Opinião

Opiniao 28 04 2018 6100

Ronaldo Mota*

O chamado modelo dos cinco grandes fatores socioemocionais (em inglês, “The Big Five”) é fruto da síntese de um conjunto de abordagens e de intensos debates entre especialistas na tentativa de investigar alguns sofisticados aspectos do comportamento humano. Entre os educadores contemporâneos, há uma forte tendência de associar tais fatores socioemocionais às habilidades metacognitivas, as quais, em adição aos relevantes elementos cognitivos tradicionais, interferem diretamente nos processos de aprendizagem. Certamente, trata-se de tema complexo e polêmico, dada ser ousada e pretensiosa a missão de construir um modelo simples que seja, ao mesmo tempo, sintético e abrangente.

Uma taxonomia razoavelmente bem-aceita na comunidade de pesquisadores envolve, pelo menos, cinco principais fatores socioemocionais: 1. Afetividade e Compaixão; 2. Autocontrole e Foco; 3. Estabilidade Emocional; 4. Engajamento e Entusiasmo; e 5. Abertura para Experiências. Cada um deles influenciará, cada qual na sua forma peculiar, as seguintes habilidades gerais: facilidade para adquirir novos conhecimentos e aplicá-los na prática, capacidade de resolver problemas complexos ou abstratos, adaptabilidade, originalidade, carisma, colaboração em grupo, curiosidade, determinação, disciplina, empatia, engajamento, disposição a inovar, senso de justiça, sociabilidade, liderança, disposição à negociação, tolerância, otimismo, perseverança, resiliência, hospitalidade, capacidade de expressão em público, autocontrole etc. Tais características, bem como outras similares, são assumidas como sendo, cada vez mais, indispensáveis no mundo atual. No entanto, educacionalmente, ainda somos principiantes no que diz respeito a sabermos exatamente como medir e promover essas características socioemocionais.

O fator Afetividade e Compaixão é assumido como estando associado a elementos como colaboração, cuidado com os demais, gentileza, respeito, empatia, sentimento de justiça, confiança, gratidão, capacidade de perdoar, busca por harmonia e promoção de atitudes de inclusão e de justiça em geral, entre outros. Acredita-se que a partir do desenvolvimento de tais características seja possível aumentar a capacidade de compreender o outro, por se colocar na posição do outro, e, a partir disso, fazer algo em função do outro. Desta forma, promovemos este predicado amplificando o respeito pelos demais, tratando a todos com polidez, de acordo com noções claras de confiança, tolerância e de sentimento de vida em comunidade.

Autocontrole e foco envolvem características imprescindíveis para garantir a qualidade do planejamento e da execução de missões de diversas naturezas. A elas se associam elementos de autodisciplina, foco e iniciativa nas tarefas que aumentam eficiência, eficácia e produtividade em todas as circunstâncias. Perseverança e controle racional dos esforços estão relacionados à capacidade de concentrar, evitando distrações e conseguindo completar, com sucesso, as tarefas propostas, individual ou coletivamente. As facilidades em ampliar o nível de consciência sobre si mesmo e acerca do ambiente ao redor permitemter mais domínio sobre os mecanismos e contextospor meio dos quais se aprende, aumentandoassim a habilidade de aprender a aprender continuamente. Esta é uma das características essenciais e mais desejadas no educando atual, especialmente no cenário de educação permanente ao longo de toda a vida. Habilidades de organização, gestão eficiente do tempo e clareza de propósitos, evitando procrastinações, são críticas para execução dos planoscom qualidade e dentro dos cronogramas previstos.

No que diz respeito à Estabilidade Emocional, esta é relacionada, principalmente, com autoconfiança, autoestima, determinação e sabedoria em lidar com problemas. Estas características são reforçadas naqueles que desfrutam de alegria, otimismo e tranquilidade. Um traço marcante deste fator é a tendência a ser sempre positivo consigo mesmo, ainda que em situações de falhas momentâneas ou de derrotas parciais. O controle emocional permite estimular aspectos de resiliência, combatendo o stress, transformando eventuais “tombos” em oportunidades de aquisição de sabedoria e acúmulos de experiências. São elementos fundamentais para o prosseguimento às fases seguintes em direção ao cumprimento das missões e afirmação positiva da própria personalidade. Uma característica marcante no desenvolvimento deste fator é a percepção de que tanto as situações como as pessoas estão em permanente movimento e transformação. Sendo assim, podemos sempre aprimorar, consequentemente, tornando possível, com serenidade, aprender e crescer de forma contínua.

