Cuide da saúde mental do seu bicho
Ansiedade, automutilação, agressividade… Entenda os principais problemas de comportamento animal — e saiba como lidar com as emoções deles
Chegava perto do meio-dia de uma sexta-feira e o antropólogo Jean Segata estava prestes a encerrar o expediente na clínica veterinária onde fazia seu trabalho de campo para o doutorado. Localizado no município catarinense de Rio do Sul, no Vale do Itajaí, o estabelecimento também funcionava como pet shop. O objetivo do estudo era investigar o uso de tecnologias voltadas à saúde e à estética dos animais. Porém, naquele verão de 2009, a tese de Segata tomou um novo rumo.
Uma mulher entrou na sala de espera com um poodle de 9 anos bastante fraca e desidratada. Pink (nome fictício atribuído na pesquisa) não comia nem bebia água direito, gemia a noite toda, se coçava constantemente e andava meio acanhada. “Outro doutor me disse que ela está com depressão, mas eu não acredito nisso. Minha amiga na contabilidade é depressiva e não se comporta assim”, antecipou a contadora e tutora.
Após avaliar o estado de saúde da cadela, o veterinário responsável recomendou que ela ficasse o fim de semana internada na clínica. Segata acompanhou atentamente a bateria de exames e a aplicação de soro. Feitos os testes de laboratório e descartadas possíveis doenças, o veterinário confirmou as suspeitas iniciais: Pink estava mesmo deprimida.
Mais tarde, o antropólogo descobriria que esse não era exatamente o diagnóstico. Diferentemente da complexa depressão humana, o comportamento depressivo dos animais não configura um transtorno mental em si. Ele é um nome genérico para uma estratégia de proteção, uma reação do corpo a algo que não vai bem.
“Quando o animal fica doente, a depressão é necessária para deixá-lo mais quieto, menos vulnerável. Também é acionada para problemas que, cognitivamente, ele não consegue resolver”, explica o veterinário especialista em comportamento animal Mauro Lantzman, que atua em São Paulo. Na maior parte do dia, Pink ficava sozinha no apartamento e saía pouco para passeios ao ar livre. Os maus hábitos da cuidadora estavam, assim, se refletindo na cadela. Segala percebeu que os laços entre pessoas e bichos domésticos eram muito mais profundos do que julgava, pelo menos do ponto de vista antropológico. “Nós e os Outros Humanos, os Animais de Estimação” foi o título de sua tese de doutorado, defendida em 2012.
Ainda que a depressão animal seja diferente do transtorno que acomete a nossa espécie, os bichos também podem sofrer de um distúrbio com sintomas parecidos com os do nosso quadro depressivo. É a síndrome de ansiedade da separação em animais (Sasa). A Sasa consiste em um conjunto de reações que os bichos exibem ao ficar sozinhos ou separados de alguém querido. Seus sinais mais comuns são as vocalizações excessivas, a atitude destrutiva e o comportamento depressivo — ou seja, a depressão em si é mais um sintoma da síndrome.
Papagaios em prantos
Pássaros também podem apresentar sinais de ansiedade resultante da separação dos donos. É o que ocorre com espécies de papagaios e as calopsitas, por exemplo. Como são animais altamente sociáveis, a saída de outra ave ou do tutor pode desencadear uma sucessão de “gritos”. As vocalizações começam como simples chamados e, se não forem atendidas, progridem para barulhos cada vez mais nervosos. Para reverter isso, o tutor pode tentar acostumar o pássaro à sua ausência, começando com saídas breves e, gradativamente, seguindo com outras mais longas.
A saúde mental dos bichinhos idosos
Conforme a idade avança, comportamentos inusuais podem indicar outro problema, a síndrome da disfunção cognitiva (SDC), doença degenerativa semelhante ao Alzheimer humano. “Os animais podem ter andar errante, sair de casa e não saber como voltar, se esquecer do tutor, desaprender a fazer suas necessidades no lugar certo”, ilustra Gisele Fabrino, professora de veterinária da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Araçatuba.
Apesar de não ter cura, a SDC pode ser tratada para amenizar os sintomas. Estímulos mentais e alguns suplementos alimentares parecem ajudar. Mas, como em outras situações, é fundamental consultar o veterinário para diferenciar um transtorno de uma esquisitice comportamental resultante de uma dificuldade de adaptação à vida que demos aos pets. Às vezes, pequenos ajustes na rotina já trazem mais conforto, segurança e alívio para eles.
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