Regulamentação dos jogos de azar e os impactos no mercado de trabalho
Antonio Carlos Aguiar*
Em tempos de discussão sobre os efeitos da reforma trabalhista, fatos e acontecimentos ligados à corrupção e ausência de ética, que podem até servir para impedir o avanço reformista, torna-se, no mínimo, interessante (e relevante) tratar de assunto de igual destaque e reflexão social: a necessária regulamentação dos jogos de azar no Brasil e os impactos nas relações trabalhistas, até porque esse tema atrai para si ambos ingredientes sociais presentes na ordem do dia: trabalho (e desemprego) e corrupção (gerada pelo submundo da ilegalidade).
Aliás, uma boa pergunta merece ser feita neste sentido, ou seja, se essa proibição ainda tem razão de ser atualmente, uma vez que, independentemente dos aspectos morais e/ou ideológicos que possam estar por trás dessa proibição, a indagação persiste quanto a real efetividade desta medida proibitiva, diante do avanço “sem freios’ (incluam-se aqui os legais) de prática absolutamente equivalente efetivada no Mundo Virtual. Os cassinos e jogos de azar virtuais são um negócio absolutamente real e lucrativo.
O mundo está cada vez mais virtual. E essa transformação atinge também o universo dos jogos de azar. As pessoas, cada dia mais, interagem entre si por meio de dispositivos digitais, bem como com tudo que está ao seu redor: desde transações bancárias até compras em supermercado. Por que seria diferente com os jogos de azar? Logo, elas jogam; fazem suas apostas em cassinos, salas de jogos, tudo on-line. A Internet permite o acesso instantâneo. E isso em qualquer lugar, por meio de computador pessoal, tablet ou smartphone.
Essa propagação virtual e aumento significativo da demanda pelo oferecimento de cassinos digitais têm feito com que vários países autorizem/legalizem os jogos de azar on-line. Os sites de apostas geram muito dinheiro na economia, criando empregos e receitas fiscais. Assim, a rápida e eficaz indústria de jogos de azar on-line espraia-se mundo afora, fazendo com que cada país adote medidas próprias e adequadas, a fim de se adaptar legalmente a esse “novo”. O Brasil, certamente, não ficará de fora dessa roda.
O momento atual exige assim, estratégia e execução para enfretamento deste novo. Uma espécie de conexão em cascata dentro do movimento positivo atual de enfrentamento da corrupção. Portanto, a legalização poderá representar um viés de excelência social muito interessante, que desdobra-se em dois modelos: a) dique de contenção à corrupção advinda da marginalidade; b) criação de uma horda de empregos novos.
Vamos legalizar. A liberdade encontra-se justamente na igualdade que as leis imprimem ao comportamento das pessoas, tratando-as sem diferenciações.
*Advogado, mestre e doutor em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor da Fundação Santo André (SP) e diretor do Instituto Mundo do Trabalho
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A amizade desvaneceu
Wender de Souza Cirício*
Relacionamentos sólidos, amizade permanente, relações consistentes e inabaláveis, amizades genuínas e legítimas estão escassas. Estão revestidas de arranhões, escorregões e distante de possibilidades de acertos e consertos. Essa geração criou paradigmas e forma de vida que debilitaram relacionamentos que antes eram estáveis, maduros e reais. É o século do aqui e o agora, do imediato e do instantâneo. Não se tem tato, sensibilidade e a empatia que davam sustentação às relações duradouras e sinceras desvaneceram.