Acerca de Engajamento e Entusiasmo, sabemos que a capacidade de criar e aprofundar as mais variadas conexões sociais são elementos imprescindíveis naexecução de tarefas de natureza complexa.. Em geral, aqueles com tais características têm acentuado bom-humor e são espontâneos, facilitando liderar pessoas, transformando-seem porta-vozes de opiniões ou demandas. Em resumo, findam logrando sucesso em suas empreitadas por se sentirem confortáveis no trato geral de qualquer tema, com público de qualquer dimensão e em múltiplos contextos.

O fator Abertura a Experiências está associado a comportamentos como curiosidade intelectual, receptividade a novas ideias, tendência para promoção de inovações, criatividade, senso estético e gosto pela harmonia, espiritualidade, marcante conexão com a natureza, motivação pelo novo e desejo de inventividade e apreço pela autenticidade. São pessoas com mentes abertas que aprendem com eventuais erros e obstáculos, que se caracterizam pela vocação à aprendizagem independente, baseada em estímulos à autonomia e emancipação, e pela facilidade em lidar com situações novas, extraindo das mesmas experiências as mais diversas.

Em suma, a taxonomia apresentada e seus detalhamentos não pretendem ser definitivos. Mas, certamente, podem ser úteis,como pontos de partida, no trato deste complexo tema. O passo estratégico seguinte é a construção sistemática de instrumentos de mensuração desses fatores socioemocionais, bem como elencar ações e abordagens educacionais para o estímulo dessas e de outras características em grupos de pessoas ou em cada indivíduo.

*Chanceler da Estácio

 

O difícil no educar

Afonso Rodrigues de Oliveira*

“Cost
umes de casa vão à praça”.

Não sei de onde veio essa frase, mas a ouvi muito, vinda do meu pai, dentro de casa sempre que fazíamos alguma coisinha desigual, dentro de casa, e minha mãe tentava nos proteger. E pra isso bastava sentar à mesa de maneira deselegante. E isso fez uma diferença muito grande nas nossas vidas fora de casa; minha e de todos os meus irmãos. E sabemos como está cada vez mais difícil educar, atualmente. Mas a dificuldade reside exatamente em não conseguirmos seguir o bonde da atualidade, porque continuamos de morcego no bonde velho. As crianças estão nascendo e vivendo no mundo delas. Nós não tivemos esse privilégio. Nascemos, vivemos e fomos educados no mundo e costumes dos nossos pais. E quanto mais nos conscientizamos disso, mais pegamos morcego no bonde do passado. E é aí que, por mais que sejamos orientados, cometemos erros que não cometeríamos no passado; dentro de certos e determinados limites, claro.

Pensei em tudo isso, ontem, quando fui pegar o jornal, no Jornal. Naquela esquina há várias cajazeiras plantadas na calça. Em época de safra há uma quantidade enorme de cajás espalhados pelo chão. Encostada na calçada estava uma bicicleta com uma cadeirinha de criança. Quando dobrei a esquina dei de cara com um cidadão ainda jovem e uma criança de pouco mais de um ano de idade. Pai e filho, com certeza. Quando me aproximei o garotinho parou, olhou pra mim, sorriu, e falou alegre e simpaticamente, erguendo a maõzinha:

– Oiii!!! – Oi, cara… tudo bem com você? Foi um prazer revê-lo. Tenha um bom dia.

Brinquei e saí analisando o que vi. O pai, que não me cumprimentou, estava apanhando os cajás do chão, limpando-os na perna da calça e dando-os para o garotinho que os jogava na boca e começava a mastigar. Uma cena no mínimo preocupante. Aquela criança, com certezavai viver, pelo menos, uma de duas consequências da inconsequência do pai; ou vai, como adulto, continuar apanhando frutas da rua e comendo, ou rejeitando incessantemente o comportamento do pai durante a infância dela.

Mesmo quando aparentemente criticamos os comportamentos dos pais do passado, não podemos ignorar nem rejeitar o que passaram de útil para seus filhos, em termos de civilidade. E nesse trilho caminhamos dirigindo velhos bondes que estão carecendo de reparos a todos os momentos da vida. Estamos sempre tentando corrigir erros praticados na infância, ou por nós ou pelos que os cometeram em nosso nome; e, não raro, em nosso benefício. Uma prestação que os filhos têm de pagar no futuro. Pense nisso.

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