrar o contrário. Ora, se a tristeza do cotidiano se apresenta sem platéia, o palhaço precisa de aplauso para se manter vivo e pulsante. Embora chore sozinho na solidão dos camarins, ele brinca com a vida, desagenda o sério e enfrenta o dualismo do mundo na corda bamba do inusitado.
Circo e teatro se confundem nas máscaras do disfarce e da encenação. Estão presentes nos palácios, nas igrejas, nas ruas e nos relacionamentos.
O que difere os atores dos transeuntes é o tempo que dura o espetáculo. É a brevidade de um momento mágico que torna mágico o momento. É a mentira usada como verdade para camuflar o que sentimos e fazemos.
Naquela sexta-feira descobri que a alegria é indisfarçável. Que o sorriso não é feito de maquiagem e pasta d’água. Debaixo daquela lona surrada, percebi que o palhaço tem o coração cheio de autenticidade. Chorei por ver tanta farsa, tanta mentira na alma cansada e desbotada do ser humano. Depois do espetáculo abracei o palhaço, poetizei o tempo e aplaudi a mim mesmo…
*Advogado, poeta, professor de filosofia, historiador e membro da Academia Roraimense de Letras [email protected]
Medicina ou fraude?
Marlene de Andrade*
O que usa de fraude não habitará em minha casa… (Salmo 101:7a)
Para que solicitar exames complementares em trabalhadores saudáveis, não previstos nas Normas Regulamentadoras do MTE? Os empregadores pagam impostos altíssimos e ter que arcar com esses gastos desnecessários é aviltante. Solicitar, por exemplo, eletroencefalograma para todos os motoristas, ou para quem trabalha em altura, rima com “picaretagem”.
Cursei Medicina na Universidade Federal Fluminense/UFF e os seis anos que passei dentro dessa faculdade foram ouvindo os professores sempre afirmando que o exame clínico é soberano. Sendo assim, por que devemos solicitar inúmeros exames laboratoriais sem que haja indicação?
Os empregadores devem preservar a saúde de seus colaboradores, mas para quê solicitar EEG ou um ECG de uma pessoa que não tem história de doença cerebral ou cardíaca? O agravante é que a maioria das “cliniquetas” que agem dessa forma envia o exame para outros estados como, por exemplo, São Paulo, a fim de que o mesmo seja laudado por um médico desconhecido do empregado e que não o atendeu, o que se configura num grande absurdo.
Evidentemente, que o médico que assina EEG e ECG à distância não pode dar um diagnóstico totalmente fidedigno e, nesse caso, o resultado pode ser falso positivo. Certa vez, quando eu ainda residia no Rio, desconfiei de um laboratório e por isso, em vez de lhe enviar urina, o enviei guaraná; e não é que o resultado veio como se de urina fosse?! Esse laboratório entrou em pânico comigo, pois eu tinha provas a respeito do ocorrido.
Solicitar exames laboratoriais é corretíssimo, porém há que haver concretamente indicação. Por que solicitar, por exemplo, exame de acuidade visual para motoristas que estão com suas habilitações em dia e sem nenhuma história de trauma oftalmológico? Ou então ECG de um pedreiro de 30 anos sem história de hipertensão, obesidade e dor no peito, só por que trabalha em altura? Trabalho em altura requer equipamentos de proteção corretos e o andaime construído dentro dos critérios rigorosos de segurança e nada mais do que isso.
Os empregadores não podem fazer gastos supérfluos com exames desnecessários, até porque alguns deles podem até trazer riscos para o trabalhador e um bom exemplo disso é o RX, pois esse tipo de exame pode desencadear câncer.
Comecei a trabalhar em Medicina do Trabalho no início dos anos 80 quando o trabalhador tinha que fazer abreugrafia, contudo, esse exame causou câncer em vários trabalhadores até ser proibido. E o interessante é que quase 100% dos trabalhadores que se submetiam a esse exame nada tinham nos pulmões. Solicitar exames sem indicação não é correto. Chega de fraude.
*Médica Especialista em Medicina do Trabalho/ANAMT
O circo pegando fogo
Afonso Rodrigues de Oliveira*
“Os lugares mais sombrios do inferno são reservados àqueles que se mantiveram neutros em tempos de crise moral”. (Dante Alighieri)
Quando ficamos indiferentes ao que deveríamos dar mais atenção estamos construindo nosso próprio inferno. E não há como ignorar, mesmo os mais ignorantes, que estamos vivendo um dos momentos mais desesperadores da nossa política moral. É verdade que nunca tivemos uma política equilibrada; mas todas foram a representação do nosso despreparo político. O jornalista Barão de Itararé descreveu isso com sabedoria: “Se há um idiota no poder, é porque os que o elegeram estão bem representados”.
Somos todos responsáveis pelos desmandos na política. Se os larápios e os palhaços estão nos representando no poder é porque os elegemos. E se os elegemos somos responsáveis pelos absurdos que eles provocam. Então vamos cuidar de nós, para poder cuidar do nosso País. Ou nos responsabilizamos ou continuaremos marionetes de palhaços, larápios e manipuladores. E só conseguiremos isso com educação. Precisamos nos educar para podermos ser cidadãos respeitados. E para sermos respeitados precisamos respeitar. E não estamos respeitando nossa cidadania.
Vamos ter muito cuidado com as mudanças que provavelmente virão por aí. Porque o início de tudo deveria ser o preparo político, que não nos dão porque seria prejudicial aos que veem a política como um meio de enriquecimento fácil. Eles estão querendo mudanças, mas ninguém fala da mudança na obrigatoriedade do voto. E nunca seremos um povo livre, de fato e de direito, enquanto formos obrigados a votar. Mas, indique-me o político interessado em mudar esse sistema. Porque eles são espertos e sabem que primeiro precisariam nos educar como cidadãos. E isso não interessa, dentro da política atual.
Estou preocupado, sim. A podridão que estamos desenterrando na lixeira da nossa política é hedionda, vergonhosa e preocupante. E isso porque ainda não somos capazes de perceber de onde está vindo o mau-cheiro. Lamento muito estar sendo grosseiro com esse assunto, mas não tem como evitá-lo com sensatez. Vamos amadurecer e cuidar do futuro dos nossos descendentes. Eles é que irão sofrer os amargores do nosso despreparo atual. Cuidado com os políticos que você irá eleger nas próximas eleições. Quais os critérios que você vai usar para elegê-los.
Está na hora de sairmos do cabresto, mas para a liberdade. Ainda no século XVI o Rei Henrique IV, na França, nos advertiu: “Todo povo é uma besta que se deixa levar pelo cabresto”. Ou você pensa que os grandes políticos de hoje não pensam mais assim? Pense nisso.