Em Busca do Desconhecido – Paulo Eduardo de Barros Fonseca*
Tudo aquilo que foge da esfera de percepção material recai no misterioso, no desconhecido. Isso acontece porque, apesar dos avanços da sociedade moderna, o homem ainda é embrutecido espiritualmente e muitas vezes só consegue verificar o que é falso ou verdadeiro analisando o elemento concreto, palpável, perceptível para os sentidos do corpo.
Quase sempre as situações da vida são encaradas num contexto materialista e simplista porque as pessoas deixam de se colocarem à disposição para perceber as coisas de um modo global. Porém, o que nos parece enigmático é mais natural do que imaginamos. Shakespeare, em Hamlet, disse que “existem mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia”.
Dito isso, é de se indagar: que tal permitir-nos olhar a natureza que nos cerca e sentirmos a presença de Deus?! Ora, se em razão do nosso desenvolvimento espiritual e ante a obscuridade que a matéria nos causa não nos é dado compreender a natureza íntima de Deus, sem qualquer dúvida, podemos senti-lo em suas obras.
O canto dos pássaros, o perfume das flores, a beleza do sol, dentre tantas outras obras que a natureza produz, penetram em nossos espíritos levando-nos diretamente à inteligência suprema, causa primária de todas as coisas. É incontroverso que se Deus não se mostra Ele se revela em suas obras.
Por mais rudimentares e materialistas que as pessoas possam, ser duvidar da existência de Deus é o mesmo que negar que todo efeito tem uma causa e avançar que o nada pode fazer alguma coisa (Livro dos Espíritos, perg. 4).
Assim, a busca constante do conhecimento é e será um eterno continuun que nasceu da primeira indagação do homem sobre a natureza e depois sobre a vida e sobre ele mesmo, mas que, inevitavelmente, o levará a Deus. Santo Agostinho já ensinou que “ninguém ama o que não conhece”.
Num claro chamamento do homem à reflexão, Mateus já dizia “felizes aqueles que têm ouvidos de ouvir e olhos de enxergar” (Mateus 13:9), incitando um despertar de consciência, de modo que a humanidade, desligando-se um pouco do ser material, possa favorecer seu amadurecimento espiritual ao propiciar que as luzes da sabedoria divina sejam irradiadas livremente para todos.
*Vice-presidente do Conselho Curador da Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho, mantenedora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
O homem que imitava passarinhos – Rodrigo Alves de Carvalho*
Aos 45 anos, quinzinho morava na roça. Nunca tinha saído de lá e gostava da vida pacata, e ao mesmo tempo sofrida, do campo. Como não era casado e sua mãe velhinha vivia doente na cama, Quinzinho não tinha ninguém para conversar e por isso assoviava.
Assoviava o dia inteiro, cuidava da plantação de mandioca assoviando, lidava com os animais assoviando e o mais curioso, conversava com os passarinhos assoviando.
Aprendeu dezenas de pios iguaizinhos aos pássaros que apareciam na roça. Quinzinho assoviava igual um Trinca Ferro e o Trinca Ferro respondia; assoviava igual a um Bigodinho e o Bigodinho respondia, enfim, todos os passarinhos conversavam naquela linguagem melódica das aves.
Quando sua mãe faleceu, Quinzinho não quis ficar na roça, foi para a cidade, arrumar um emprego e principalmente realizar seu sonho que era casar.
Tudo o que levou para a cidadezinha foi o pouco dinheiro da venda de seu pedaço de terra e um vasto repertório de assovios de pássaros.
Não demorou muito para que os moradores percebessem aquele homem um tanto estranho que não parava de assoviar um só minuto.
Sua fama chegou quando se apresentou na rádio da cidade imitando os mais diversos cantos das aves da região. Recebia até pedidos por telefone para imitar Canarinho, Pintassilgo, Sabiá, Pássaro Preto, Coleirinha e muitos outros.
Passou a ser conhecido como Quinzinho Passarinho e por causa de seu talento conseguiu um emprego como varredor de rua.
Desde a manhãzinha até o entardecer, Quinzinho varria as ruas e assoviava igual passarinho. As pessoas não ligavam muito, mas a criançada fazia a festa pedindo que imitasse os mais improváveis pássaros e Quinzinho é claro, imitava.
Foi varrendo a rua e assoviando que conheceu Consuelo, uma viúva de 52 anos que sempre saía na porta de sua casa quando escutava o assovio e oferecia um copo d’água para o assobiador.
Começaram com uma conversa tímida, intercalada com um assovio aqui e outro ali, porém poderiam se considerar enamorados.
