Ir e vir dentro das cidades- Marcus Nakagawa*
Vivo em uma grande cidade no Brasil e utilizo o transporte público, mas sem muita comodidade e segurança. Para chegar até a estação do metrô ou ao ponto de ônibus, muitas vezes o corredor é lotado e parecemos um bando de pinguins marchadores ou ainda um monte de bois no confinamento indo para o abate. Sim, parece meio catastrófico, porém, o pior é que nos acostumamos com isso.
Achamos normal estar no trânsito durante muito tempo, ou ainda, ter calçadas que parecem verdadeiras pistas de corridas de aventuras com buracos, lixo, pessoas, fezes, enfim, grandes obstáculos.
Isso sem falar da ampliação das dificuldades para as pessoas que têm mobilidade reduzida e outras deficiências. Temos, sim, pontos, calçadas e avenidas já preparadas, mas, comparativamente ao total, é uma porcentagem muito pequena.
A necessidade de calçadas padronizadas, lisas e bem cuidadas e de responsabilidade compartilhada entre os cidadãos e as prefeituras é outro ponto importante nessa discussão.
O transporte subterrâneo, como o metrô, pode ser um investimento muito alto para algumas cidades, mas o que aprendemos com estes grandes eventos que o Brasil sediou nestes últimos anos foi a importância dos veículos leves sobre rodas e os veículos leves sobre trilhos que começaram a funcionar em algumas cidades juntamente com os corredores exclusivos. Ainda dá um trabalho para implementar, não deixa de ser um investimento alto, porém o retorno a médio e longo prazo para a mobilidade é muito interessante.
Os carros próprios que as pessoas estão colocando para alugar e o serviço de passageiro por meio de carros compartilhados juntamente com a alta tecnologia dos aplicativos é outra maneira de tirar carros das ruas e deixar o trânsito fluir melhor. Ah, sem esquecer também das bicicletas compartilhadas, que os grandes bancos viram isso como uma plataforma de comunicação de suas marcas e de solução de mobilidade para algumas cidades, tal qual o apoio e patrocínio dessas empresas a ciclofaixas, ciclovias e ciclorrotas.
Pois é, não existe somente uma solução milagrosa para a mobilidade urbana, que ainda possui o agravante da batalha das vendas de carros e de combustível, os grandes pilares da nossa economia brasileira.
Não quero fazer aqui o papel de um urbanista, ecochato, arquiteto ou engenheiro de tráfego, sou apenas um cidadão que também sofre no dia a dia com a falta de mobilidade urbana e que sonha, ensina e escreve para poder ter mais tempo com a família e ter o direito de ir e vir com mais segurança e conforto. Vamos buscar estes direito juntos?
*Sócio-diretor da iSetor; professor da graduação e pós da ESPM
A tentativa de desconstruir Deus:Parte 1- Wender de Souza Ciricio*
A história desvenda segredos, nos conta fatos bons e ruins, descreve o passado facilitando, assim, uma interpretação mais clara, concisa e consciente do presente para, através disso, se tentar evitar maiores danos no futuro. Sendo assim, filtrar o mundo pelo viés da história faz da mesma um patrimônio essencial exigindo o encontro inevitável do mundo de hoje com o mundo passado. Sem isso, haverá recalques, limitações e argumentações frágeis e estúpidas.
Essa referida história nos leva aos pés de Deus, o Deus tão pregado, ovacionado por muitos e hostilizado por outros. Ele foi e é alvo de adoração, polêmica e rejeição. A história conta que a evidência maior de Deus se deu através da presença de Jesus Cristo nesse mundo. O discurso sobre Deus proferido por Jesus foi tão estridente que ecoou em todo Império Romano, alcançando um enorme número de seguidores. A poderosa palavra de Jesus fez balançar estruturas religiosas preexistentes e até a estrutura econômica da Roma antiga, pois ela dependia de escravos e da subserviência ao imperador tido como objeto de adoração. O cristianismo estabelecido por Jesus combate discriminações e apela para servir um Deus único. Isso era intolerável para as autoridades romanas. Sendo assim o que restou foi, dentro do contexto romano, descontruir o Deus proclamado por Jesus Cristo. Na tentativa de diminuir e desfazer a potência cristã, a ferramenta usada foi a perseguição e matança de vários cristãos. Para calar e fazer diminuir o número de cristãos, estabeleceram métodos cruéis e sádicos de extermínios, como colocar seguidores do cristianismo em arenas para lutar com gladiadores e animais ferozes. Muitos morriam debaixo de risos e chacotas nas arenas romanas.
Ainda no contexto romano, para frustração de muitos, essa estratégia de desconstrução não vingou, pois quanto mais cristãos assassinados, mais pessoas afluíam para o cristianismo. Imagina-se que somente morre por uma causa se essa mesma causa valer a pena. Um imperador notando isso seguiu o lema: “se não podemos com o inimigo, trazemos o inimigo para nosso lado”. Assim agiu o imperador romano Constantino, assinando no ano 313 o Édito de Milão, em que se proibia a perseguição aos cristãos. O imperador Teodósio, de forma mais audaciosa, determinou via Édito de Tessalônica, no ano 380, que o cristianismo deveria ser a única religião do Império Romano. Isso pôs fim ao politeísmo presente em Roma e deixou claro que de Deus não se desfaz.
