No tempo das cavernas
O que muitos não querem compreender nem aceitar é que boa parte dos estrangeiros que estão chegando ao Brasil, na maioria venezuelanos, vai se estabelecer definitivamente em Roraima, quer as pessoas locais queiram ou não. Mas obviamente existe o estranhamento com o outro, principalmente o estrangeiro, o que é natural do ser humano desde os tempos das cavernas, quando os pré-históricos se matavam pela ocupação do território e pela sobrevivência na disputa por comida.
Porém, não somos mais aqueles dos tempos da pedra lascada, embora existam os que queiram agir desta forma. Evoluímos e alcançamos uma condição humana com todas as ferramentas disponíveis para racionar, se agrupar e cada pessoa pode desenvolver talentos não só para se satisfazer ou tirar proveitos deles, mas também para ajudar os menos favorecidos, os quais, nos tempos das cavernas, seriam eliminados pela própria força da natureza ou na disputa com os mais fortes que também lutavam para sobreviver.
Alcançamos um nível tal que nem sabemos mais o que é felicidade diante da busca pela sobrevivência. Nosso instinto continua dizendo que precisamos ser inimigos para sobreviver diante da luta ingrata não só mais apenas pela subsistência, mas também por tudo, inclusive pelo supérfluo, vaidade ou algo que achemos que ofenda nossa vaidade. E muitos perdem a capacidade de ver no outro a oportunidade de nos sentirmos humanos além do que nossos instintos pré-históricos insistiam em ordenar uma sobrevivência do mais forte.
E, assim, muitos perdem essa capacidade humana evoluída de ajudar os outros por um mundo melhor ou mesmo para nos sentirmos humanos melhores, para nossa própria felicidade e sobrevivência, da mesma forma que encontramos a solução para sairmos da pré-história na luta por espaço e comida. Quem não consegue enxergar no outro mais fraco a oportunidade de ajudar o mundo e a si mesmo perdeu a capacidade evolutiva humana. E aí o mundo passa a correr perigo.
É neste cenário que passamos a viver em Roraima, com a chegada de venezuelanos que fogem da fome no país deles. Muitos brasileiros não conseguem se colocar no lugar deles, como se estivéssemos em nossa caverna, prontos para defendermos um território que achamos ser só nosso, de uso exclusivo e que não pode ser violado de nenhuma forma. Até o prato de comida nem é mais apenas uma sobrevivência, mas um status, uma exclusividade para quem pode, inclusive isso é bem representado numa bandeja colorida dos shoppings, como se fosse um deleite só dos privilegiados. Os fracos, ou seja, os inimigos, é que se explodam!
Assim temos que refletir diariamente sobre a condição humana, para não regredirmos não apenas intelectualmente, mas também na nossa própria essência humana de quem busca uma sociedade melhor, em que os mais fracos possam ser compreendidos e ajudados, e não aviltados mais do que já estão submetidos. Mas os homens e mulheres das cavernas não conseguem enxergar assim. Eles querem luta, eles querem morte ou que seus “inimigos” fujam em disparada do território que eles dizem ser apenas deles. Esse é o DNA da xenofobia, do preconceito e do racismo. Coisas do tempo das cavernas.
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