União estável, direitos e heranças – Pierre Moreau* e Sofia Ribeiro**
Em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal equiparou a União Estável ao Casamento Civil, no que concerne ao direito de sucessão do companheiro herdeiro. Até então, a herança nos casos de união estável era repartida em parcelas iguais entre os filhos do companheiro falecido e o sobrevivente. Agora, o novo entendimento permite que o companheiro tenha direito a metade da herança sendo os outros 50% compartilhados entre os demais herdeiros, assim como é feito no casamento civil.
Não existe obrigatoriedade de nenhum tipo de documento ou certidão para que se formalize a união estável. Mas os companheiros podem registrar a união em cartório de notas, caso assim o desejem, com o objetivo de resguardar direitos, inclusive quanto ao regime a ser adotado pelos companheiros, com separação total, parcial ou comunhão total dos bens, mesmo procedimento adotado para o registro do casamento civil. E, como no casamento civil, se não houver um pacto antenupcial, o regime se dará pela comunhão parcial de bens, ou seja, aqueles bens que forem adquiridos na constância do casamento ou da união estável serão depois compartilhados em eventual separação.
A comprovação da união estável pode ser feita através de fotos e vídeos, contas bancárias e pelo testemunho de amigos e conhecidos. A união estável se concretiza com a convivência, assim, qualquer um que conheça o casal e saiba de sua rotina poderá auxiliar na comprovação de que havia, em verdade, uma união estável. Importante dizer que, como no casamento civil, a união pode ser ou não, entre pessoas do mesmo sexo.Já nas situações de âmbito civil que solicitem a apresentação de certidão de casamento, a pessoa em união estável pode declarar sua situação e não apresentar o documento. Mas, também nessa situação, pode optar pelo registro em cartório, com as normas regentes da união.
É preciso esclarecer que a união estável não altera o estado civil, diferentemente do casamento.
O conceito de união estável não implica necessariamente na vontade de formar uma família pelos companheiros, inclusive não se faz necessário que morem juntos, sob o mesmo teto, trata-se do simples desejo de estarem juntos e manterem a união desta forma. E se não houver mais esta vontade, as mesmas regras do casamento civil se aplicam à união estável formalizada em cartório. Ambos podem ser desfeitos em cartório desde que de forma consensual e que não tenham filhos menores de idade ou maiores incapazes. Caso contrário, é preciso acionar a esfera judicial. *Sócios do Moreau Advogados
A fome voltou! – Flamarion Portela*
Não há nada, absolutamente nada, mais deprimente do que a fome. Quem a experimentou se torna um indivíduo retraído, tímido, impotente, incapaz, um cidadão menor. A revista Veja, da semana passada, traz uma matéria sobre o tema, com o seguinte título: “Depois de anos de queda da pobreza, a crise econômica e as falhas na rede de proteção social trazem de volta o flagelo da miséria e da fome”!
Segundo o Banco Mundial, e de acordo com a reportagem, o Brasil vai ganhar, até o final deste ano, 4,7 milhões de pobres e 3 milhões de pessoas vivendo na extrema pobreza. Com esse acréscimo, o nosso País atingirá a soma de 28 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha de pobreza (renda média de R$ 140,00/mês por pessoa), o equivalente a 14% da população nacional. Que absurdo!
E, uma das consequências da fome é comprometer o futuro das gerações jovens. Uma criança sem alimentação (fome mesmo) não tem o mesmo desenvolvimento na aprendizagem do que uma alimentada. O processo educacional será comprometido e essa criança se tornará um adulto sem condições de competir, nessa sociedade mercantilista.
Vou me prender a apenas dois tópicos. O primeiro é a inteligência: uma pessoa de família de baixa renda (portanto, passa fome) tem 13 pontos a menos no quociente de inteligência (QI) em relação à média populacional, de acordo com estudo da Universidade Princeton, nos Estados Unidos. O segundo é o vocabulário: aos 4 anos, uma criança educada num ambiente abastado terá ouvido, pelo menos, 45 milhões de palavras. Aos 8 anos, o vocabulário de quem recebeu estímulos cognitivos chega a 12 mil palavras. Veja o que acontece com quem passa fome. Uma criança de 4 anos, nesse ambiente, ouvirá apenas 13 milhões, contra 45 milhões de palavras citadas acima. Aos 8 anos, o vocabulário de quem vive se alimentando mal, chega a 4 mil, contra 12 mil palavras, como demonstrado na pesquisa. Estão roubando vidas e almas dos inocentes. Que pena!
O Orçamento da União passa por dias difíceis, mas, o presidente Michel Temer (PMDB) e sua equipe parecem sempre encontrar espaço para liberar recursos para os grupos organizados, enquanto o dinheiro para os pobres não flui com a mesma agilidade! O ser humano é mais importante do que o cifrão!
Daniel de Souza, presidente do Conselho da Ação da Cidadania, diz que a ONG, fundada por seu pai, o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, decidiu relançar, depois de 10 anos, a campanha Natal sem Fome, com o intuito de alertar o governo e a sociedade sobre o aumento da miséria. Diz ainda que, a sociedade não pode substituir o Estado no combate à fome. Esse papel é do governo!