Sem cutucar ou mexer em estruturas religiosas, o período medieval deixou um legado meio duvidoso sobre Deus. Ele era mau ou bom? Qual status Deus ganhou nesse período? Sem poder questionar e receosos do tribunal da inquisição, muitos, gostando ou não, aderiram ao Deus do cristianismo. Pela força e por alguns discursos de excelentes teólogos, como Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino, o nome de Deus foi mantido nas mentes contemporâneas a esse período. O teocentrismo, a despeito de qualquer situação, venceu e sobreviveu.
Seria bom ou ruim se nesses contextos históricos mencionados o Deus anunciado fosse descontruído? O conteúdo ou a mensagem derramada pela boca dos seguidores trouxe prejuízo para humanidade? Outras propostas conseguiriam dar coerência ética, moral e espiritual para homem, mulher, famílias e instituições? A história, até então, prova que não se consegue descontruir Deus. Por mais que sistemas, pessoas, segmentos e outros gritem contra o nome de Deus, sua essência e seu discurso jamais desfalecerão. Ainda bem, penso assim. Continuaremos…
*Teólogo, historiador e psicopedagogo [email protected]
Falando sobre pessoas-Oscar D’Ambrosio*
Imagine todo dia você acordar num corpo diferente, mas mantendo a consciência de quem você é. Essas transformações permitem ter uma rica visão multifacetada do mundo e, ao mesmo tempo, ser muitos significa não ser ninguém de verdade.
Essa questão é colocada no filme ‘Todo dia’. A direção de Michael Sucsy toma como ponto de partida o romance ‘Everyday’, de David Levithan. Não se trata de texto ou cinematografia brilhante, mas de um assunto que tem o seu charme e atualidade, pois, numa era de intolerância sob diversos aspectos, entender que os mesmos valores positivos podem estar sob diferentes ‘cascas’ é um exercício.
A tradicional discussão de essências e aparências é tratada de maneira superficial, numa perspectiva adolescente, mas, justamente por isso, o filme funciona. Não existe a pretensão de ser fil
osófico ao abordar a questão. Há a sincera intenção de contar uma história de amor, o que não é pouco num mundo repleto de mensagens de ódio.
‘Todo dia’ é apenas o que parece ser. Trata, com delicadeza, de uma pergunta assustadoramente complexa: como podemos manter as pessoas queridas perto de nós mesmo quando isso parece impossível? Como aprimorar a habilidade de sermos nós mesmos e respeitar o outro?
Um dos personagens, que se dedica à pintura de retratos após perder o emprego numa seguradora, questionado sobre por que escolheu esse assunto, apenas diz que “pinta aquilo que conhece e que está ao seu redor”: pessoas. Talvez seja isso que falte ao mundo contemporâneo: falar de verdade para quem e sobre quem nos rodeia: seres humanos, lindos e falhos em suas fortalezas e fraquezas.
*Mestre em Artes Visuais e doutor em Educação, Arte e História da Cultura, é Gerente de Comunicação e Marketing da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
O caderno indestrutível – Afonso Rodrigues de Oliveira*
“No Brasil, só há um problema nacional: a educação do povo.” (Miguel Couto)
Ou nos atentamos para o Miguel Couto, ou vamos continuar nadando em águas turvas. O problema é universal, claro. Mas estamos no Brasil e isso é o que importa. Na verdade, nunca soubemos educar. E isso porque nunca fomos educados corretamente. Continuamos “educando” para o momento, quando deveríamos educar para o futuro. Estou ficando chato com esse assunto, mas tenho dois exemplos notáveis, e recentes, que nos mostram a verdade. Dos anos quarentas para cá, apenas trocamos a palmatória pelo grito. Duas coisas que nunca educaram nem educarão. Ainda não somos cidadãos e não sabemos dizer aos nossos filhos que eles devem fazer o bem, por dever e não por obrigação.
Dia desses, fiquei observando o movimento ali na praça. Os jovens estavam saindo do colégio. Quando passavam ali em frente, uma jovem vinha conversando com o colega e desfolhando um caderno. De repente, ela atirou o caderno sobre a grama da praça. Seguiram normalmente. O caderno permaneceu ali até que as chuvas chegaram. Passaram-se dias chovendo e o caderno ali. As chuvas se foram e o Sol chegou abrasador. O caderno secou, mas continuou ali. Semana passada, o pessoal da prefeitura chegou num verdadeiro aparato para a limpeza da praça. Foi um dia intenso de trabalho e barulho de máquinas. Final de tarde, barulho terminado, praça limpinha, crianças brincando nos balanços, muita alegria. Cheguei à varanda, fiquei feliz com a limpeza e não pude deixar de rir. O caderno continuava ali. E continua já bem sujinho, mas do mesmo jeito como a garota o jogou. E olha que já faz um mês.
O assunto pode parecer tolo, mas é importante, se levarmos em consideração o prejuízo que a falta de educação pode nos trazer, mesmo quando nem a percebemos. Nem imaginamos o problema que temos com a falta de educação na humanidade. E não basta que fiquemos centrados nas barbáries, crimes e tais. Estes fazem parte do desenvolvimento humano. Alguém já nos disse que: “A educação é como a plaina: aperfeiçoa a obra, mas não melhora a madeira.” Mas somos obra no desenvolvimento da humanidade. E como tal é necessário que aperfeiçoemos a obra porque ela pode resguardar a madeira. Aquela jovem que atirou o caderno sobre a grama da praça passa por ali todas as tardes, quando sai do colégio. E, com certeza, nunca deu atenção à barbárie que praticou, com o mau exemplo que, certamente dará, em outros acontecimentos, aos filhos que ela deverá educar.
Não tenho mais espaço para o segundo exemplo a que me referi no início desse papo. Fica pra amanhã. Pense nisso.
*Articulista [email protected] 99121-1460