Alguns anos atrás um homem visitou uma tribo indígena. Nesse local o mesmo conheceu um índio denominado de Enoque. Ambos, nessa visita apertaram as mãos, um pouco de afagos e trocas de palavras. Enoque era um dos poucos, nessa tribo, que falava português. Nesse mesmo contato Enoque pediu o endereço desse visitante. O homem deu o endereço de sua residência, porém, o fez imaginando que dar o endereço jamais resultaria na visita desse índio em sua casa. Afinal um vivia na mata e outro no meio urbano. Dar o endereço soava indiferença e qualquer risco de um contato surpresa. Alguns meses se passaram e numa inesperada tarde, em pleno meio urbano, em frente à casa desse homem, estava o índio Enoque batendo palmas e esperando ser atendido. Numa atitude meio paranoica o homem se viu inseguro como se estivesse diante de um animal que o atacaria e o surripiasse de todos seus bens e conforto. Antes de falar com índio ligou para algumas pessoas perguntando sobre o que fazer e como agir. Conhecidos, de modo evasivo, sugeriram que ele agisse como lhe fosse melhor. Em seguida abriu a porta, com os dentes cerrados e punhos fechados e na defensiva perguntou o que Enoque desejava. O índio de modo inocente disse: “Estou na cidade, vim trazer minha filha doente para tratamento médico, ela está em estado de coma. Resolvi passar em sua casa para cumprimentá-lo e dizer que estou atrás de amigos, posso ter você como amigo?”. Aquele homem “armado” e na defensiva ficou desconcertado, sem chão e sem norte. Enoque não foi atrás de bens, de dinheiro, foi atrás de um amigo.
A situação descrita acima revela várias questões ligadas ao desgaste que o termo amigo e amizade tem sofrido nesses tempos atuais. Podemos didaticamente enumerar algumas como: primeiro a inversão de valores. Os valores no mundo contemporâneo se voltaram para bens, objetos e coisas. As pessoas estão preocupadas em consumir, construir e adquirir bens materiais. Essa ganância por bens e coisas é a prova da inversão de valores. As coisas, que aliás, se enferrujam e se decompõe, são mais urgentes e importantes do que pessoas, do que relações sólidas e duradouras. Construímos casas com muros altos, sistemas de segurança quase infalíveis em detrimento de conhecer o homem, a mulher e família que mora ao lado. O conforto, os bens e o glamour falam mais alto do que querer conhecer o outro que tem pele, sangue e alma.
Segundo fator pode ser classificado como a troca do altruísmo pelo egoísmo. Uma amizade legítima exige renúncia e entrega. Poucos estão dispostos a pagar esse preço. Para que olhar o doente? Que importância tem o faminto? Dane-se o pobre e “lascado”? A casa ao lado pegou fogo deixa queimar, afinal não nos pertence. Enfim estamos embriagados de nós mesmos. Isso se chama egoísmo. Nesse clima e no cultivo desse elemento jamais caberão amizades puras e ricas de altruísmo. Lendo um jornal me impressionei com um rapaz bem definido financeiramente que construiu em sua bela casa uma piscina de 25 metros de comprimento com apenas uma raia para ele sozinho nadar sem qualquer interferência. Estamos assim: frios e distantes.
Um terceiro fator chama-se indisponibilidade de tempo. O mundo tornou-se rápido, incontrolável quanto ao tempo. Em minutos estamos velhos, acabados e estressados. Amizade exige disponibilidade de tempo e num mundo com os traços já citados não cabe gastar tempo com o outro. Tornamo-nos uma ilha, distantes e isolados como se fossemos únicos, apenas e solitários. Estamos extremamente concentrados em nós mesmos, em nossos interesses. Não resta tempo para ouvirmos o grito de socorro e a angústia do outro, do próximo e do vizinho.
Existe solução? Existe a possiblidade do
resgate? De estabelecer alianças, pactos de amizades no âmbito do sólido, do verdadeiro e do duradouro? Sim, existe. Saiba que pessoas não são ilha, pessoas precisam de pessoas. O tempo explica que às vezes estamos por cima, vacas gordas, porém às vezes estamos por baixo, vacas magras e nessas horas aprendemos sobre o enorme tamanho do outro que um dia foi tão finito, pequeno e insignificante para nós. Estabeleça metas e propósitos de fazer e dar o melhor pelo outro. É claro que isso tem um preço, porém esse preço é viável e cabendo dentro de seu potencial, de seus talentos doe-se.