Dessa feita, todo dia Quinzinho parava por alguns minutos, dava um beijinho no rosto da senhora e voltava à sua vassoura com o assovio mais alegre ainda.
Tudo ia bem, decidiram juntar os trapos e morarem juntos como duas Rolinhas apaixonadas. Entretanto, o filho mais velho de Consuelo não aceitava a união de sua mãe com Quinzinho, dizia que o homem era louco, um débil mental e não queria ver a mãe motivo de chacota na cidade como estava acontecendo.
O romance acabou quando o filho de Consuelo e Quinzinho saíram no tapa e devido aos longos anos na roça e à sua força física avantajada, Quinzinho acabou derrubando o rapaz com um só soco, quebrando o maxilar do coitado. Devido a esse ato violento foi preso e ficou alguns dias atrás das grades.
Seu assovio se tornou melancólico, triste, igual a um passarinho preso numa gaiola.
Foi solto, mas teve que prometer não arrumar confusão. Consuelo foi leveda pelo filho para outra cidade onde morava e com isso Quinzinho se tornou novamente um pássaro solitário.
Parou de trabalhar, parou de se cuidar e vivia de esmolas das pessoas que apreciavam os cantos das aves quando passavam por alguma esquina e o encontravam triste a assoviar.
Fazia longas caminhadas pelas matas conversando com os pássaros como fazia nos tempos da roça. Talvez cantando a dor de um coração quebrado pela indiferença dos homens.
Pode-se dizer que Quinzinho Passarinho virou passarinho de verdade porque só vivia no mato, em cima das árvores, assoviando e conversando com os Sabiás, Juritis, Rouxinóis, Azulões e outros passarinhos.
Coincidências à parte, morreu como passarinho, quando levou um balaço no peito de um caçador que jura ter confundido Quinzinho com uma Pomba do Ar.
*Nascido em Jacutinga (MG). Jornalista, escritor e poeta possui diversos prêmios literários em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas. Em 2018 lançou seu primeiro livro individual intitulado “Contos Colhidos” pela editora Clube de Autores.
Questão de educação – Afonso Rodrigues de Oliveira*
“Educai as crianças para que não seja necessário punir os adultos.” (Pitágoras)
Às vezes fico feliz ao assistir comportamentos exemplares de crianças atuais, em relação à educação. Mas caio na decepção em relação ao co
mportamento de adultos que não foram educados. E a educação não está ligada à épocas. Os costumes, sim. Então vamos nos educar para termos bons costumes. Ontem ouvi uma adolescente, falando, pela televisão, que não joga lixo nas ruas. Que até mesmo o papel da balinha que ela consome quanto está na rua, coloca-o no bolso para jogá-lo na lixeira. Não sou nenhum exemplo de comportamento excelente, mas é o que sempre fiz, desde minha infância.
Já falei pra você, aqui pela Folha, do exemplo que mais me fortaleceu nesse estado, da educação. E o mais importante foi a simplicidade no exemplo. E como ainda quase adolescente, adotei o exemplo na simples observação. Foi logo no final da Segunda Guerra Mundial. Os norte-americanos estavam deixando o Brasil e voltando para os Estados Unidos. Já lhe falei disso. Foi quando eu estava na calçada de minha casa e dois homens e uma mulher, norte-americanos, vinham pela rua. De repente, a mulher tirou alguma coisa de dentro da bolsa. Desembrulhou o objeto pequeno e amassou o papel da embalagem. Ela olhou para as calçadas e não viu o que procurou. Manteve o papel na mão. Quando, passando por mim, ela olhou para dentro de um bar, em frente à minha casa. Ela viu uma lixeira pequena junto da sinuca. A mulher foi até o bar, entrou e jogou o papel dentro da lixeira.
Fiquei minutos encantado com o comportamento da mulher, e observando-os enquanto caminhavam conversando pelo meio da rua sem movimento. Um exemplo simples que nunca saiu de minha cabeça, durante tantas décadas, e nunca sairá, enquanto eu existir. Os bons exemplos têm o mesmo poder para os que estão preparados para observá-los. E é na observação que aprendemos com eles. E a preparação está no lar. Porque é no lar que educamos nossos filhos para aprenderem no dia a dia, na Universidade do Asfalto. Porque é nela que está a prática. E é com esta que edificamos o que construímos em nós mesmos. Vamos educar educando-nos para que possamos construir uma sociedade mais edificada na educação. Estamos vivendo o mundo moderno calcado no mundo troglodita. Talvez estejamos nos preparando para o próximo dilúvio. Quem sabe? O aumento populacional não significa progresso. E se não podemos evitá-lo, que façamos nossa parte para o seu aprimoramento. Você pode. Pense nisso.
*Articulista [email protected] 99121-1460