Opinião

Opiniao 04 11 2019 9228

Fazer o certo nem sempre é fácil…

Linoberg Almeida*

Pode parecer óbvio, mas fazer a coisa certa num mundo de ponta-cabeça dá um trabalhão. É preciso resistir para não se entregar a uma realidade “inquestionável” em que o sistema político-econômico está corrompido e nós de mãos atadas. As relações entre o estado, as empresas, os partidos, as instituições criam uma dinâmica que dá a entender que há só um jogo a ser jogado. Mas e se eu não quiser jogar? Aí, se prepare à caça às bruxas.

Essa sociedade, parte de uma lógica disfuncional, acaba criando incentivos para que todo mundo se comporte mal ou se cale. E olha que há exemplos de bom comportamento pelo mundo acontecendo neste exato momento de quem resolveu agir, sabendo que democracia é processo contínuo confeccionado por muitas mãos.

No Chile, 17 centavos a mais na tarifa de metrô; no Líbano, cobrar imposto pelo uso do WhatsApp; em Hong Kong, projeto de lei que permitiria a extradição de pessoas para a China; na Espanha, manifestantes separatistas presos; no Haiti e no Iraque, mais e mais escândalos de corrupção; no Equador, aumento exorbitante de combustíveis são expressões dessa situação precária onde o rico cada vez fica mais rico e o pobre cada vez fica mais pobre. O motivo, como diziam As Meninas, é que o de cima sobe e o de baixo desce, ambos velozmente opostos na ciranda neoliberal.

Para além das notícias ou do axé, eles e nós temos serviços públicos ruins, a representatividade deteriorada e antiquada, a desigualdade social estampada, a péssima distribuição de renda, e a falta de educação. Esta, não só escolar, mas em especial aquela que tem na vida e ruas espaços de aprendizagem criados para motivar, engajar e promover o desenvolvimento humano com conhecimento compartilhado.

No Brasil, me parece urgente que se perceba como motivo a se mexer a defesa da democracia, com viés progressista. Defesa em especial dos valores democráticos, da Constituição, mesmo que você torça o nariz para o Congresso Nacional, para o Poder Judiciário e para os políticos em geral. E ocupar ruas para um país que sabe tão bem a força delas é chover no molhado.

“Frevo Novo”, antiga canção de Caetano, diz que ”A praça Castro Alves é do povo, como o céu é do avião” e ainda ”manda essa gente sem graça pro salão” aos que torcem contra o vivo pulsar da cidadania. Antes que você me retruque com “isso aqui não é Carnaval”, sinto que é nele que vamos beber para a mudança. O Castro Alves da praça baiana no poema “Poder ao Povo” me inspira a crer que protestos nas ruas são a vida de um povo. A ação construtiva e criativa em que as pessoas administram solidariamente instâncias de poder com as próprias mãos são decisivas para que se reinvente a democracia e se sepulte rompantes autoritários. AI-5 nunca mais.

Para ter árvore frondosa, há de se ter semente. O todo está em cada uma das sementes. Por isso, é trabalhando de grão em grão que se enche o papo. E cada um no seu quadrado não significa isolado. Ao corrigir editais que “esquecem leis” e (re)clamar remunerações que não condizem nem com a legalidade nem com a realidade; ao não acreditar que pingo d´água de chuva abre buraco em asfalto que deveria durar 20 anos; ao não se deixar abater quando te perguntam “o que é fazer o certo?” fazemos nossa parte na trajetória. Se a motivação é certa já se tem meio caminho andado.

*Professor e Vereador de Boa Vista

Os óbices e as agruras das redes sociais

Sebastião Pereira do Nascimento*

No mundo contemporâneo, fatores como a necessidade exacerbada de nos mostrarmos ou expormos coisas que possam causar impacto para o outro estão cada vez mais visíveis, na medida em que temos nas redes sociais a possibilidade de postarmos acontecimentos como queremos que eles realmente fossem.

E essa impressão “perfeita” que acreditamos que possamos para as outras pessoas, nos mostra o quanto temos de incapacidade humana em lidar com as modernas tecnologias digitais.

Considerando assas manifestações diante das redes sociais, é possível constatarmos as inversões de valores, onde o outro é cada vez mais distante e estranho para nós. E há quem tema que essa tendência geral possa ser uma ainda mais destrutiva socialmente, pelo fato das pessoas não imporem limitações éticas e morais quanto às exposições demasiadas nas redes sociais, muitas vezes postando imagens e comentários sem nenhum compromisso com a verdade e sem julgamento prévio.

O desejo sôfrego da pessoa querer ser o centro das atenções, querer notoriedade social a todo custo, a busca incessante da autopromoção nos meios virtuais, o apego excessivo aos próprios interesses, tudo isso é uma atitude de pessoas doentias, que sustentam algo reservado apenas aos sociopatas, ainda mais quando esses fatores estão associados ao desprezo pelo outro (levando a um transtorno de personalidade), onde o indivíduo passa desprezar também os valores morais e simular sentimentos no intuito de conseguir manipular outras pessoas, satisfazendo sua cobiça de querer ser o mais belo, o mais perfeito, o mais extraordinário.

Em outras ocasiões, esse tipo de comportamento pode ser ainda mais prejudicial à pessoa, quando ela divulga algo e não consegue uma reposta à altura do que esperava. Com isso a pessoa pode sofrer uma grande frustração tornando a sua vida profundamente angustiante. Na realidade, isso evidencia o quanto nós estamos vivendo dissociados dos afetos humanos e acercados pela vaidade extrema, onde cada um visa apenas o seu bel-prazer.

