Dono da verdade
João Baptista Herkenhoff*
Não sou dono da verdade. Aceito com a mesma tranquilidade opiniões favoráveis ao que escrevo e opiniões contrárias a meu pensamento.
Minha única preocupação é ser fiel às ideias em que acredito.
As proposições das quais discordamos podem revelar verdades que não conhecíamos.
Quando um texto, escrito por este ou por aquele, provoca controvérsias, isto prova que o autor disse alguma coisa. Quando ninguém se manifesta, nem a favor, nem contra, o autor deve ficar desapontado porque, com toda certeza, discorreu sobre o sexo dos anjos.
O debate contribui para o avanço de um povo. Alguns textos que escrevi em “A Gazeta” foram rebatidos na coluna de Cartas dos Leitores, o mais democrático espaço do jornal. Muitos outros foram elogiados e compartilhados.
Nasci em Cachoeiro de Itapemirim, uma cidade onde o pensamento divergente sempre circulou como senha de inteligência. Newton Braga, símbolo de minha terra, foi um alternativo, no seu modo de viver.
Renunciou a um cartório – vida financeira tranquila – porque um juiz quis obrigá-lo a usar gravata durante todo o expediente.
Recusou-se a sair de Cachoeiro para tornar-se tão famoso quanto o irmão (Rubem Braga) porque não podia viver longe do marulho das águas de seu rio (o Itapemirim).
Criou uma festa, que é mais que uma festa – é um poema: o Dia de Cachoeiro. Uma festa alternativa porque baseada: no afeto mais puro (uma festa de amor e de doçura); na igualdade das pessoas (receberam o título de Cachoeirense Ausente Número – um tipógrafo, Trófanes Ramos; um cantor famoso, Roberto Carlos; um empresário, David Cruz).
De minha parte considero esse troféu o mais importante que poderia ter recebido durante toda a existência. Para um escritor, nascido na cidade guardada pelo Itabira, ser Cachoeirense Ausente Número Um é mais significativo do que ingressar na Academia Brasileira de Letras.
Quem não é cachoeirense supõe que isto seja um exagero, mas exagero não é. Na Academia entram gregos e troianos. Entram escritores e pseudo-escritores.
Registre-se que a Academia rejeitou o ingresso do grande poeta capixaba Geir Campos, rejeição que deslustrou a entidade e em nada diminuiu o brilho e o mérito do poeta que escreveu estes versos:
“Morder o fruto amargo e não cuspir mas avisar aos outros quanto é amargo. Cumprir o trato injusto e não falhar mas avisar aos outros quanto é injusto.”
*Juiz de Direito aposentado e escritor
Email – [email protected]
Agora descobri por quê
Afonso Rodrigues de Oliveira*
“Para que levar a vida tão a sério, se a vida é uma alucinante aventura da qual jamais sairemos vivos?” (Bob Marley)
Estamos comemorando sessenta e um anos de casados. Uma temporada de harmonia, convivência sadia e exemplar. Mas mesmo assim o cabeça dura, aqui, está sempre se perguntando: por que será? Recentemente lhe falei dos dias de convivência, logo depois do casório. Na verdade, foi o primeiro dia de convivência. Quando cheguei do trabalho, para o almoço, e ela estava agoniada. E me disse que só sabia fritar ovos. Aceitei e fomos fritar. Ela pegou o ovo e perguntou: e agora, como é que eu faço? Foi legal pra dedéu.
Os tempos se passaram, seis filhos se criaram e a convivência continuou baseada e escudada na harmonia e muita felicidade. Coisas do dia a dia foram sendo aprendidas e outras esquecidas. O que leva a vida pelos escorregões do tempo. Lembra-se que já lhe falei do dia em que ela colocou meu sapato molhado, no forno pra secar? Quando sentimos o mau-cheio, foi que corremos e o sapato já era um bife de pé. Coisas que ao invés de nos levar a briguinhas comadrescas nos levaram, e levam, a risos e alegria.
Recentemente ela fez um bolo, aqui na Ilha. Quando tirou o bolo do forno, ele parecia mais um chapéu de vaqueiro de quadrilha junina. O chapéu entrou nas redes dos familiares, através da internet. Foi a farra. Ontem ela fez outro bolo. Só quando ele estava no forno foi que ela lembrou-se de que tinha se esquecido de colocar farinha de trigo, no bobo. Mas já era tarde. O bolo assou assim mesmo. E ele saiu do forno igualzinho ao chapéu. Divertimo-nos e quando ele esfriou, ela o experimentou. Aí gritou, pulando de alegria: hummmm… tá legal! Tá muito gostoso! Tá saboroso. Aí ficamos na nossa, esperando a hora do café da tarde, para comermos o bolo parecido com o chapéu, mas sem farinha de trigo. Foi muito legal.
Não demorou muito e chegaram, o Alexandre e minha nora, para o usual café da tarde. E foi aí que descobri o porquê da nossa convivência feliz. Foi quando o casal entrou, que ela gritou de braços abertos. Finalmente fiz um bolo “Seu Afonso.” Ninguém entendeu, todos rimos, e o Alexandre perguntou:
– Como assim?
De braços abertos e mãos agitadas no ar, ela respondeu?
– É feio, mas é gostoso!
Todos olharam pra mim, mas não me inquietei porque já estou maduro nos trancos. Aí sorri me lembrando de que sempre falei pra você, algo que chama a atenção para o entrosamento. Eu sempre lhe disse que sou um cara com, pelo menos, as cinco qualidades que uma mulher deseja num homem: sou pequeno, magro, feio, pobre, e isso aí… Pense nisso.
*Articulista
99121-1460