A última carta que recebi – Roberta D’Albuquerque
Recebi uma carta na semana que passou. Um envelope embaixo da porta do consultório escrito à mão. A caligrafia caprichada usava meu nome do meio e tive a sensação de voltar no tempo, pela carta e também pelo Monteiro – nome que adotei nos meus anos de escola.
Coincidentemente (como se coincidências existissem), abri uma caixa de recordações no fim de semana por ocasião de uma mudança de guarda-roupa, assunto para um outro texto. Fato é que na caixa, encontrei uma troca grande de correspondências que mantive com minha mãe no ano em que morei fora. Era ainda Roberta Monteiro quem escrevia.
E como escrevia com dificuldade essa menina. Fiquei impressionada com a quantidade de erros ortográficos, erros de concordância, com a falta de parágrafos, de pontuação. Havia, aqui ou ali, uma tirada espirituosa, uma construção mais elaborada, mas no geral eram notícias curtas, que podiam até ser bem-intencionadas, mas não davam conta do que de fato se passava naquele ano de 1994.
Tenho ainda lembranças muito vívidas da experiência e senti não ter podido dividi-las com minha mãe. Talvez não me passasse pela cabeça a ideia de que ela estivesse interessada em ouvir o que eu pensava ou sentia enquanto os dias eram vividos. As cartas ficavam na descrição dos fatos que hoje parecem ter uma importância secundária. Uma pena.
O efeito desses acontecimentos é o que merecia registro. Um registro mais atento, mais bem-cuidado. Tive o desejo de jogá-las fora, e de assim apagar tanto o português sofrido, quanto o equívoco da escolha do que era escrito. Que dificuldade temos com o que não diz de nós o que gostaríamos de ouvir, não é?
Pois bem, a carta do consultório. Nem preciso dizer que a abri com grande curiosidade, esperando algo no campo do sentir e do pensar, certo? Certo. E era. Uma reclamação da vizinha que atende na sala logo abaixo da minha. Meu ar-condicionado pinga e atinge a sua janela que está sempre aberta. Ela contava da frustração de ter o vidro molhado dia após dia, contava de seus inúmeros pedidos para que o porteiro me passasse esse recado, falava de como a cidade está cada vez mais quente pelo uso exagerado de tal aparelho e como as pessoas enfrentam dificuldades para se comunicar mesmo com quem está a poucos metros de distância. Mais do que uma reclamação, era um coração aberto para uma desconhecida que vinha lhe causando incômodo.
Retornei a carta com uma ligação, prometi e chamei o técnico imediatamente. Nossa questão está solucionada e a vizinha tem, agora, minha simpatia e admiração. Há de dar conta de olhar para os erros, de comunicá-los, eles dizem sobre nós. A vocês, escrevo sobre os efeitos das correspondências de janela aberta (simbólica e real), enquanto retorno as cartinhas do intercâmbio para a caixa. Sigamos com vento no cabelo.
*Psicanalista
Inclusive… – Walber Aguiar*
“Qualquer dia amigo, a gente vai se encontrar.” (Milton Nascimento)
Eram duas e meia da tarde. Estava indo para um compromisso não sei com quem, não sei aonde. Só sei que parei à sombra de uma árvore e decidi ir lá na farmácia do seu Zé Francisco. Algo me puxava na direção daquele ambiente agradável. Até porque, ali encontraria pastor Raimundo, um dos negros mais maravilhosos que tive o prazer de conhecer.
Estacionei naquele balcão e logo fui guindado na direção da discreta sala de atendimento da farmácia. Ali, o grande homem das palavras e do conhecimento, das injeções e do sorriso enigmático, revelaria segredos e coisas do cotidiano, delírios e desejos de que as coisas continuassem daquela forma ou melhorassem um pouco.
Mas ele estava sempre satisfeito. Ou não. Nômade que era, gostava de estar em constante mudança; principalmente de casa. Morou no Pricumã, no velho bairro de São Francisco, no Centro e até nas proximidades do beiral, o famoso Caetano Filho.
Mudava-se constantemente. Sempre em busca de novos horizontes, de boas notícias, de uma boa conversa, de algo que pudesse tirá-lo daquela rotina cheia de seringas, feridas e males que atormentavam o corpo e a alma;
Ora, pastor Raimundo, um negro de Tomé-Açú, no Pará, era o evangelista, o anunciador das boas novas, o médico de todas as doenças. Tinha sempre uma ideia na cabeça e um vidro de remédio na mão. Falava muito e conversava termos variados, como quem tergiversa e não chega a amarrar as pontas soltas do diálogo.
Naquela tarde eu não fui mais ao compromisso, encantado com as palavras do grande homem que se postara à minha frente. Conversamos sobre matemática e terminamos montando um mosaico filosófico, que ia dos pré-socráticos a Nietzsche, de Platão a Jean-Paul Sartre.
Aquele homem feito de ébano e possuído por uma fragilidade de asa de borboleta, sempre me deixava fascinado pela gama de conhecimento que possuía, pela sabedoria com as palavras e com os gestos.
Sempre penso nele com carinho; no dia que entrei cedo na farmácia e saí mais de seis horas da tarde. Poucas pessoas me encantaram tanto nessa vida como aquele homem negro, simples e de educação ímpar.
