Impunidade à brasileira – Tom Zé Albuquerque*
Qual a distância e o tamanho de um fim do poço duma nação? No nosso país, a imundície sombria não tem limite. Quando se pensa que nada mais há de piorar, eis que algo de bizarro na política resolve se superar. E, não por acaso, a prática da impunidade (que é um esporte nacional) está sempre em evidência.
Estar impune no país do carnaval virou regra, é a contumaz atuação validada no nível máximo pelo poder judiciário que, sob interpretações contraditórias e estapafúrdias até mesmo à luz de qualquer leigo, vai decidindo o futuro do país. A última presepada do Superior Tribunal Federal – STF foi decidir que não ia decidir sobre o que poderia decidir adiando a decisão sobre o que já deveria ter decidido: o acatamento ou não da análise de um Habeas Corpus ao traquino ex-presidente Lula, o do triplex e do estiloso sítio.
Enquanto existem dezenas de milhares de presos (a maioria pobre e sem influência) sem direito à reparação de dano pela instância alcançada, o STF apazigua, relativiza e gera uma inexplicável seletividade de algo já anteriormente pacificado. Há quem diga que a decisão foi política em face de a maioria dos Ministros daquela Corte ter sido nomeada pela dupla do barulho lulão-dilmona, o que nós, brasileiros lúcidos, rechaçamos assombrosamente essa teoria em face da probidade explícita e intocável daqueles monstros do direito.
O problema é que caso o ex-presidente receba o perdão franciscano, a porta do inferno será automaticamente aberta, porque todos os condenados por corrupção nesse mesmo estágio absorverão o princípio-lula. E pior, estes não são réus comuns, daqueles que furtam nos semáforos, afanam os lares, arrombam veículos ou são só maconheiros mesmo; são figuras de colarinhos brancos, empresários, ex-ministros, homens ricos, que se apropriaram cruelmente do dinheiro do povo, escrachando ao léu a classe mais necessitada do Brasil, retratada nos corredores dos hospitais, na falta da alimentação às crianças nas escolas, na alta criminalidade que mata tantos civis e militares inocentes.
Nesse mister, se manifestou o jornalista Ascânio Seleme: “Se aceitar o habeas corpus que livra Lula, o STF estará reinstalando no país a chaga da impunidade (…) Não só o ladrão e o lavador de dinheiro público, mas também o assassino e o estuprador, não importa quais, nem quantos, todos serão beneficiados se o STF conceder o habeas corpus. A tramitação de uma ação em todas as instâncias, dependendo do escritório de advocacia, pode durar o tempo necessário para que o crime prescreva.” É como vivia repetindo Carlos Lacerda, “A impunidade gera a audácia dos maus”.
O Brasil virou um panelão de incoerência aquecido pelo fogo da inversão de valores, onde figuras oxigenadas pela mídia prostituta defendem bandido, degradam polícia, embandeiram apologia às drogas… e, desatinamente, recebem status de heróis brasileiros. A impunidade é filha da corrupção. Locupletar-se à custa dos cidadãos é regra no país do Neymar, do BBB, do safadão. Ter bandido de estimação é só um detalhe.
*Administrador
UMA PEDRA – Vera Sábio*
“No meio do caminho tem uma pedra” (Carlos Drummond de Andrade).
Mesmo quem não gosta muito de literatura, de poesia e ainda de filosofia, alguma vez pronunciou esta frase, embora nem saiba realmente os diversos sentidos que ela possui. Não existe quem não tenha uma pedra no caminho, embora muitas destas pedras possam ser que não foram colocadas no seu ou no meu caminho, por nós mesmos. E então, ao invés de entendermos que devemos retirar as pedras, ultrapassar as pedras e mesmo ignorar algumas delas, têm pessoas que gostam de justificar e serem as vítimas…
“Não é justo eu levar pedras que outros colocaram; não posso ter que tirar pedras que não são minhas; coitada de mim! São tantas pedras que carrego nos ombros, isto é uma maldição, etc.”. Afinal é mais fácil somatizar problemas, ter cara de piedade, ser o único sacrificado, do que pôr a mão na massa.