Pegue um objeto, seja ele qual for, olhe bem para esse objeto e lembre que um dia ele irá se enferrujar e não irá valer um centavo sequer, diferente de uma amizade que mesmo na simplicidade pode ser para sempre. Amizade é qualidade.
Um prefeito de uma pequena cidade não contemplou tudo que seus eleitores esperavam do mesmo, porém algo feito por ele marcou a cidade para sempre. Ele foi ao cemitério e ali colocou uma placa dizendo: “aqui somos todos iguais”. Essa frase significa: não existe ninguém melhor do que ninguém, todos são humanos e humanos, mesmos com defeitos, são sempre humanos. Aprenda, então, valorizar o outro. O outro tem história, identidade, tem nome.
*Professor licenciado de história, teólogo e psicopedagogo. E-mail: [email protected]
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Pense neles
Afonso Rodrigues de Oliveira*
“Mais o que é que eu sou? Sou uma coisa que pensa.” (René Descartes)
Você se sabe um animal racional. Mas ainda comete o erro de considerar os demais animais, como irracionais. O que faz de você um racional com pensamentos irracionais. Por que eles são considerados irracionais se apenas estão no seu grau de evolução racional? Ou você pensa que eles não pensam? Mas vamos falar sério. Você já prestou atenção ao comportamento dos cachorros? E não estou me referindo aos bonitões que os famosos racionais criam e os tratam como bonecas de vitrine. Refiro-me aos cachorros de quintal e aos de ruas. Cara… Já vivi experiências notáveis com eles.
Acho que já lhe falei daquele que me estranha. Sempre que eu passava pela calçada dele, ele rosnava pra mim. E, tolamente, eu falava: “Se você me morder eu arranco seus dentes”. Ele parava de rosnar e ficava na dele. Até que numa tarde quando eu passava, ele rosnou e eu lhe falei o costumeiro. Ele ficou na dele e eu segui caminho. Só que, ele levantou-se sutilmente, sem eu perceber, avançou e mordeu meu bumbum. Arranhou meu traseiro e arrancou o bolso da minha calça. Virei-me, e ele correu. Entrou pelo portão da casa, deitou-se com a barriga no chão e ficou me olhando como se me chamasse de idiota. E foi como eu me senti. Só olhei pra ele e sorri. Com certeza ele entendeu tudo.
Tenho cinco cachorros no meu quintal. Não são meus, mas cuido deles. São três fêmeas e dois machos. Você nem imagina a farra que eles fazem quando chega a hora de eu lhes dar a ração. Mordem os dedos da minha mão e batem nas minhas pernas como se quisessem me agradar. E o que me trouxe a esse papo é que tive que prender as três fêmeas porque elas entraram no cio, todas ao mesmo tempo. E você nem imagina o rebu que os machos estão fazendo, por não poderem fazer nada. Elas estão presas.
O mais interessante, nisso tudo, é que uma das fêmeas é desse tamanhozinho. Parece mais um gato de orelhas pontiagudas. Late mais do que os outros quatro juntos. Sempre que alguém chega ao portão, os outros correm para o canil, mas ela continua latindo e com o rabinho vibrando como se num sinal de alerta. Divirto-me pra dedéu. Mas fiquei chateado por ter que prendê-la, por conta do cio. Ainda há pouco fiquei olhando pra ela e imaginando como ela seria quando prenha. Quantos ratinhos caberiam naquela barriguinha? E como ela cuidaria deles depois dos nascimentos? Sei lá? Mas gostaria de presenciar. Seria importante que começássemos a observar a marcha da evolução entre os considerados irracionais. Mas sem essa fantasia da bonequinha peluda. Vamos evoluir. Pense nisso.
*Articulista
99121-1460