Com isso em mente, é possível afirmar que esses meios de relações virtuais estão convertendo os seres humanos não só em espectadores insensíveis, mas em sujeitos ávidos em se autorrevelarem, postando imagens e fatos infundados apenas para a sua satisfação. Onde o sujeito expõe o seu conteúdo virtual da forma em que ele deseja, muitas vezes transformando uma coisa insignificante em algo que para ele é extraordinário.

Não bastante, essas ações desorientadas tanto causam indignação às pessoas comprometidas com a verdade, como deterioram cada vez mais os valores morais da sociedade contemporânea, salientando que sem a resistência moral, as pessoas entram em turbulência mental, e consequentemente deixam de fazer as coisas certa, muitas vezes até de forma imperceptível, não raro para satisfação própria.

Assim, a internet, apesar dos benefícios para a humanidade, passa a ser também um instrumento virtual perigoso nas mãos de uma massa humana acéfala, que se exime dos atributos morais e passa expor as mais diversas ameaças como aquelas que exprimem as conspirações maquiavélicas, os gestos e linguagens toscas, os repulsivos abusos sexuais, as futilidades que agridem o senso humano e as notícias falsas e ofensivas que revelam o ódio e o preconceito, além dos escárnios praticados por agentes governamentais, que a todo momento quebram o decoro dos cargos públicos que ocupam. Também, assistimos ainda as inúmeras distorções existenciais que levam as pessoas a se mostrarem como protagonistas de algo que elas mesmas não têm noção. Isso tudo, faz das redes sociais um espaço insalubre para os humanos, obrigando os órgãos de controle criar mecanismos para coibir os excessos, ainda que tais mecanismos não seja
m eficientes.

Portanto, o que assistimos atualmente é o fracasso da mobilização coletiva, submetido a um contínuo processo de desconstrução dos valores morais e sociais, onde a pessoa manifesta seus mais intensos desejos de satisfazer seus próprios apetites, os quais conduzem sempre a um conflito com o meio social em que vive. A pessoa que age assim, no geral, está mobilizada para conseguir algum objetivo sem, contudo, reparar os meios para tal fim.

No que concerne aos juízos morais que guiam a nossa conduta social, Aristóteles fala que de maneira decisiva é possível aplicar esses atributos a questões mais práticas, com as quais nos confrontamos nas nossas vidas quotidianas. Conduzindo isso para uma postura diante das redes sociais, devemos considerar as questões do ponto de vista moral de todos os entes envolvidos, nos colocando na posição de cada um, assim como na nossa, e de agirmos de forma que seja gratificante para o outro, como se fosse para nós mesmo.

* Filósofo [email protected]

Atividades físicas

Afonso Rodrigues de Oliveira*

“Quem não tem sonhos vive agarrado ao presente.” (Márcio Moreira Alves)

Sonhar é gostoso pra dedéu. Mas cuidado com o que você sonha. Na maioria das vezes é nos sonhos que ficamos pairando no espaço vazio. Você se lembra de quando lhe falei do dia que a dona Salete implicou comigo porque eu não fazia malhação? Ela me deu uma bronca porque eu, segundo ela, estava muito frágil. Ficou uma hora dizendo que eu precisava muito de malhação. Até que à tardinha, ela saiu e fiquei sozinho em casa. Lembrei-me da bronca dela, e liguei o televisor para me distrair. E, coincidentemente, estava iniciando a novela “Malhação”. Resolvi assistir pra me divertir. O fato é que quando a dona Salete chegou, eu estava vivinho da silva, pulando pela sala.

Semana passada, aqui na Ilha, ela repetiu a chamada de atenção. Só que agora ela não me deu chance. Levou-me ao “Clube da Boa Idade” e me matriculou para a prática de jogo de sinuca. E como sempre, não adiantou meu protesto. Estava matriculado e teria que ser tão bom em sinuca o quanto ela falou pra todo mundo que eu era. Foi o maior sufoco. Mas eu ainda teria que passar por uma bateria de exames médicos. O Clube me encaminhou para o URA, naquele prédio ali, na Praça, bem em frente à minha janela. Ontem tive que me levantar cedo porque os exames seriam às oito da manhã. E lá fui, acompanhado, claro. 

Tudo foi tão simples e fácil que desconfiei se estava no Brasil. Logo chegou minha vez, o médico me chamou, entrei, conversamos e ele me perguntou qual a doença que mais me atormentou na minha vida. Fiquei parado, olhando para ele, ele sorriu e abriu o jogo de perguntas. Não me lembrei de nada. E enquanto isso, ele escrevia o documento que me autorizava a jogar sinuca no Clube dos de boa idade. Dona Salete ficou muito feliz. Finalmente eu iria ter o que fazer. Aí me convenci de que Jogar sinuca faz bem à saúde. 

Ao contrário do que parece, me diverti bastante no corredor do Posto de Saúde com uma criança brincalhona. Um garotinho negro, filho de um casal negro. O garoto não tinha mais de quatro ou cinco aninhos. Mas pintava e bordava, em brincadeiras divertidas. Corria pelo corredor, abraçava o pai, sorria para as pessoas e coisas assim. Até que em dado momento, enquanto o pai olhava um cartaz, o garoto abaixou-se e mordeu o pé do pai. Este, sem refletir, deu um tapa pesado, no garoto. Mas ele não se intimidou. Ficou olhando para o pai, fez um bico como se estivesse chamando o pai de boboca. O pai voltou ao cartaz e o garoto deu um tremendo tapa na perna dele. Os dois se olharam e ficou por isso mesmo. Diverti-me. Pense nisso.

*Articulista [email protected] 9912191460