– Quem colocou esta pedra no meu caminho? Esta pergunta é uma perda de tempo, afinal pode ser a falta de uma estrutura familiar, um problema cultural, educacional, religioso e mesmo genético. Todos temos pedras e a todo tempo, e quem colocou já não importa, afinal elas estão lá e o caminho é meu. Perder energias pensando e repensando no passado que não volta mais são desculpas inúteis para os fracos e sem coragem de lutar, remover, ultrapassar, suportar… Afinal sempre há mais do que uma alternativa. Ou você reclama, ou você muda o caminho, ou você retira a pedra, ou a ultrapassa, ou sofre… O que não pode é acreditar que não tem opção. Sempre temos, e muitas.
Portanto veja a sua realidade, faça das suas pedras degraus para um futuro melhor, pare de gastar tempo em lamentações e lapide as pedras transformando-as em oportunidades, possibilidades e atitudes. Os diamantes não eram assim, foram pedras brutas que sofreram muito até seu brilho ser tão intenso e ofuscar qualquer outra a sua frente.
Significando assim, que você e eu podemos brilhar muito mais do que imaginamos, é tudo uma questão de tentativas e de flexibilidade em fazer diferente quando errarmos, até dar certo.
*Psicóloga, palestrante, servidora pública, escritora, esposa, mãe e cega com grande visão interna.CRP: 20/04509www.enxergandocomosdedos.blogspot.com.br
Questão de cor? – Afonso Rodrigues de Oliveira*
“…Tinir de ferros… estalar de açoites…Legiões de homens negros como a noite,Horrendos a dançar”. (Castro Alves – em “O Navio Negreiro”)
Juro pra você que eu jurei pra mim mesmo que não falaria nesse assunto. Um dos assuntos mais desagradáveis e bobocas. Estão querendo censurar o Monteiro Lobato porque o cara faz uma referência ao negro, num dos seus livros. Juro que me prometi. Mas aquela ladainha do pessoal naquela igreja ali em baixo me chamou a atenção. Corri pra janela e fiquei olhando o movimento do pessoal na rua, rumo à Praça João Mendes. O mesmo movimento a que eu assistia anos atrás. Nada muda, nada mudou; tudo igual. Os mesmos passos lentos e preguiçosos, empurrados por gente apressada e sem tempo.
Foi aí que comecei a divagar devagarzinho. Não tinha pressa. E essas divagações sempre me levam ao que me aborrece. Lembrei-me da mulher que está na iminência de ser morta, condenada pelo crime de ter traído o marido depois de ele morrer. Pensei na mulher condenada e olhei para os passantes na rua e comecei a pensar no que temos mudado nos últimos séculos. Será que não estamos vivendo o mesmo mundo em que vive os que matam por traição a mortos?
Lembrei-me do noticiário atual nos dizendo que estamos com um problemão do tamanho de um besteirol. Querem apedrejar o Monteiro Lobato depois de o cara morto há décadas. E tudo porque ele faz menção ao negro, em um de seus livros infantis. Aí me lembrei que o Castro Alves fala muito de negros em seus poemas num dos seus livros. Corri para a estante do Alexandre e peguei o livro “O Navio Negreiro”. Não deu outra. Tomara que os intelectuais famintos de censura não leiam o Castro Alves. Certamente nunca leram. “homens negros como a noite, horrendos a dançar” pode ser interpretado como uma ofensa e uma discriminação. Você duvida? Eu não. Tudo é possível para quem não conhece limites, independentemente de que tipo de limites.
Vamos acordar, para sair dessa letargia intelectual e racional? Por que endeusar e proclamar o Barack porque ele é negro e a Dilma porque ela é mulher? Será que não somos todos iguais? E se somos por que reclamar pelo direito de ser? Não lhe parece absurdo? No mínimo medíocre. Se continuarmos nesse palco político sem política, vamos acabar exigindo que o cidadão ande de chapéu de coro pelas ruas, como demonstração de orgulho por suas origens nordestinas. “Somos todos iguais nas diferenças”. E se somos não temos por que dizer que somos ou lutar para mostrar que somos. Quem é se precisar dizer que é, não é. Pense nisso.