O que fazer para combater a fome? Primeiro, garantir recursos para suprir a rede de proteção social, que o atual governo do PMDB, infelizmente não faz. Segundo, investir rápido na educação, na milagrosa educação. A educação deve ser política de Estado e não de governo. Só ela transforma a vida das pessoas, principalmente dos mais necessitados. Precisamos garantir, assegurar a educação das nossas crianças, dos nossos jovens. O caminho é a educação!
*Deputado estadual e ex-governador de Roraima
Existe Natal quando há renovação e renascimento – Vera Sábio*
“Deixa nascer a criança que existe em você” (Peninha)
Nesta época de Natal, as pessoas ficam animadas e mais próximas das outras. Elas querem ser solidárias e doar alimentos, roupas, calçados e alguns presentes para pessoas carentes. Gestos bons de partilha que na verdade deveriam acontecer durante toda a vida. Afinal há sempre quem precisa e também há sempre quem pode ajudar.
As praças e prédios públicos de nossa cidade estão com certeza mais iluminados do que os corações daqueles que brilham nas aparências, mas deixam o interior escurecido pelas corrupções e desvios que fazem toda a diferença na vida daqueles que necessitam de tudo, inclusive de saúde, de segurança, de educação, de emprego, de lar e comida, etc.
Por isso, Natal é renovação constante. É indispensável mudar nosso jeito imediatista de pensar, como se pessoas carentes só precisassem de comida e acolhimento nas datas comemorativas. Pois sabemos que a diferença social grita em cada esquina o tempo todo e por mais linda e enfeitada que a cidade esteja, há sempre um pedinte necessitando do básico.
Natal é renascimento. Renascer a criança que existe em cada um, é se despir da vaidade e buscar a simplicidade da alma infantil; aquela que precisa de cuidados e carinhos e que se sente feliz com o cheiro da mamãe, valoriza o simples e o belo e se diverte na companhia daqueles que a protege e a ama.
Não há renovação sem renascimento e assim não podemos enxergar o verdadeiro Natal. Pois apenas é Natal se durante todo o ano quisermos corrigir as falhas em todos os dias; se nos compadecermos das dores alheias e formos mais felizes com a igualdade e não com a enorme desigualdade que existe; se limparmos o nosso interior para que o brilho de Jesus ilumine nossa vida e assim, iluminaremos tudo em nossa volta.
É esta a reflexão que deixo a todos que por mais que enfeitem e presenteiem nesta data; sempre fica um vazio que só o renascimento de Jesus em nós, preencherá.Aí sim. Feliz Natal!!
*Psicóloga, palestrante, servidora pública, esposa, mãe e cegaCRP: 20/[email protected]
Danilo – Afonso Rodrigues de Oliveira*
“Os domínios do mistério prometem as mais belas experiências.” (Einstein)
Entre 1960 e 1961, eu parava muito naquela esquina. Conhecia todo mundo e batia papo com meio mundo. O jornaleiro era o Nelson, simpático e risonho. Os detetives da 21ª DP eu conhecia quase todos. Conversávamos, e por isso eu ficava sabendo coisas incríveis do mundo policial do Rio de Janeiro naqueles tempos. O botequim na esquina da Rua Darke de Matos era o ponto preferido por todos nós. Até mesmo dos que como eu, não bebiam, além de crush e grapette.
Todos os dias, aparecia por lá, um garotão de aproximadamente dezesseis anos de idade, que ficava dando uma mãozinha na banca de jornais, e vendia jornais na vizinhança. Ele era um pouco retardado. Sua coordenação motora não era grande coisa. Chamava-se Danilo, e ficava encucado quando, brincando, eu lhe perguntava se ele conhecia o rio Nilo. Havia uma turminha, do tipo que tem calos nos cotovelos, assídua no balcão do bar. Um deles tinha o mau hábito de mexer com o Danilo só para vê-lo gaguejar. Mesmo os que não gostávamos das brincadeiras não estrilávamos porque elas vinham na medida exata. Isto é, nunca iam além do tolerável.
Sou um péssimo fisionomista. Cinquenta anos já se passaram desde então. De muitas daquelas pessoas, as fisionomias já se apagaram da minha memória. E já não as reconheço mais, e nem elas a mim. Tempo desses, eu ia pela calçada, nas proximidades de Bonsucesso, e lá vinha aquele cara magro, um tanto desengonçado, caminhando apressado e aparentemente sem dificuldade. Fiquei matutando sobre aquele homem comuníssimo caminhando pelas ruas tumultuadas, do Rio de Janeiro. Tinha certeza de que conhecia aquele cara de algum lugar. Como não consegui me lembrar, procurei esquecer.
Dias depois, precisei ir ao Banco retirar dois reais para a passagem no metrô. Já nas proximidades do Banco lá estava aquele cara, sentado numa cadeira, junto da parede, com uma caixa de engraxate. Era magro, quase raquítico, branco, tinha um cachimbo preto e lustroso na boca, mão ao queixo e olhar taciturno para o chão. Absolutamente estático, não esboçava gesto nem movimento. Parecia posar na imobilidade. O jaleco azul realçava o branco mesclado do rosto, compondo um quadro fascinante. Desviei-me dos transeuntes, encostei-me no poste e fiquei observando-o por alguns segundos. Foi o suficiente para reconhecer o Danilo. Lá estava aquele cara que gostava muito de mim, porque eu era o único cara daquela patota, que não mexia com ele. Ele não me viu nem me reconheceria. Cinquenta anos transformaram daquele garoto, um idoso, engraxate e taciturno. Pense nisso.