Mas gostava mesmo quando ele dizia: inclusive, encompridando a conversa…
*Advogado, poeta, historiador, professor de filosofia e membro da Academia Roraimense de Letras. [email protected]
A verdade não é subjetiva – Marlene de Andrade
“Ai dos que ao mal chamam bem, e ao bem mal; que fazem das trevas luz, e da luz trevas; e fazem do amargo doce, e do doce amargo!” (Isaías 5:20)
É moda crer que existe a verdade relativa, conceito equivocado, pois quando algo é verdade não há como questioná-lo. Neste contexto há quem afirme que assalto tem uma lógica. E o oxigênio? Ele existe? Mas como se não o vemos? Precisamos dele? Ou isso é relativo? Claro que não, pois sem ele morremos. Então existem verdades e quando algo é verdade não pode ser relativizado.
No século passado, os protestantes eram vistos como sendo pessoas anormais e irracionais, mas hoje isso mudou, pois muitos cristãos foram aderindo o relativismo, o qual tem a ver com a confusão na qual o mundo se envolveu e tomou conta de muitas pessoas. Nesse viés, podemos citar a questão do aborto, o qual alguns crentes acham que ele pode ser praticado, visto que o ser que está sendo gerado é somente um grupo de células, o que não é verdade, pois desde a concepção o embrião já possui DNA que o caracteriza como sendo um ser humano diferente de qualquer outra pessoa.
Outro exemplo importante é o da família tradicional que também não pode ser relativizada, ou seja, homem casa com mulher e gera filhos e o que for diferente desse modelo, está obedecendo à filosofia relativista. E a moral? Ela pode ser relativizada conforme as culturas? Tem culturas que aceitam que o homem possua várias mulheres, mas essa não é verdade que a moral e os bons costumes aceitam, pois poligamia é uma aberração.
Infelizmente, o relativismo se infiltrou dentro das universidades, escolas de nível médio e dentro das igrejas e por isso não podemos nos esquecer de que relativizar as verdades c
om ideias não verdadeiras tem consequências catastróficas, pois a moralidade é sempre objetiva e não relativa.
Os relativistas jogam a moralidade objetiva na lata do lixo e ficam vivendo em cima de padrões escusos e muitas vezes ferindo a moral e os bons costumes. No relativismo tudo pode e tem uma lógica, pois até o pai ser esposo da filha é possível.
Outra situação, a qual muito me chama a atenção, é que o relativismo mina os bons costumes e nós como pais e avós devemos ficar muito antenados, pois muitas escolas ensinam que tudo é relativo e que o padrão da família tradicional já era, e nesse raciocínio tudo vale. E para concluir cito João 8:32: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”
*Médica Especialista em Medicina do Trabalho/ANAMT – CRM/339 RQE 431
Na gangorra da política – Afonso Rodrigues de Oliveira
“Há duas maneiras de perder a liberdade: quando os bobos são ludibriados pelos patifes, e quando os fracos são subjugados pelos fortes.” (Voltaire)
Ainda há um nó górdio na política brasileira: a falta de educação do povo brasileiro. E só. Porque só quando formos um povo educado seremos capaz de entender a política como ela realmente é. Ainda vemos a política como uma maracutaia para os espertos. Quando na verdade, a política é coisa muito séria e que precisa ser levada a sério. Talvez por isso, ela, a política, não esteja inserida na grade da educação. Nunca teremos políticos de verdade, na política, enquanto não formos educados politicamente. Simples pra dedéu. Ainda consideramos como um bom político o malabarista da malandragem.
Vamos acordar como candidatos à cidadania, para que possamos, um dia, sermos cidadãos de fato e de direito. Porque ainda não o somos. Ainda vivemos presos e acorrentados à nossa própria ignorância política. “Ainda temos bons políticos, mas não temos mais estadistas.” infelizmente os bons políticos estão fora da jogada. Os maus políticos não os deixam trabalhar. E eles acabam se tornando marionetes dos vilões da política. E para estes, quanto mais incompetentes enviarmos para a política, mais os protegeremos. Os programas alardeados para reformas na Educação estão me parecendo conversa pra boi dormir. Mas mesmo assim vamos fazer nossa parte. Vamos colaborar dando nossa ajuda na caminhada hercúlea para as mudanças.
Somos um País continental. Uma população que nos engrandece. Mas não estamos fazendo nosso papel como ele deve ser desempenhado. Continuamos num procedimento arcaico, como se ainda fôssemos aquele povo que ficava detrás da porta esperando que os outros fizessem, para imitá-los. Mas não só parece. Continuamos os mesmos. Ainda não somos capazes para nos desenvolvermos como cidadãos de um País “Colosso imenso, gigante de coração de ouro e músculos de aço.” Pelo que vejo, estamos perdendo nosso orgulho pela Pátria que temos. E não conseguiremos o retorno enquanto não nos preocuparmos, de verdade, com nossa Educação.
Vamos mudar nosso rumo em direção à política. Vamos vê-la como ela realmente é, e não como a vemos no balaio da nossa ignorância política. Vamos votar em candidatos realmente preparados politicamente para nos representar com dignidade. Vamos nos educar para que mereçamos o voto facultativo, sem o qual não seremos cidadãos. Ainda votamos por obrigação quando deveríamos votar por dever de cidadãos. E só a Educação nos libertará. Vamos em frente, em busca da nossa cidadania. Pense nisso.
*Articulista [email protected] 99121-1460